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Dólar volta a superar R$ 5,80 com desconforto fiscal e exterior; Ibovespa tem perda de quase 1%

O dólar apresentou alta firme na sessão desta quinta-feira, 21, e voltou a fechar acima do nível de R$ 5,80 pela primeira vez desde o início de novembro. O real sofreu com a escalada da moeda americana no exterior, fruto da aversão ao risco provocada agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia, e as dúvidas em torno da data e da magnitude do pacote de corte de gastos em gestação no governo Lula.

Operadores ressaltam que a taxa de câmbio reflete em parte hoje a onda de valorização do dólar ontem no exterior, quando não houve negócios no mercado local, fechado em razão do feriado do Dia da Consciência Negra. Esse efeito defasado ajuda a explicar o fato de o real apresentar nesta quinta-feira um dos piores desempenhos entre as principais divisas emergentes e de países exportadores de commodities.

O head de câmbio da B&T Câmbio, Diego Costa, afirma que as tensões geopolíticas levam a uma busca global pelo dólar. Ele destaca a informação de que a Rússia atacou a Ucrânia com um míssil balístico intercontinental, segundo as forças de defesa ucranianas. Isso após Kiev disparar mísseis de longo alcance contra o território russo.

“Isso elevou os riscos de escalada no conflito e a incerteza nos mercados globais. Ontem, com o mercado local fechado, houve fortalecimento do dólar no exterior”, afirma Costa, ressaltando que há também mudanças de expectativas sobre o tamanho do corte de juros nos EUA daqui para frente.

Termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY superou hoje pontualmente a linha dos 107,000 pontos, com máxima aos 107,156 pontos. O dólar atingiu o maior nível em relação ao euro desde outubro de 2023.

Por aqui, em alta desde o início do pregão, o dólar superou a linha de R$ 5,83 à tarde, quanto atingiu o pico do dia a R$ 5,8340, em sintonia com o exterior. No fim da sessão, a moeda subia 0,77%, cotada a R$ 5,8115 – maior valor de fechamento desde 1º de novembro (R$ 5,8694), quando alcançou o segundo nível nominal mais elevado da história do real. A divisa acumula valorização de 0,40% na semana e de 0,53% no mês.

O gerente de câmbio da Nippur Finance, Rodrigo Miotto, observa que, apesar do efeito da questão geopolítica, a valorização do dólar em relação ao real está muito ligada à frustração com os adiamentos seguidos do anúncio do plano fiscal.

“O mercado está esperando há muito tempo pelo pacote para conter a deterioração das contas públicas. Se agradar, podemos ver o dólar voltando para R$ 5,40”, afirma Miotto, para quem a atratividade do carry trade é elevada e pode favorecer o real se houver uma diminuição da percepção de risco fiscal. “Mas se o plano decepcionar, podemos ver o dólar buscar os R$ 6,00.”

Ontem, no início da noite, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que se reuniria hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do pacote de gastos. À tarde, foi informado que Haddad estava no Planalto em reunião com o presidente, ministros e representantes dos setores de atacado e varejo.

Além da possibilidade de um corte de R$ 70 bilhões em dois anos, espera-se que o plano traga dispositivos que harmonizem o crescimento de rubricas como o salário mínimo às regras do arcabouço fiscal.

Amanhã, sai o relatório bimestral de receitas e despesas. As expectativas giram em torno de um congelamento adicional de cerca de R$ 5 bilhões. Mais do que o cumprimento da meta fiscal neste ano, espera-se que o governo adote medidas que deem sustentabilidade ao arcabouço ao longo do tempo, como acenado por Haddad.

Ibovespa

Após o feriado da quarta-feira, o Ibovespa operou no negativo desde a abertura e encerrou o dia no menor nível desde 6 de agosto, agora um pouco abaixo dos 127 mil pontos. Em porcentual, a perda de hoje foi também a maior desde 8 de novembro, quando havia cedido 1,43%. Hoje, recuou 0,99%, aos 126.922,11 pontos, entre mínima de 126.593,85 e máxima de 128.196,63 pontos, correspondente ao nível de abertura. O giro foi a R$ 22,1 bilhões na sessão. Na semana, o Ibovespa acumula perda de 0,68%, e de 2,15% no mês, colocando o ajuste do ano a -5,41%.

