Esportes

Das dificuldades ao sonho, a realidade do futebol feminino em Mato Grosso

“É um momento especial e a gente tem que aproveitar. Digo isso no sentido de valorizar mais. Valorize! A gente pede tanto, pede apoio, mas a gente também precisa valorizar. A gente está sorrindo aqui e acho que é esse o primordial, ter que chorar no começo para sorrir no fim. Quando digo isso é querer mais, treinar mais, é estar pronta para jogar 90 e mais 30 minutos e mais quantos minutos forem necessários. É isso que peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga para sempre, uma Marta para sempre, uma Cristiane… O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais! Chorem no começo para sorrir no fim!”.

Foi com esse discurso emocionado que a jogadora Marta, da Seleção Brasileira Feminina de Futebol, desabafou após a derrota por 2 a 1 contra a França, que eliminou o Brasil da Copa do Mundo da categoria. O recado da “Rainha”, eleita seis vezes como a melhor jogadora do planeta, foi para as atletas brasileiras da nova geração. Porém, a fala não se restringe apenas a conduta das atuais jogadoras, mas também a falta de apoio dos grupos que comandam o esporte no âmbito nacional e estadual.

Em Mato Grosso, o futebol feminino ainda não atingiu o profissionalismo. É disputado apenas no nível amador. Somente quatro equipes – Cuiabá, Dom Bosco, Mixto e Operário FC – disputam o Campeonato Estadual Feminino, organizado pela Federação Mato-grossense de Futebol (FMF). O torneio começou no dia 15 de junho e a final será em 3 de agosto. O time campeão ganha vaga para a disputa do Campeonato Brasileiro ­– Série A2.

O Circuito Mato Grosso conversou com a jogadora do Dom Bosco Janaina Faveri, conhecida como “Tampinha”, de 33 anos. A meio-campista do tradicional clube cuiabano conta que a paixão pelo futebol se faz presente em sua vida desde os oito anos de idade, quando começou a disputar competições de futsal. No entanto, a precária estrutura do futebol local é motivo de crítica da atleta. “Nós não temos um clube. Mas, para participar da competição, precisamos de uma equipe vinculada à federação. Então o que eles fazem é apenas 'emprestar' o nome da instituição e nada mais”.

Tampinha também atacou a FMF. Na visão dela, a entidade deveria fazer aplicação de recursos para melhorar as condições de trabalho das jogadoras. “Eles deveriam investir em profissionais competentes para as categorias de base, além de modernizar a infraestrutura dos materiais e espaços de treinamento”.

Tampinha, atleta do Dom Bosco, e seu treinador

Ela relata ainda que o treinador da equipe feminina do Dom Bosco custeou, com recursos próprios, um seguro de vida para cada atleta em caso de lesão. “É só isso que temos”, enfatiza.

Para os dirigentes dos clubes participantes, o curto período de competição é outro ponto problemático. O vice-presidente financeiro do Mixto, Arley Carlos Silva, destaca que a duração do certame é o principal fator que impede os times de oferecerem melhores condições e vínculos de trabalho para as jogadoras.

“Infelizmente a FMF só realiza uma competição para as mulheres no ano. Não há competições de base. É tiro curto, apenas um mês e meio de jogos. Dessa forma, não há como manter uma estrutura com alojamentos e centros de treinamentos para trabalhar os outros onze meses. É inviável trabalhar com o futebol feminino nessas condições”.

Conforme Arley, o Mixto é um dos pioneiros no futebol feminino do Estado, tendo participado de uma competição para mulheres pela primeira vez em 2006. Ele conta que a maioria das jogadoras do atual elenco mixtense é formada pelo próprio clube. E isso é fruto de uma nova filosofia de trabalho.

“Desde 2015, por problemas financeiros, a direção do clube tomou a decisão de focar totalmente na formação de atletas. Atualmente, acredito que somos a única equipe na região Centro-Oeste com categorias de base feminina sub-15, sub-17 e sub-19. Para isso, buscamos escolas próximas aos locais de treinamento, para ter facilidade de trabalho com as atletas nos torneios escolares e em competições representando o clube, relacionando o estudo e o esporte”.

