Basta deixar, basta querer. Um clique e zás: tudo se resolve num simples piscar de olhos. Na chácara, no churrasco, no shopping ou aeroporto, na banca de jornal ou na universidade, em qualquer encontro fortuito com ou sem paquera, lá vem a fórmula indefectível de abordagem:
– Você tem Face? Dá uma olhada no meu Face…
Pode ser o amigo eventual, num reencontro:
– Vou te dizer, sinceramente, que está tudo lá, estou, por assim dizer, inteiro lá. De corpo e alma. Dá uma olhada lá, curte lá, Gaúcho. Tem até uns poemas que eu fiz, coisinha boba e ingênua, mas tem uns até bem eróticos, e botei tudo lá.
– No celular, aqui, você não curte?
– Uso, mas pouco. Se a gente baixa foto, logo a internet fica lenta. Não gosto. Mas em casa… Na tua casa, lá no seu computador, Gaúcho, dá uma curtida lá… Tá tudo lá: fotos, poemas, letras de música, até matérias de jornal que estão bombando… notícias polêmicas, Copa do Mundo, Neymar e Bruna Marquezine, coisas de sexo e mundo bizarro, que eu adoro.
– E blog, você não tem?
– Meu blog é meu Face.
Felizmente, o mundo, em suas múltiplas facetas, todo assim faceado, nem só de reencontros como este do relato se faz. Talvez, até quem sabe, você pode encontrar por essas bandas largas, na estrada larga e bem margeada do pecado ou nos acostamentos infinitos da estrada da vida, aquela jovem, casada ou solteira, com olhos de Capitu e mel na voz, te apertando contra o peito, os cabelos inebriantemente cheirosos (perfume importado, ela diz, beijinho no ombro para as rivais):
– Você não tem Face? Que pena…
Cá pra nós, os desfaceados, os sem-Face, fica a cortante impressão de estarmos irremediavelmente mancos. E talvez mancos ainda seja dizer bem pouco: mais certo seria talvez dizer: não plenamente vivos. Pois, sem Face, pro mundo, é certo que você parece que nem existe. Já aquele ou aquela ali na sua frente, por seu lado, parece existir até mais plena e intensamente no Face do que no mundo real.
– Sim, aqui, de mim, do meu mundo, tem muita coisa do meu interior, meu lado poeta, meu lado compositor, por exemplo, que você não vê. Fora as coisas que esqueço…
Em nossa velha infância, lá nos idos da década de 60, no córrego do Tanquinho, o confessor era o Padre Walter, holandês de nascimento, que vinha de fusca ou kombi de Santa Albertina, minha terra natal. A gente se ajoelhava no assoalho duro e ele sapecava, em seu português arrevesado:
– Conte os seus pecados!
A gente contava lá do nosso jeito, lembrando quase todos os menores, alguns médios e ‘esquecendo’ os grandes. Ele fingia acreditar e sapecava a punição: 10 Padre-Nossos e 20 Ave-Marias ou 20 e 40, conforme o caso.
No programa “Fala, Garoto”, do SBT, início da década de 90, então comandado por Babi Xavier, o escritor Mário Prata deu uma definição, a meu ver, definitiva sobre a amizade e a confissão:
– Digamos que eu tenha feito uma coisa grandiosa ou proibida que há muito desejava fazer; então, a primeira pessoa no mundo que eu penso em contar aquele feito extraordinário, essa pessoa é o meu amigo nº 1!
Vou confessar: no meu Face, que ainda pretendo abrir, penso em postar todas as minhas verdades, do meu jeito assim caipira e capiau, me colocar de corpo inteiro (de corpo e alma), todas as vantagens, minhas qualidades, meus defeitos. Menos os mais graves e comprometedores, evidentemente. O meu Face será, então, aquele amigo a la Mário Prata, mas com umas pitadas de Padre Walter.
Um Freud manco. Ou zarolho.
Porém aos amigos e às eventuais jovens de olhos lânguidos e cabelos cheirosos (de perfume importado, evidentemente) e que me deem a sorte de me apertar, arfantes, contra o peito, sempre direi:
– Dá uma olhada no meu Face, dá uma curtida lá… Está tudo lá. Estou de corpo inteiro lá. De corpo e alma, sem disfarces nem meias-verdades. E sem esta maldita timidez que na tua presença sempre me faz ocultar um caminhão de segredos. Fora os outros, tantos que, nesta hora incrível, sempre me esqueço…
*Marinaldo Custódio é escritor e revisor do Jornal Circuito Mato Grosso