Sob o argumento de que é preciso construir “um novo Brasil”, com menos Estado e mais produtividade, o presidente Jair Bolsonaro usará o expediente do decreto, logo nos primeiros dias de governo, para mudar portarias ministeriais, instruções normativas e até resoluções, sem passar pelo crivo do Congresso. As medidas atingem praticamente todas as áreas – do meio ambiente à indústria e comércio, da segurança pública à habitação – e vão além do pente-fino anunciado na semana passada para promover a revisão de atos praticados pela equipe de Michel Temer.
“O nosso compromisso é tirar o governo do cangote dos cidadãos”, disse ao Estado o novo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Desfazer a burocracia não depende do Congresso. Só depende da canetada do presidente.”
O núcleo duro do governo Bolsonaro está preparando um pacote de iniciativas que, no diagnóstico de Onyx, terão como meta “simplificar a legislação existente e favorecer a atividade econômica, do pequeno ao grande empreendedor”.
História
A adoção do modelo de decretos para assegurar a rápida entrada em vigor dos projetos de interesse do Palácio do Planalto – e revogar iniciativas vistas como “obstáculo” ao crescimento – começou a tomar forma a três dias da posse de Bolsonaro. No sábado, ele postou mensagem no Twitter anunciando que pretende garantir, por decreto, a posse de arma de fogo para quem não tiver antecedentes criminais. Mudanças em questões envolvendo o Código Florestal também estão na mira do Planalto, mas ainda não há detalhes sobre o que será apresentado.
O novo vice-presidente, general Hamilton Mourão, avalia que o governo precisa aproveitar o capital político dos primeiros seis meses da gestão – período conhecido como “lua de mel” – para investir na comunicação com a sociedade e “traduzir” medidas até agora consideradas amargas, como a reforma da Previdência.
Bem humorado, o general chegou a citar o personagem Giovanni Improtta, bicheiro que fez sucesso na novela Senhora do Destino, para definir a necessidade de urgência no encaminhamento das propostas. “O tempo ruge e a Sapucaí é grande”, afirmou ele, caindo na gargalhada.
As alterações no sistema de aposentadoria são classificadas como essenciais para a busca do equilíbrio das contas públicas e para transmitir aos investidores a mensagem de austeridade fiscal. “Mas, se nós não ganharmos a opinião pública, o Congresso vai nos criar caso”, admite Mourão. A reforma tributária é outra mudança que está entre as prioridades, mas deverá ficar para uma segunda etapa.
Nos bastidores, até mesmo aliados de Bolsonaro, porém, veem o prazo de 180 dias como “limite” para que o governo faça “concessões” aos partidos, sob pena de ter sua vida transformada em um inferno na Câmara e no Senado.
Na prática, embora o presidente tenha traçado diretrizes para os primeiros cem dias – com foco na redução do déficit público e melhoria do ambiente de negócios, além da promessa de cortar 30% dos cargos comissionados –, a tendência é que haja entraves no Congresso. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) como a da reforma da Previdência, por exemplo, precisa do aval de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação. Para piorar o quadro, a bancada do PSL de Bolsonaro já chega à nova legislatura rachada e há muitos insatisfeitos no caminho.
Teste. O primeiro teste da nova direção do Planalto no Congresso será a eleição para o comando das duas Casas, marcada para 1.º de fevereiro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disputa novo mandato, mas não tem o respaldo do PSL.
O governo também fará tudo para derrotar Renan Calheiros (MDB-AL), candidato à presidência do Senado. Em conversas reservadas, interlocutores de Bolsonaro afirmam que Renan não inspira confiança porque tem “canal direto” com o PT.
“Eu defendo candidatura própria do PSL na Câmara e no Senado ainda estamos discutindo”, afirmou o deputado Major Olímpio (PSL-SP), que é senador eleito. “Só digo o seguinte: se o Bolsonaro continuar esticando a corda, o Rodrigo será reeleito com apoio da esquerda e entregará o recibo para quem o ajudou na campanha”, resumiu o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos líderes da bancada evangélica.
Maia jura que não condicionará qualquer acordo com o PSL à pauta da Câmara, caso seja reconduzido ao cargo. A portas fechadas, no entanto, um integrante do novo primeiro escalão criticou a articulação política de Bolsonaro e não escondeu que teme uma espécie de “revanche” dos descontentes no Congresso.
“Ninguém vai defender mais a agenda econômica de Bolsonaro do que eu”, disse Maia ao Estado. “Eu acredito e vou defendê-la onde eu estiver. Estão criando interpretações que não existem.”