O aumento da percepção de risco provocado pelas mudanças recentes no cenário político doméstico, com o vaivém de informações sobre a pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à Presidência da República, jogou contra o real nesta quarta-feira, 10.
O dólar até desacelerou os ganhos por aqui com o aprofundamento das perdas da moeda americana no exterior à tarde, após a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), de reduzir os juros nos EUA, mas ainda assim não conseguiu furar o piso de R$ 5,45. Com máxima de R$ 5,4906, o dólar à vista terminou o pregão em alta de 0,60%, a R$ 5,4686 – no maior nível de fechamento desde 14 de outubro (R$ 5,47).
Apesar da tramitação célere no Congresso do projeto de lei da Dosimetria, aprovado na madrugada desta quarta pela Câmara dos Deputados, não houve sinal concreto de que Flávio Bolsonaro possa abandonar a corrida eleitoral. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) prometeu uma apreciação rápida do PL na Casa.
Entre idas e vindas nos últimos dias, o senador atrelou no último domingo a retirada do seu nome do pleito à aprovação do projeto de anistia aos condenados por tentativa de golpe de estado. O PL da Dosimetria não vai tão longe, mas reduz a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro. Flávio já havia descartado, contudo, a intenção de retirar seu nome do pleito nos últimos dias.
Para o economista-chefe para América Latina da Pantheon Macroeconomics, Andres Abadia, a alta do dólar não é provocada pela candidatura de Flávio Bolsonaro em si, mas pelo aumento das incertezas provocadas pela mudança do quadro eleitoral com um nome não esperado entrando na disputa pelo Planalto.
“A entrada surpreendente de Flávio redesenha o cenário da oposição e introduz novas questões às perspectivas políticas. Os investidores já haviam precificado parcialmente uma corrida relativamente binária entre Lula e um único desafiante de centro-direita, mas o anúncio de Flávio complica esse cenário”, afirma Abadia, lembrando que investidores podem ter aproveitado o anúncio da candidatura para realizar lucros, dada a valorização expressiva do real no ano.
A avaliação entre analistas ouvidos pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) é que candidatura do filho de Bolsonaro fragmenta o campo da direita e facilita a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ascensão de Flávio tira de cena o nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), visto por ala relevante do mercado como fiador de um ajuste fiscal estrutural a partir de 2027 – o que se traduziria em redução dos prêmios de risco embutidos nos ativos domésticos.
Operadores não observaram até o momento um movimento atípico de remessas de lucros e dividendos ao exterior, mas ponderam que saídas mais fortes costuma ocorrer em meados e no fim de dezembro. Dados divulgados pelo Banco Central mostraram que fluxo cambial no mês (até dia 5) foi positivo em US$ 4,170 bilhões, com entrada líquida de US$ 2,373 bilhões pelo canal financeiro. Em novembro, o fluxo total foi negativo em US$ 7,115 bilhões.
O economista Sergio Goldenstein, sócio-fundador da Eytse Estratégia, observa que o real se depreciou mais de 2% na semana passada apesar do fluxo cambial positivo. “Vale notar que, segundo os dados da B3, a posição comprada de investidores estrangeiros em derivativos cambiais aumentou em US$ 4,5 bilhões”, afirma, em nota.
Lá fora, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta de seis moedas fortes, com destaque para euro e iene – recuou e voltou a furar o piso dos 99,000 pontos, com mínima na casa dos 98,600 pontos no fim da tarde. O dólar também perdeu força em comparação com a maioria das divisas emergentes e de países exportadores de commodities, incluindo pares latino-americanos do real.
Como esperado, o Fed anunciou uma redução da taxa básica de juros em 25 pontos-base, para a faixa entre 3,50% e 3,75%. A decisão não foi unânime. O diretor Stephen Miran, indicado pelo presidente Donald Trump, votou por corte de 50 pontos-base. Os presidentes distritais do BC americano Jeffrey Schmid (Kansas City) e Austan Goolsbee (Chicago) votaram por manutenção.
Em entrevista coletiva após a decisão, o presidente do Fed, Jerome Powell, lembrou que a instituição já reduziu os juros em 75 pontos-base de setembro para cá e reiterou que a política monetária se encontra em “um amplo intervalo de estimativas de neutralidade”. Ao ser questionado se o BC norte-americano vai adotar uma pausa no processo de afrouxamento monetário após o corte desta quarta, Powell disse que sim.
