- Com vagar
- Senhora do tempo
- Vai erguendo os seus braços
- Balançando ao vento
- Teresa Salgueiro
“Senhora do tempo”, depois de quase quatro décadas como pesquisadora da Funai e quase duas como professora de História do Univag Centro Universitário, dedico-me a meios de vida que até então o tempo não consentia. Dentre eles, a cuidadosa construção de um perfil no Instagram (@anna.costa1982) onde passo a postar imagens relacionadas aos meus interesses – Literatura, Artes, Colecionismo (selos, cartões postais e livros infantis e juvenis, todos na temática indígena) e História (do Brasil, Indígena e do Indigenismo).
Assim, ao estrear nessa plataforma visual de mídia social, dediquei-me ao trabalho paciencioso de selecionar um conjunto imagético para apresentar aos meus seguidores. Formado de várias peças, considero-o como um quebra-cabeças interminável, que precisa ser alimentado com regularidade, dada a natureza mutante dos seres humanos. Em uma tacada, lá estavam umas quarenta imagens. E, em poucos minutos, umas tantas curtidas. Corações vermelhos coroando todas elas.
Dentre as peças escolhidas, uma fotografia de uma mulher da etnia Nambiquara. De autoria de José Louro, fotógrafo e cinegrafista da Comissão Rondon, foi publicada em 1946 em “Índios do Brasil”, volume 1, a conquistar a página por inteiro. Do rico acervo imagético resultante das expedições rondonianas, esta é a que mais retêm meu olhar e movimenta meu pensar. Seus olhos, lábios cerrados, postura corporal vestem sua nudez. Agradaria, com mil certezas, meus seguidores.
No dia seguinte, ao dar continuidade à construção do Insta, fui tomada por um mal-estar ao receber uma mensagem de que a foto fora censurada diante à nudez da “jovem índia Nenê”, como é identificada no livro. De imediato, visitaram meus pensamentos as tantas e tantas fakenews que sistematicamente invadem as redes sociais, ainda que não exponham corpos nus.
- Índia Nenê
- Foto: José Louro
Escaldada, dias se passaram até que eu voltasse a compor as peças do Insta. “Cheia de dedos”, a seleção de imagens mudou o tom descontraído, simples, espontâneo e até mesmo informal que marcaram as primeiras postagens. Ainda engasgada com a repreensão do Insta até ser presenteada por Loyuá com um souvenir do Museu de História Natural de Viena: um lápis com ponteira de Vênus de Willendorf.
A reprodução em resina da escultura da Vênus de Willendorf transportou-me para 2018, ano em que o Facebook censurou a imagem por conter nu. A famosa escultura, datada de quase 30 mil anos, é considerada uma obra-prima da arte paleolítica. O Museu de História Natural de Viena, detentor da estátua de 11 centímetros, expressou sua indignação diante à alegação de expor “conteúdos impróprios”. Informou que “a peça foi encontrada na aldeia austríaca com o mesmo nome no início do século 20 e é a representação pré-histórica de uma mulher mais popular e conhecida no mundo”. A direção da instituição museal enviou solicitação ao Facebook para que “permitisse que a obra fosse partilhada tal como está em exposição há mais de um século e que não há nenhum motivo válido para ocultar ou cobrir a nudez da obra, nem no museu, nem nas redes sociais.” O diretor do museu vienense bradou: “Deixe a Vênus ficar nua!”
“Senhora do tempo”, junto-me à direção do Museu de História Natural de Viena e a todos os admiradores da Vênus de Willendorf para exigir a liberação da imagem censurada. Ou melhor, para a revisão nas regras do Facebook ao se tratar de obras de arte. O mesmo para o Instagram.
E, todos juntos, em vozes unissonantes: “Deixe a Vênus ficar nua!” Deixe a Nenê ficar nua!
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.