As imagens têm a mesma textura, só alternam na aparição de personagens, que se revezam no mesmo mecanismo. Sentados ou em pé, pegam maços de dinheiro de uma mesa ou das mãos de um homem sentado atrás dela e os enfiam em bolsas, paletós e até tentam improvisar esconderijo nas meias. Era o dia de pagamento de propina a deputados estaduais de Mato Grosso, o chamado “mensalinho”. As imagens chocaram Mato Grosso e repercutiram país afora. É a “delação monstruosa” do ex-governador Silval Barbosa, como classificou o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal). Realmente o conteúdo da delação é estarrecedor. Porém, não se pode deixar de atribuir ao próprio Silval Barbosa os crimes que ele cometeu em pouco mais de quatro anos à frente do governo do Estado. Os fatos narrados pelo ex-governador confirmam denúncias e alertas feitas pelo Circuito Mato Grosso desde a sua edição 300, a exemplo de editais de “cartas marcadas” ou certames duvidosos e ilegais que poderiam causar rombos ainda maiores ao erário. Enquanto isso, a população mato-grossense morrendo na fila do SUS, escolas caindo aos pedaços e pessoas passando fome por falta de emprego e assistência.
Incentivos fiscais em troca de propina
A delação de Silval Barbosa à Procuradoria Geral da República (PGR), em que revela um monstruoso esquema de corrupção em Mato Grosso com a participação de políticos, gestores, empresários e instituições financeiras, traz detalhes do esquema de propina envolvendo a concessão de incentivos fiscais.
Durante praticamente três anos o Circuito Mato Grosso mostrou que o governo de Silval Barbosa concedia incentivos fiscais milionários sem que houvesse retorno efetivo em melhoria na condição de vida da população.
Na delação, Silval Barbosa conta que, no ano de 2011, se reuniu com Wesley Batista, presidente do Grupo JBS, sendo que tal reunião foi agendada por Fernando Mendonça que mantém um parentesco com Wesley Batista. Da reunião participaram o colaborador e Wesley Batista.
Nessa conversa o ex-governador se recorda de ter pedido ajuda a Wesley para quitar dívidas da campanha eleitoral, sendo que ele teria concordado desde que fossem concedidos benefícios fiscais para a empresa.
O então governador agendou conversas com o secretário de Fazenda, não se recordando se foi o secretário Edmilson ou foi o ex-secretário MarceI de Cursi quem fez um estudo sobre quais benefícios seriam concedidos.
Silval Barbosa sabe que já no ano de 2011 houve um benefício fiscal para a empresa e que a partir dali começaram os retornos das propinas, cabendo a Pedro Nadaf, ex-secretário da Casa Civil, acompanhar repasses.
Inclusive a JBS assinou um acordo por meio de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual para devolver R$ 380 milhões aos cofres públicos de Mato Grosso que não foram recolhidos devido a incentivo fiscal até 2011confirmado como parte de esquema fraudulento do governo.
Canal Livre e propina na Arena Pantanal
Na delação, Silval Barbosa também confirmou esquema que já havia sido denunciado pelo Circuito Mato Grosso em 2013. Silval relata que ele próprio, o deputado estadual Romoaldo Júnior (PMDB) e o então secretário da Agecopa, Eder Moraes, receberam dinheiro da construtora Mendes Júnior, responsável pelo obra da Arena, e também da Canal Livre, empresa que compunha o Consórcio C.L.E. Arena Pantanal juntamente com a Etel Engenharia Montagens e Automações. A obra da Arena custou em torno de R$ 500 milhões e teria rendido 3% de propina para o grupo de Silval, e o consórcio C.L.E. faturou R$ 108 milhões e teria repassado R$ 500 mil.
Na edição 446, o Circuito Mato Grosso apontou que a Canal Livre S/A não teria estrutura para realizar serviços tão complexos como a implementação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) da Arena Pantanal. O contrato com o consórcio C.L.E. Arena Pantanal teve valor inicial de R$ 98 milhões. Porém, o jornal mostrou que no dia 15 de outubro de 2014 a empresa recebeu aditivo de R$ 12,626 milhões.
A reportagem publicada no mês de julho de 2013 apontava que os indícios de que uma pequena empresa de Várzea Grande – em contraponto ao porte das organizações que realizam o TIC em outras arenas brasileiras – na época chamou a atenção do Ministério Público Estadual (MPE-MT).
A reportagem fez um levantamento apurando que empresas responsáveis pelo TIC das chamadas “Arenas Multiuso” – caso da Arena Pantanal – possuíam certificações nacionais e internacionais em projetos de grande porte, como demanda este tipo de serviço. As empresas Nippon Electric Company (NEC, do Japão), responsável pela Arenas das Dunas, em Pernambuco e Fonte Nova, na Bahia, e a Sonda IT (a maior organização de infraestrutura de tecnologia da informação da América Latina) na Arena Corinthians, são exemplos citados pela matéria.