Por aqui, é dado como certo que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai manter a taxa Selic em 15% ao ano. A dúvida é se o vai promover mudanças no comunicado e nas projeções de inflação que abram espaço para início de um ciclo de corte de juros em janeiro de 2026.
Bolsa
O Ibovespa manteve margem de variação estreita, de mil pontos, entre a mínima e a máxima desta quarta-feira, até que se conhecesse a decisão sobre juros do Fed, às 16 horas (de Brasília), e também os comentários do presidente do BC norte-americano, Jerome Powell, meia hora depois. Em linha com o esperado, o Fed voltou a cortar a taxa de juros de referência dos EUA em 0,25 ponto porcentual, na terceira redução consecutiva no processo de afrouxamento monetário, iniciado em setembro e a que havia dado curso também na reunião seguinte, no fim de outubro.
Minutos depois da deliberação do Fed, o Ibovespa, acompanhando a melhora observada em Nova York, renovou então máxima do dia, e ganhou fôlego adicional durante as explicações do presidente do Fed, chegando no melhor momento aos 159.690,70 pontos, em alta de pouco mais de 1%. Ao fim, marcava alta de 0,69%, aos 159.074,97 pontos, mantendo a alternância de ganhos e perdas moderados desde o tombo de 4,31% na última sexta-feira, quando registrou sua maior queda diária em quase 5 anos.
Na B3, o Ibovespa se firmou acima dos 159 mil pontos na reta final da sessão, em intervalo que colocou os índices de ações em Nova York também nas máximas do dia por lá. Destaque, na B3, para as ações do setor financeiro, que se firmaram em alta, à exceção de Santander (Unit -0,93%), tendo à frente no fechamento Bradesco PN (+1,78%). Vale ON subiu 1,83%, em sessão com ganhos discretos para Petrobras (ON +0,21%, PN +0,25%). Na ponta ganhadora do Ibovespa, CSN (+6,41%) e, no lado oposto, C&A (-3,98%).
O giro na B3 foi o mais fraco desde a sexta-feira, a R$ 23,5 bilhões nesta quarta, mas ainda um pouco acima da média recente. Com o desempenho desta quarta-feira, o Ibovespa apagou as perdas de dezembro, agora neutro no mês, o que coloca o ganho acumulado no ano a 32,25%.
“O Fed deixou a porta aberta para cortes no curto prazo, mas sem compromisso. Ou seja, reforça a postura ‘data dependent’ dependente dos dados. Reconheceu a moderação da atividade e a desaceleração do mercado de trabalho, mas citou incerteza ainda elevada e inflação acima do ideal”, diz Bruno Perri, economista-chefe, estrategista e sócio-fundador da Forum Investimentos. “É possível que haja uma pausa na próxima reunião, já que a de hoje não foi uma decisão de consenso.”
Ainda assim, durante a fala de Powell, os três principais índices de ações em Nova York buscaram novas máximas na sessão. Ao fim, Dow Jones marcava alta de 1,05%, S&P 500, de 0,67%, e Nasdaq, de 0,33%. O índice de tecnologia de NY operou em leve baixa durante boa parte da sessão, e só firmou o sinal positivo durante a fala do presidente do Federal Reserve.
“Já era esperado o corte da taxa de juros nos Estados Unidos. Mas acho que a grande questão agora são os três diretores que veem taxas mais altas para 2026. A gente já prevê um dólar um pouco mais forte nesse final de ano, e, com essa questão do Fed, a tendência é de que tenha uma valorização no dólar um pouco mais expressiva, ainda mais com a questão da pré-candidatura à Presidência de Flávio Bolsonaro pegando forte no Brasil”, diz Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos. “Agora é entender um pouco melhor essa divergência entre os dirigentes do Fed para compreender, também, o que a gente pode precificar de dólar para 2026”, acrescenta.
“O ponto de atenção ficou na fala de Jerome Powell, ao dizer que o Comitê está bem posicionado para decidir em janeiro, uma sinalização que mantém a porta aberta, mas sem garantir continuidade imediata do ciclo”, observa João Duarte, sócio da One Investimentos.
Powell afirmou que a despeito das divergências entre os membros do Comitê Federal do Mercado Aberto, a possibilidade de elevação dos juros nos Estados Unidos não está no cenário-base de nenhum dos dirigentes. “Discussão está entre manter ou cortar mais os juros”, disse Powell nesta tarde, acrescentando que alta de juros “não está no horizonte” do FOMC.