O dia foi negativo para a maioria das ações de peso e liquidez, como as de grandes bancos (Itaú PN -1,73%, na mínima do dia no fechamento; Bradesco ON -0,74%, BB ON -2,28%), em piora conjunta do setor no ajuste final, que colocou o Ibovespa abaixo dos 127 mil. Petrobras, por sua vez, virou durante a tarde, mas subiu apenas 0,17% (ON) e 0,29% (PN), distante do desempenho do Brent e do WTI – o que contribuía para que o Ibovespa moderasse as perdas da sessão, do meio para o fim da tarde. Assim como Vale ON, a principal ação do índice, que chegou a ensaiar leve alta perto do encerramento, não sustentada no fechamento, em baixa de 0,10%.

Poucas – ou seja, 12 – dentre as 86 ações que compõem a carteira do índice conseguiram se desvencilhar do sentimento negativo na sessão, com destaque para Embraer (+3,32%), BRF (+3,28%) e Marfrig (+2,81%) – todas do segmento exportador, favorecido pelo fortalecimento do dólar -, além de Vamos (+5,14%). À clara exceção de Vamos, nomes correlacionados ao ciclo doméstico, como Lojas Renner (-5,31%), Cosan (-4,64%) e Hapvida (também -4,64%) estiveram entre os maiores perdedores do dia, ao lado de São Martinho (-3,72%) e Cogna (-3,65%).

Passadas as eleições municipais, no fim de outubro, e a reunião do G20, encerrada anteontem, os agentes de mercado seguem atentos à definição do pacote de cortes de gastos públicos, cujo anúncio pode ficar para a próxima semana. A expectativa para o montante e os detalhes do plano mantêm os ativos brasileiros na defensiva há semanas, com Bolsa em retração e avanço no dólar frente ao real e na curva de juros doméstica. Na máxima de hoje, a moeda americana foi negociada a R$ 5,83 – no fechamento, mostrava alta de 0,77%, a R$ 5,8115.

“A ausência de sinais concretos deixa o investidor em compasso de espera”, diz Guilherme Jung, economista da Alta Vista Research. “O mercado segue na expectativa pelo pacote prometido pelo governo, com detalhes sendo aguardados após a reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda hoje possivelmente”, acrescenta. “Enquanto isso, os juros futuros apresentam alta na ponta curta da curva, enquanto a média e longa fecham, refletindo a expectativa de que o pacote possa trazer alívio ao quadro fiscal de 2025 e 2026.”

“O cenário global tem mostrado uma retomada de notícias relacionadas ao conflito entre Rússia e Ucrânia, com efeito para os preços de commodities como o ouro e o petróleo nos últimos dias”, diz Rodrigo Ashikawa, economista da Principal Claritas. “E as mais recentes falas de autoridades monetárias do Federal Reserve têm indicado, também, maior cautela com relação ao afrouxamento monetário. Dados do mercado de trabalho e de inflação apoiam viés gradualista” para o ajuste de baixa nos juros americanos, acrescenta o economista. “Em ambiente de dólar forte, as economias emergentes tendem a desempenho menos favorável. Fatores globais trazem um ambiente mais negativo” para esse grupo de países, aponta Ashikawa.

No quadro geopolítico, desde a recente mudança na doutrina nuclear russa e a autorização dada pelos EUA a que a Ucrânia possa usar mísseis americanos de longo alcance em território russo, a guerra no leste europeu, que se aproxima do terceiro aniversário no fim de fevereiro, voltou a ganhar atenção dos investidores globais. Hoje, em novo desdobramento, a Ucrânia alegou que a Rússia teria utilizado um míssil balístico intercontinental – com características dos destinados a lançamentos de ogivas nucleares – em um ataque à cidade de Dnipro. Autoridades americanas negam a informação.

“O preço do Brent tem experimentado trajetória de alta desde a mudança na retórica de Putin presidente da Rússia, que adotou postura muito mais agressiva”, diz Vito Agnelo, analista da CM Capital. “Há risco de agravamento da situação caso os ucranianos optem por utilizar os mísseis que possuem maior alcance”, acrescenta o analista. Ele observa que prevalece, no momento, uma reação de “cautela”, como se “a intensificação dos conflitos estivesse sendo incorporada de forma gradual nas expectativas”. Nesse contexto, o ouro – o mais antigo entre os ativos de proteção – volta a subir, após duas semanas de queda significativa, diz Agnelo.