O cartola também ressalta a falta de apoio do Poder Público, que segundo ele, dificulta o crescimento do esporte e não o torna atrativo para possíveis patrocinadores. “Não temos em Cuiabá, infelizmente, políticas públicas que nos ajude a fazer um trabalho para elevar o futebol feminino na cidade. Sem esse suporte, aumentam-se as dificuldades nos treinamentos, na locomoção e de estrutura de trabalho, fazendo com que os patrocínios fiquem ainda mais difíceis”, comenta o dirigente do Alvinegro.

Para tentar mudar um pouco deste panorama, está em tramitação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o Projeto de Lei nº 665/19, de autoria do deputado estadual Paulo Araújo, que estabelece a criação de um programa de incentivo à prática de futebol feminino em todo o Estado.

A iniciativa prevê a promoção de torneios, campeonatos e eventos de futebol de campo, futsal, society e futebol de areia para as mulheres, bem como a destinação de espaços voltados ao exercício. O programa deverá ser desenvolvido na rede estadual de ensino. “O estímulo ao desporto educacional feminino deve ocorrer de forma ampla e continuada, incluindo a descoberta, a formação e o incentivo de novos talentos no esporte”, comentou o parlamentar.

Precariedade

As condições de manutenção dos estádios utilizados no estadual feminino já despertaram a indignação de diversos profissionais da área. O técnico de futsal Marcus Penna, que trabalha com várias jogadoras em ação no torneio, relatou na abertura da competição, que o Mini-Estádio do CPA IV estava com problemas como vazamento de água nos vestiários e buracos no gramado e má-iluminação. “O futebol feminino de Mato Grosso está caminhando na contramão do mundo. E justamente em meio a Copa do Mundo na França, que busca valorizar as atletas no esporte. É triste que a Federação Mato-grossense de Futebol não tenha o mínimo de respeito por essas mulheres. Temos uma arena de Copa do Mundo que não é utilizada para esses jogos”, disse à época.

Mini-Estádio CPA IV (Foto: Secom)

A FMF rebateu as críticas de Marcus Penna e ressaltou que a responsabilidade pela estrutura física dos mini-estádios são, exclusivamente, das prefeituras municipais e que a mesma “não é responsável pela manutenção de praças esportivas do município”.

De acordo com o técnico do Cuiabá, Marcos Vinicius, a estrutura do time feminino do Dourado não se compara a do masculino, mas destaca que a direção do clube não mede esforços para melhorar as condições para as esportistas. “A equipe feminina do clube surgiu há pouco tempo. Claro que não dá para comparar a estrutura do time masculino com a nossa, mas a diretoria tem se empenhado em dar a melhor qualidade possível para as meninas”.

Marcos Vinicius é treinador há oito anos, sempre trabalhando com mulheres. Ele comanda o time feminino do Cuiabá desde o início do projeto, em 2018. O técnico demonstra otimismo em relação ao futuro da categoria e acredita que a boa repercussão obtida pelas emissoras de TV na cobertura de eventos esportivos para mulheres pode trazer impactos positivos para a modalidade.

“A grande audiência nas transmissões da Copa do Mundo e nos torneios como o Gran Prix de futsal estão dando mais motivação para atletas e também é um incentivo para os empresários que queiram encabeçar esse tipo de projeto no futebol feminino. E quem tem a ganhar com isso é o esporte regional e nacional”.

A jogadora Tampinha concorda. Para ela o “boom” da Copa do Mundo não vai surtir grandes efeitos imediatamente, mas pode despertar o interesse dos dirigentes esportivos. “Acredito que vai haver uma procura maior pela modalidade. O meu sonho é ver o futebol feminino ser respeitado e valorizado”.

*Procurada pelo Circuito Mato Grosso, a Federação Mato-grossense de Futebol não se pronunciou a respeito das críticas recebidas.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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