O crime organizado tem preocupado instituições políticas, judiciárias e econômicas em virtude da influência que seus próprios agentes exercem nestas esferas de poder. Com origens entre o fim e o início dos séculos XIX e XX, respectivamente, alguns historiadores afirmam encontrar no cangaço, que atuou na região Nordeste, a gênese deste tipo de atuação criminosa. Assim, para combater a prática, o direito brasileiro criou a delação premiada, um dispositivo legal que, desde que atenda certos critérios, pode trazer benefícios para o interesse público.
A opinião é do presidente da Comissão de Direito Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso (OAB-MT), Waldir Caldas Rodrigues, que recebeu a equipe do Circuito Mato Grosso no seu escritório em Cuiabá.
Para o especialista jurídico, a Lei 12.850/2013, decretada em agosto do ano passado por Dilma Rousseff, “tornou o instituto jurídico mais robusto”. O referido texto legal, além de definir organização criminosa, “dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado”. Waldir exaltou a possibilidade de integrantes desses grupos ajudarem a justiça, no entanto, disse que esse recurso deve seguir regras.
“Alguém que é comprometido com o interesse público em detrimento do particular, deve ser recompensado. No entanto, é preciso comprovar se a informação é realmente útil para as investigações”, diz ele.
“Arauto da verdade” – Waldir explica que a delação premiada, ou colaboração premiada, depende de critérios que o juiz do caso estabelece, afirmando que existem duas possibilidades de benefícios previstas para o delator: o “perdão judicial”, dispensando-o de cumprir a pena, ou a chance de redução penal do indivíduo em no máximo até 2/3 do tempo total. Em ambos os casos, o advogado afirma que esses benefícios dependem da “relevância” do conteúdo relatado para as investigações.
“Apesar de ter cometido uma conduta antijurídica, ele pode ser dispensado pelo juiz de cumprir a pena ou ter reduzido seu tempo de condenação para até 2/3 do total. Ambas dependem de informações efetivamente valiosas para o esclarecimento de fatos obscuros, reconhecidos na investigação”, analisa.
No entanto, o presidente da Comissão de Direito Carcerário faz um alerta: “Tenho uma preocupação em transformar o delator, que também é autor do crime, em arauto da verdade, pelo simples fato de se dispor a delatar os demais. A delação é tão somente um norte, o início de uma investigação, e não seu fim. Deve-se ficar atento se o denunciante não quer apenas atingir um adversário ou desafeto pessoal”, adverte.
Delação é um dos pilares da Ararath
Um caso recente que atingiu em cheio o centro do poder de Mato Grosso, e que tem como uma de suas principais características a delação premiada de um dos acusados pela operação de um suposto esquema fraudulento que beneficiou gestores públicos famosos, foi a operação Ararath.
Gercio Marcelino Mendonça Júnior, também conhecido como Júnior Mendonça, operou por anos um tipo de banco clandestino que realizava transações ilegais que supostamente beneficiou políticos mato-grossenses. Capitaneada pela Procuradoria Geral da República (PGR), as investigações que começaram em 2010 apontam indícios de lavagem de dinheiro, formação de organização criminosa, gestão fraudulenta de instituição financeira, corrupção ativa, corrupção passiva e falsidade ideológica.
Nomes importantes da política de Mato Grosso já foram alvo da operação. O ex-secretário da antiga Agecopa – que depois mudou o nome para Secopa – Éder Moraes, “homem forte” de Silval Barbosa (PMDB), como o próprio governador afirmou na época em que assumiu o Palácio Paiaguás no lugar de Blairo Maggi, em 2010, e o onipresente José Geraldo Riva (PSD), uma das figuras mais eminentes do Poder Legislativo mato-grossense, onde ocupa a cadeira de deputado estadual, chegaram a ser presos pela Polícia Federal (PF).
Meio bilhão de reais – O próprio Silval Barbosa teve de prestar esclarecimentos após sofrer um mandado de busca e apreensão em sua residência pela Ararath. Contudo, o chefe do Executivo estadual não chegou a ser preso.
Deflagrada em maio deste ano, a quinta fase da operação também investiga outras figurinhas carimbadas de Mato Grosso, como o prefeito de Cuiabá Mauro Mendes (PSB) e o ex-governador e atual senador Blairo Maggi (PR).
Delator premiado do esquema que investiga o suposto esquema fraudulento, Mendonça Júnior vem colaborando com a justiça nas diligências. A 6ª fase da operação, ocorrida no último dia 26 de setembro, cumpriu cinco mandados de busca e apreensão. Ao todo, estima-se que o esquema tenha movimentado mais de R$ 500 milhões.
Lava Jato investiga esquema bilionário
Outra operação da Polícia Federal que vem sacudindo os poderosos é a operação Lava Jato, que investiga um suposto esquema que desviou bilhões e que pode ter beneficiado partidos políticos.
A Lava Jato apura denúncias de lavagem de dinheiro que têm origem no mercado clandestino, tráfico de drogas, corrupção, sonegação fiscal de impostos e desvio de verbas públicas. De acordo com a PF, o esquema pode ter movimentado até R$ 10 bilhões e envolve contratos com a refinaria da Petrobras Abreu e Lima, em Pernambuco, onde suspeita-se que R$ 400 milhões podem ter sido desviados.
Outra refinaria, a de Pasadena (EUA) também é investigada por indícios de ilegalidade em sua aquisição, ocorrida em 2006 ao custo de US$ 360 milhões por 50% da empresa, que pertencia à belga Astra Oil.
Porém, uma derrota judicial sofrida pela Petrobras em favor da Astra Oil obrigou a estatal brasileira a desembolsar U$S 1,18 bilhão para adquirir toda a empresa dois anos depois, em 2008.
Na Lava Jato, a figura central pertence a Alberto Youssef, proprietário de uma casa de câmbio em Londrina, norte do Paraná, e que tem ligações com políticos e empresários acusados de se beneficiarem dessas ações ilícitas.
Youssef está detido desde março deste ano, no entanto assinou um acordo de delação premiada com o Ministério Público no dia 24 de setembro para ajudar nas investigações e reduzir sua pena, assim como Paulo Roberto da Costa – ex-diretor de refino da Petrobras que ajudou empresas de fachada do doleiro a fechar contratos com a estatal e que também foi beneficiado com o dispositivo jurídico.