Em uma manobra do Ministério do Trabalho e Emprego, as regras de criminalização do trabalho escravo foram fragilizadas e parte do conteúdo proposto na reforma trabalhista sobre as atividades empregatícias em zona rural passou a vigorar nesta semana.
A portaria publicada na segunda (16) e assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira fez três alterações nas normas então vigentes e todas dificultam a penalização de empregadores flagrados com contratados em situação análoga à escravidão.
Por ordem de gravidade, a portaria estabelece a definição do trabalho escravo em quatro pontos: submissão sob ameaça de punição; restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho; uso de segurança armada para reter trabalhador; retenção da documentação pessoal. Antes, os agentes fiscais do trabalho utilizavam conceitos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e do Código Penal brasileiro.
Para configurar crime, o Ministério do Trabalho também passou exigir a apresentação de um boletim de ocorrência sobre a infração. Antes, o crime era caracterizado com base em convenções internacionais e na lei nacional, pelos próprios agentes fiscalizadores.
Junto à exigência de boletim policial para aceitação de casos, os empregadores flagrados também somente são considerados irregulares com a documentação pelo BO.
A terceira mudança restringe a liberação ou divulgação da “lista suja”, relação de nomes dos empregadores flagrados em crime, à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), responsável pela organização da lista. A nova regra tira das mãos da Detrae (Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo) a autonomia para a organização da lista suja. Isso significa que a montagem da lista fica sob a autoridade do Ministério do Trabalho.
“Houve a tentativa de passar mudanças no trabalho escravo na reforma trabalhista, mas foi travada. A reforma teria que ser confrontada com a Constituição Federal e as convenções internacionais. Como a portaria depende da assinatura de uma pessoa, a do ministro do Trabalho, ela foi publicada com a finalidade de fragilizar as regras contra o trabalho escravo”, diz procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Mato Grosso, Marcel Bianchini Trentin.
Ele diz que as alterações feitas pelo Ministério do Trabalho atendem uma parcela mínima de empregadores, que buscam a suspensão das 32 regras existentes no Brasil contra o trabalho escravo.
“Temos conversado com instituições representantes do agronegócio em Mato Grosso e temos visto a preocupação em garantir os direitos sociais aos trabalhadores. A Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso) tem políticas para evitar esse tipo de relação de trabalho, então não podemos falar que as mudanças da portaria atendem toda a área. São interesses de alguns, de grupo pequeno”.
Nesta terça (17), os Ministérios Públicos Federal e do Trabalho recomendaram ao Ministério do Trabalho a revogação da portaria. “As regras da portaria confrontam leis superiores a ela, leis juridicamente mais fortes. A portaria é inconvencional, inconstitucional e ilegal. Não acredito que ela resista à reação”.
A medida foi seguida pela paralisação de agentes fiscais do trabalho em ao menos 17 Estados nesta quarta (18). Eles afirmam que não sabiam quais regras aplicar, as que estavam em vigor até o fim da semana passada ou as editadas na última segunda pelo Ministério do Trabalho.
Conforme números do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, 4.302 pessoas foram resgatados de situações análogas a trabalho escravo em Mato Grosso, de 2015 até abril deste ano.
Ministro Maggi defende novas regras de portaria
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e grande produtor de soja em Mato Grosso, disse na terça-feira (17) ser a favor das mudanças que dificultam acesso à lista suja do trabalho e escravo e que reconfigura os critérios de caracterização do crime.
Maggi, ex-governador de Mato Grosso, disse em nota que as novas regras "vêm organizar um pouco a falta de critério nas fiscalizações".
"Ninguém quer ou deve ser favorável ao trabalho escravo, mas ser penalizado por questões ideológicas ou porque o fiscal está de mau humor não é justo. Parabéns, presidente Michel Temer. Parabéns ao ministro (do Trabalho) Ronaldo Nogueira".
À época da reforma trabalhista, a bancada ruralista na Câmara Federal, liderada pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), tentou alterações as regras de trabalho rural. A ideia é adotar o mesmo conteúdo do projeto que alterou normas da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
A proposta permite que as empresas não paguem mais seus funcionários com salário, mas mediante "remuneração de qualquer espécie" – o que pode ser simplesmente fornecer moradia e alimentação –, aumentem para até 12 horas a jornada diária por "motivos de força maior", substituam o repouso semanal dos funcionários por um período contínuo, com até 18 dias de trabalho seguidos, e a venda integral das férias dos empregados que moram no local de trabalho.