O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 09 de março, por maioria, que membros do Ministério Público (estadual e federal) não podem ocupar cargos políticos no poder executivo, incluindo secretarias de Estado e ministérios da União. A ação foi proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), que questionava a nomeação do procurador da Bahia Wellington César Lima e Silva para o ministério da justiça. Mato Grosso também sentiu os reflexos da decisão, que obrigou a debandada de três secretários do governo Pedro Taques (PSDB).
O ex-Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso (SESP-MT), Fábio Galindo, que é promotor de justiça em Minas Gerais, ficou menos de três meses no comando da pasta. Depois do anúncio de sua saída, Taques assumiu, de forma interina, a chefia da secretaria. No entanto, na última terça-feira (29), o chefe do Palácio Paiaguás nomeou Rogers Elizandro Jarbas, que ocupava a presidência do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN-MT) para o lugar de Galindo.
No curto espaço de tempo em que esteve à frente da SESP, Galindo colecionou polêmicas com declarações controversas. Em fevereiro, numa entrevista a um veículo de comunicação de Cuiabá, ele fez críticas ao que chamou de “direitos humanos”, afirmando que eles, antes de tudo, “deveriam proteger os pais de família”. Na mesma ocasião, o promotor também apontou uma suposta “inversão de valores”.
A Ordem dos Advogados do Brasil seccional Mato Grosso (OAB-MT) publicou uma nota de repúdio ao chefe da pasta pelas declarações dadas na entrevista, pontuando que “O Secretário abandonou os parâmetros da legalidade e passou a se confundir com o crime sob o pretexto de combatê-lo. Neste sentido revelou sua incapacidade de entender e intervir na realidade difícil do Estado do Mato Grosso e de liderar a Segurança Pública no Estado”.
A Secretária de Estado de Meio Ambiente, Ana Luiza Peterlini, também deixará a chefia da pasta. Embora oficialmente ela ainda faça parte da estrutura organizacional da SEMA, sua saída está programada para o próximo sábado (02), uma vez que ela também é promotora de justiça do MPE. A determinação do Supremo deve atingir ainda a secretária-adjunta de meio ambiente Maria Fernanda Corrêa da Costa, que também é membro do Ministério Público Estadual.
Dos 11 ministros do STF, dez votaram a favor da ação do PPS que questionava a nomeação do procurador da Bahia, Wellington César Lima e Silva, para o ministério da justiça. Todos os membros da corte entenderam que as funções no Ministério Público são incompatíveis com a ocupação de cargos no poder executivo. A exceção foi o ministro Marco Aurélio Mello. Em sua avaliação, a iniciativa do Partido Popular Socialista “tinha um endereço certo: fulminar um ato, referindo-se à nomeação da presidente Dilma Rousseff.
Baixas podem aprofundar problemas nas secretarias
A decisão do STF chega em momento delicado para as pastas de segurança pública e meio ambiente do Estado. Segundo dados da SESP, na comparação 2014/2015, houve diminuição de pouco mais de 8% no número de homicídios em Mato Grosso. Já os roubos, no entanto, tiveram aumento de 14% no ano passado, registrando 11376 ocorrências. Os dados comparam o primeiro semestre dos dois exercícios.
Outro dado sombrio que também assombra a segurança pública do Estado é a violência contra a mulher. Segundo o Mapa da Violência 2015, estudo publicado pela Flacso Brasil, o percentual de homicídios de mulheres subiu 15,5% desde 2006, mais do que a média brasileira que teve acréscimo de 12,5%. No mesmo período, o feminicídio cresceu 82,5% em Cuiabá, o que a credenciou a ocupar a inglória 7ª posição no ranking entre as capitais.
A SEMA, que além da Secretária teve de se resignar com a decisão que também tirou uma adjunta da pasta, não passa por um bom momento, como a SESP. Milhares de processos de licenças ambientais aguardam na fila para avaliação – de acordo com o Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (CIPEM), as licenças ambientais representam hoje 80% das demandas da secretaria.
O desmatamento no Estado – que já rendeu o pitoresco episódio envolvendo o ex-governador Blairo Maggi (PR), “premiado” com o troféu “motosserra de ouro” em 2005 – também preocupa. Segundo o Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre agosto de 2014 e julho de 2015, a derrubada ilegal e predatória de árvores, e seu consequente impacto na fauna, flora e entre os povos tradicionais cresceu 40% em Mato Grosso.
“Enquanto não mudar a política, pode colocar qualquer um”, diz sociólogo
Quando o assunto é política, nunca devemos esquecer que o pêndulo do poder, e seus consequentes resultados para a sociedade, depende muito mais da orientação e dos valores que cada representante do judiciário, legislativo e executivo trazem consigo – fruto de seu desenvolvimento cognitivo e social – do que qualquer outra coisa.
Para o Dr. em Sociologia e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos da Costa, especialista em segurança pública, “não adianta colocar juiz, promotor ou mesmo governador à frente de uma secretaria de segurança enquanto a orientação política não mudar”.
Naldson afirma que as unidades federativas brasileiras, nos períodos que antecederam à abertura democrática, durante a ditadura, escolhiam coronéis da polícia militar para comandar as secretarias de seguranças pública, pois se pensava que eles teriam “pulso” para comandar seus subordinados e proteger a população. Contudo, segundo ele, o resultado foi exatamente o contrário do que se esperava.
“Na repressão, o poder executivo convocava coronéis da reserva para as secretarias de segurança. A ação não surtiu efeito positivo nenhum, pois no período surgiram os esquadrões da morte e grupos de extermínio com a participação de policiais”, disse.
Para Naldson, a decisão do STF que proíbe a atividade no poder executivo de membros do Ministério Público é “acertada” uma vez que os “promotores e procuradores possuem atividade orientada na defesa do cidadão contra o Estado” e afirma que a disputa de poder envolvendo as polícias militar e civil que, segundo ele, “atrapalha tanto a repressão quanto a investigação realizada por esses órgãos”, segue um modelo “arcaico” e que, enquanto persistirem nele, “a violência só aumentará”.
“Só a mudança de modelo, que leve em conta a articulação conjunta entre inteligência, repressão, prevenção e promoção à cidadania pode alterar esse quadro. Enquanto isso não ocorrer, estaremos enxugando gelo”.