Em Nova York, o WTI para janeiro fechou hoje em alta de 1,96% (US$ 1,35), a US$ 70,10 o barril, enquanto o Brent para igual mês, negociado na Intercontinental Exchange (ICE), em Londres, avançou 1,95% (US$ 1,42), a US$ 74,23 o barril.

O principal ponto de atenção dos investidores com relação ao mercado doméstico, no entanto, continua a ser o “imbróglio” em torno do pacote de cortes de despesas. “Há uma falta de urgência com relação a essa apresentação, com incerteza, ainda, sobre o ambiente fiscal para os próximos meses”, diz Ashikawa. “Quanto mais tempo se adia a definição, mais tempo de incerteza sobre a sustentabilidade das regras fiscais para os próximos anos.”

Juros

Os juros futuros fecharam a quinta-feira em baixa, mesmo em meio ao avanço dos juros dos Treasuries e à manutenção da alta do dólar. Assim como ocorreu na terça-feira, o alívio foi atribuído a uma correção técnica associada ao prêmios elevados na curva e à expectativa de anúncio de um pacote robusto de corte de gastos, ainda que não tenha havido novidades no noticiário vindas da área fiscal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria uma reunião nesta quinta-feira com o presidente Lula para tratar do assunto.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 13,18%, de 13,21% no ajuste de terça-feira, e a do DI para janeiro de 2027 caiu de 13,37% para 13,34%. O DI para janeiro de 2029 terminou o dia com taxa de 13,15% (de 13,20%).

O mercado de juros retornou do feriado do Dia da Consciência Negra sem tendência firme pela manhã, oscilando entre alta moderada e a estabilidade. Num primeiro momento, houve um ajuste ao comportamento de alta dos rendimentos dos Treasuries na sessão de ontem, e receios de que as medidas de redução de despesas sejam divulgadas apenas na próxima semana. Mais para o final da primeira etapa, a pressão foi amenizada, com o mercado já tentando retomar a correção da terça-feira.

Há semanas o mundo dos ativos domésticos vem girando em função do pacote e o investidor tenta se apegar a informações de bastidor – dando conta de que o valor pode chegar a R$ 70 bilhões em dois anos e que haverá ajustes estruturais na regra de aumento do salário mínimo e, talvez, nos pisos de Saúde e Educação – como contraponto à demora do anúncio.

Em entrevista à Globonews, nesta manhã, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que o texto com as medidas deve ficar pronto até esta sexta (22). Amanhã, está prevista a divulgação do relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas. O Santander Brasil projeta que o documento vai apresentar um bloqueio adicional de R$ 5,0 bilhões nas despesas deste ano.

A ansiedade pelo pacote não é só do mercado, sendo percebida também dentro do governo. O ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou hoje ser importante lançar “logo” as medidas “para ancorar expectativas e apontar para um segundo biênio de mais crescimento, de mais geração de emprego, que é isso que o presidente Lula está perseguindo e que vai nos levar ao grau de investimento”.

Haddad teria ainda uma reunião com o presidente Lula para tratar do pacote, disse ontem o próprio ministro. Mas o ajuste vindo da área da Defesa já teria sido encaminhado. Até o momento, esta conversa ainda não aconteceu, segundo apurou o Broadcast, e não há previsão oficial para este encontro.

A abertura da curva local pela manhã contrastava com o desempenho de baixa dos rendimentos dos Treasuries, que caíam em meio à aversão ao risco geopolítico após a Rússia lançar um míssil contra a Ucrânia, de capacidade nuclear e de longo alcance. À tarde, os yields voltaram a subir após um leilão de Tips de 10 anos com demanda abaixo da média.

Mesmo com a virada nos títulos do Tesouro dos EUA, as taxas locais passaram a cair, também contrariando a alta do dólar acima dos R$ 5,80, mas sem gatilho aparente. “Não está claro o que causou esta melhora, mas é fato que os DIs estão bastante esticados. A curva chegou nesta semana a projetar Selic terminal acima de 14%. O mercado parece estar apostando que o pacote deve mesmo sair com os R$ 70 bilhões que estão sendo ventilados”, afirma Luciano Rostagno, estrategista-chefe da e sócio da EPS Investimentos. Ele pondera, porém, que é preciso ver como será a estrutura da proposta e os riscos à implementação e ao cronograma.

Pela manhã, a Receita informou que a arrecadação de outubro somou R$ 247,92 bilhões, com alta real de 9,77% ante outubro de 2023. O resultado fico no teto das estimativas do mercado.

Estadão Conteudo

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