Roseli Barbosa recebia repasses extras na Setas
A ex-primeira-dama Roseli Barbosa, que ocupou o cargo de secretária de Trabalho e Assistência Social (Setas) durante um mandato e meio de seu marido, confessou à Procuradoria Geral da República, também em acordo de delação premiada, ter recebido repasses extras de empresas contratadas pela pasta.
Ela disse que os repasses ajudaram na execução de ações sociais que o orçamento da Setas não cobria. Mas contas pessoais também foram quitadas com esses repasses; os valores não foram informados.
Roseli Barbosa contou que no período em que esteve à frente da Setas conciliou o cargo com as funções inerentes à condição de primeira-dama, que, disse ela, tomavam a maioria de seu tempo, motivo pelo qual a secretaria era administrada quase sempre por seu assessor Rodrigo de Marchi. Foi por meio de comunicado dele que ela tomou conhecimento que existiam algumas empresas que repassavam valores para ajudar nas demandas de assistencialismo.
Os repasses extras eram feitos pelos institutos Concluir e OIH, de propriedade de Paulo Lemos, pela Seligel Serviços, Carlina Jacob Produções, entre outros.
Roseli Barbosa chegou a ser presa na Operação Ouro de Tolo.
Ata de R$ 50 milhões foi usada para propina
Em sua edição 468, o Circuito Mato Grosso mostrou que o governo de Silval Barbosa oficializou Ata de Registro de Preços nº 002/2012 no valor total de R$ 50 milhões para serviços de digitalização, arquivamento e acondicionamento de documentos por mais de R$ 50 milhões.
Num único item, o Estado pagou R$ 700 mil para certificar assinaturas digitais para documentos e publicações no Diário Oficial da Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso (Iomat).
O gerenciamento da ata, cujo pregão de registro de preços teve como vencedora a empresa Gendoc Sistemas e Empreendimentos Ltda, foi feito pela Secretaria de Estado de Administração (SAD).
A reportagem, em tom de indignação, cobra explicações para tamanha despesa com digitalização. E a reposta veio na delação do ex-governador Silval Barbosa. Segundo ele, parte do dinheiro foi usada para pagamento de propina.
Pra onde foram os R$ 4 bilhões movimentados por Silval?
O ex-governador Silval Barbosa não citou em sua delação premiada o empenho e liquidação de R$ 4 bilhões realizados em dezembro de 2014. Reportagem publicada, na época, pelo Circuito Mato Grosso mostra que a quantia foi teve movimentação em um prazo de 24 horas e representava 11% do Orçamento anual do Estado, e ninguém do governo soube explicar de onde tinham vindo nem para onde foram os bilhões. E a estranheza aumenta por causa de um “erro” apontado pela extinta SAD na quantia liquidada, que reduziu de R$ 14 bilhões para R$ 13 bilhões. Em agosto de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar a movimentação. A apuração ficou a cargo da procuradora Ludmila Bortelo Monteiro.
MT DIGITAL
Circuito evita contrato de R$ 500 milhões
Atendendo a decisão judicial da magistrada Célia Regina Vidotti, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), o governo do Estado declarou nulo, no dia 29 de agosto de 2016, o processo administrativo nº 458450/2013, cujo objetivo era a “contratação de empresa especializada na prestação de serviços de tecnologia da informação em serviços de comunicação digital” por um período de 60 meses.
Lançado em 2013 sob o nome de MT-Digital, o referido processo, que deu origem à licitação 010/2013/, do então Centro de Processamento de Dados de Mato Grosso (Cepromat), colecionou polêmicas pela forma como foi conduzida pela gestão Silval Barbosa à frente do Palácio Paiaguás, com valor estimado em R$ 500 milhões.
Em várias edições o Circuito Mato Grosso mostrou que o certame tinha “cartas marcadas”, adiantou que seria vencido pela empresa de telecomunicações Oi, e seguiu apontando diversas irregularidades. O MPE denunciou e o Judiciário acatou a denúncia. O certame foi cancelado.
ENXOVAIS
Licitação de R$ 10 milhões é cancelada
Em outubro de 2011, a SAD cancelou a compra de 120 mil kits de enxovais pelo valor aproximado de R$ 10 milhões após o Ministério Público, com base na reportagem exclusiva do Circuito Mato Grosso, considerar a aquisição um “desperdício intolerável” diante do caos em que se encontravam a saúde, a educação e a segurança em Mato Grosso.
O chamado “Enxoval dos Sonhos” era para atender pedido da Setas que tinha como titular a primeira-dama Roseli Barbosa.
