A Defensoria Pública de Mato Grosso entrou com pedido de habeas corpus coletivo e preventivo, com tutela de urgência, em favor dos presos participantes de audiências de custódia na 2ª Vara Criminal da Comarca de Sorriso (398 km de Cuiabá) para que não sejam submetidos ao constrangimento ilegal da ausência da presença física deles ou do magistrado.
Segundo o HC, o juízo da referida vara criminal tem, sistematicamente, realizado audiência sem a presença física do custodiado e/ou magistrado, utilizando-se para tanto de meios tecnológicos, como chamadas de vídeo ou perguntas previamente gravadas em áudio e reproduzidas oralmente.
As razões invocadas são o “afastamento vinculado” do magistrado, previamente autorizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), e “ordem de serviço do juízo que regulamenta o tema”. Em outros casos, os motivos sequer são expressos nas atas.
“A utilização de tais expedientes (videoconferência, perguntas gravadas etc.) em audiências de custódia, além de encontrar instransponível óbice no ordenamento jurídico vigente, causa dois grandes efeitos deletérios: processualmente, inutiliza o ato, tornando-o um ritual inócuo e vazio de significado; materialmente, desumaniza o processo penal, distanciando psicológica e emocionalmente o julgador do jurisdicionado”, afirmou o defensor público Felipe Takayassu, autor do pedido.
Em pelo menos três audiências de custódia, o magistrado não estava fisicamente presente, sendo determinado que sua assessora reproduzisse uma pergunta previamente gravada em áudio: “Essa aqui é sua audiência de custódia. Nós queremos saber se, quando você foi preso, você sofreu algum tipo de lesão. Você responde a essa pergunta e, na sequência, as perguntas do Ministério Pública e da Defensoria, tá bom?”.
O Juízo também tem realizado audiências de custódia pelo sistema de videoconferência, seja com o custodiado no presídio, seja com o juiz fora do Fórum, em casos ocorridos em expediente forense comum (fora do plantão regionalizado), mesmo com a insurgência da defesa técnica.
“A oralidade objetiva justamente a constatação física-visual das possíveis marcas da violência pelo juiz, bem como a construção de um ambiente seguro para a própria denúncia dela pelo custodiado (por exemplo, no Fórum, ao lado do seu defensor público e não sozinho no presídio). A distância também desumaniza o processo, pois o preso passa a ser uma mera imagem na tela do computador ou do celular, sem existência real, sem história ou emoções. Por conseguinte, passível de aplicação de toda sorte de sofrimento e aflição por um juízo tecnologicamente esterilizado de culpa”, explicou o defensor público.
No dia 6 de maio, a Defensoria oficiou ao Juízo da 2ª Vara Criminal de Sorriso para que a audiência de custódia não ocorra por meio de videoconferência, seja do juiz e/ou do réu, nos termos da Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 7°, item 5 – Pacto de São José da Costa Rica) e da Resolução n° 2013/CNJ (art. 1°), e para que o magistrado e o preso estejam fisicamente presentes em qualquer audiência. Porém, as audiências de custódia por videoconferência continuam ocorrendo.
O TJMT só permite a utilização de videoconferência na excepcional hipótese do plantão regionalizado, a fim de evitar a demora processual para apresentação do preso, segundo o Provimento n° 12/2017-CM. Não é o caso dos autos, que ocorreram durante o expediente forense comum.
O Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) já emitiu nota técnica contra o projeto de lei denominado “Pacote Anticrime” (Lei n° 882/2019), que incentiva as audiências de custódia por videoconferência, apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.
A nota, publicada em março deste ano, menciona que, apesar da Constituição Federal de 1988 garantir de forma genérica a ampla defesa e o devido processo legal, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, “d”) estabelece de forma cristalina que “toda pessoa acusada de um delito terá direito (…) de estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha (…)”.
De acordo com o defensor, é impossível exercer o direito de defesa por meio de uma entrevista por telefone e uma audiência virtual. “Processo criminal é feito de pessoas e para pessoas. Há vidas por trás de cada papel e elas merecem ser respeitadas como tal”, finalizou Takayassu.