Taxas de juros
Nem mesmo o fechamento da curva dos Treasuries e a confirmação da queda de 0,25 ponto porcentual do juro básico norte-americano foram suficientes para dissipar o mau humor nas mesas de renda fixa na segunda etapa do pregão desta quarta-feira.
Os investidores ativaram o modo cautela não só devido ao aumento da volatilidade do quadro eleitoral para 2026, que na visão do mercado segue indefinido, mas também por aguardarem manutenção do tom conservador do Banco Central no encontro do Copom. Já o IPCA de novembro veio em linha com as estimativas, mas trouxe sinais mistos: a difusão aumentou, a inflação de serviços segue resiliente e a melhora recente foi bastante apoiada no câmbio, que voltou a depreciar após o imbróglio político.
Encerrados os negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 subiu de 13,726% no ajuste anterior para 13,715%. O DI para janeiro de 2029 avançou de 13,151% no ajuste a 13,19%. O DI para janeiro de 2031 marcou 13,475%, vindo de 13,428% no ajuste.
Nos Estados Unidos, a divergência entre os dirigentes do Fed sobre a definição do juro, de acordo com a Necton Investimentos, revelou um FOMC “bastante dividido e com muitas dúvidas sobre os próximos passos da política monetária”. Três dirigentes com direito a voto divergiram da decisão.
Como outro sinal de que o ciclo de afrouxamento está chegando ao fim, agentes citaram que as projeções da autarquia para o PIB foram revistas para cima: o dado de 2025 passou de 1,6% para 1,7%; o de 2026, de 1,8% para 2,3%; o de 2027, de 1,9% a 2% e, por fim, o do ano seguinte, de 1,8% a 1,9%.
“A atualização da previsão de crescimento do PIB para 2026 sugere que já podemos estar perto do fim do ciclo de flexibilização do Fed. A influência combinada do investimento impulsionado pela IA, do estímulo fiscal e da dinâmica da oferta de mão de obra torna cada vez mais difícil para o Fed justificar uma flexibilização significativa adicional, especialmente com o impacto total das tarifas sobre as pressões de preços ainda em desenvolvimento”, afirmou Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management.
Para Seema, o BC norte-americano deve fazer pausa para avaliar efeitos postergados do aperto anterior. “Embora seja provável que haja alguma flexibilização adicional em 2026, ela provavelmente será marginal e dependerá de uma maior confiança – e evidências – em relação à saúde da economia dos EUA”, comentou.
Em coletiva de imprensa após a decisão, o comandante da instituição, Jerome Powell, afirmou que os riscos de inflação estão para cima e os de emprego, para baixo, e que os ajustes efetuados até agora no juro o colocam em nível neutro. Powell respondeu afirmativamente ao ser perguntado se o Fed está em pausa após o ajuste efetuado na taxa. A política monetária, de acordo com ele, não está em trajetória pré-determinada, e haverá muitos dados disponíveis entre agora e a próxima reunião do FOMC, em janeiro.
Estrategista-chefe da EPS Investimentos, Luciano Rostagno destaca que a dinâmica de abertura dos DIs não mudou após o mercado conhecer a decisão do Fed, tampouco a precificação implícita para cortes na curva futura. As chances de redução de 25 pontos-base na reunião de janeiro estão em cerca de 64%, calcula Rostagno. Já para março, são ao redor de 70% de probabilidade de corte de 25 pontos-base, e 30% de apostas de flexibilização de 50 pontos-base. “Powell está cauteloso no sentido de não querer fazer nenhuma sinalização, reforçando a ideia de que eles vão tomar a decisão apenas no momento da reunião.
Publicado nesta quarta-feira pelo IBGE, o IPCA subiu de 0,09% em outubro para 0,18% em novembro, em linha com a mediana do Projeções Broadcast. “No geral, essa leitura reforça nossa visão de que o processo de desinflação vai continuar”, avalia o Santander em relatório. Já o Barclays destaca a resistência da inflação de serviços, que arrefeceu de 6,2% a 5,95% em 12 meses – acima da média do período pré-pandemia, de 4,2%. “Este grupo continua a exigir atenção, como frequentemente destacado nas comunicações do BC”, alerta.