O pedido de cancelamento foi feito pelo promotor de Justiça Mauro Zaque no dia 27 de setembro. Em 15 páginas, seis promotores elencaram razões para o cancelamento da compra milionária, dentre elas o abandono dos setores da saúde e educação.
“Na verdade a população deste Estado estaria muito mais bem servida se a administração desenvolvesse projetos como Sangue Garantido, Cridac dos Sonhos ou mesmo Sanidade com Dignidade, ponderaram os promotores, referindo-se à necessidade de dar plenas condições para o MT Hemocentro, para o Adauto Botelho e também para o Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Corrêa, o Cridac, todos sucateados”, dizia trecho do documento. EDITAL 013
EDITAL 013
Terceirização da cobrança da dívida ativa suspensa
O governo do Estado suspendeu o edital 013/2013 cujo objeto era a contratação de empresa para assumir a cobrança da dívida ativa do Estado, estimada à época em R$ 14 bilhões. O cancelamento ocorreu após o Circuito Mato Grosso questionar durante um ano o risco que a terceirização poderia representar para o Estado. Caso fosse efetivada, a terceirização poderia render até R$ 300 milhões à empresa vencedora do certame.
Especialistas foram taxativas em afirmar que entregar os dados da dívida ativa para a iniciativa privada deixaria o setor tributário totalmente frágil.
O cancelamento ocorreu antes de o processo licitatório ser derrubado por ação do Ministério Público Estadual. O promotor de Patrimônio Público Clóvis de Almeida Júnior estava analisando a legalidade da terceirização da cobrança dos ativos do Estado.
O governo quis evitar confronto jurídico já que não contava com o apoio nem mesmo dos advogados públicos, no caso, a Procuradoria Geral do Estado (PGE), a maior interessada no assunto. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT) também entrou na questão e defendeu o fortalecimento da PGE, mesma proposta da Associação de Procuradores do Estado (Apromat).
COLCHÕES DO BEM
Compra milionária de colchões é cancelada
A SAD, por meio da Superintendência de Aquisições Governamental, revogou o pregão presencial de compra 024/2013/SAD, que previa a aquisição de 100 mil colchões para famílias em situação de vulnerabilidade social.
O investimento seria para o projeto Colchões do Bem da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas) orçado em R$ 6,5 milhões.
Além dos colchões, a Setas licitou e depois paralisou em outubro a compra de 120 mil kits de enxovais ao custo R$ 10 milhões para o projeto Enxoval dos Sonhos. As duas aquisições milionárias foram denunciadas com exclusividade pelo Circuito Mato Grosso.
O pregão dos colchões chegou a ser suspenso em setembro de 2013, pois a empresa classificada em primeiro lugar no certame, Rodrigo Duarte e Silva ME, não havia apresentado todas as alterações de mudança de endereço nos contratos sociais apresentados, podendo caracterizar uma possível prática de falsidade ideológica. Mas o pregão continuou.
Silval Barbosa divulgou uma lista com o nome de 24 deputados que teriam recebido dinheiro para apoiar as ações do Executivo. Alguns aparecem em imagens de vídeo recebendo o chamado “mensalinho” em troca de decisões favoráveis ao governo que incluiriam, dentre outras medidas, aprovações de projetos lançados pelo Executivo e fazer vistas grossas a eventuais irregularidades nas contas anuais.
O ex-governador afirmou, na delação, que o pagamento do “mensalinho” teria começado ainda na gestão do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e também envolvia alguns conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O dinheiro para cobrir a propina, que era mensal, saía do programa MT Integrado.
“Repudio veementemente as declarações do ex-governador. Eu o desafio, assim como desafio Pedro Nadaf e quem quer que seja, a encontrar um fiapo de prova contra mim. De 2000 até hoje, julguei contas dos ex-governadores Rogério Salles, Blairo Maggi, Silval Barbosa e Pedro Taques, e posso garantir que nunca me sentei de frente com qualquer um deles para pedir sequer um único favor.” Conselheiro Antônio Joaquim
“Corrupção, atos criminosos e assalto à máquina pública eram práticas comuns de Silval Barbosa e alguns de seus secretários, e não minhas. A minha relação enquanto presidente do TCE com o ex-governador era estritamente institucional no mandato do primeiro, em 2012-2013. Não relatei nenhum processo em relação ao MT Integrado, muito menos tinha poder de voto no pleno para modificar qualquer julgamento.” Conselheiro José Carlos Novelli
O empresário reagiu através de nota de esclarecimento, emitida por sua assessoria jurídica, em que relata que a casa referida por Silval em Jurerê é de propriedade da empresa Piran Participações desde 2007, com escritura pública registrada no Cartório de 2o Ofício do Registro de Imóveis de Santa Catarina, sob matrícula 17571. Nota do empresário Valdir Piran