Mix diário

Dólar sobe e se aproxima de R$ 5,34 de olho em isenção de IR e shutdown

Após máxima de R$ 5,3727 pela manhã, o dólar desacelerou bem o ritmo de alta ao longo da tarde, em linha com o comportamento da moeda americana no exterior, e encerrou a sessão desta quinta-feira, 2, cotado a R$ 5,3395, avanço de 0,20%. Às incertezas provocadas pela paralisação parcial do governo americano, que atrasa a divulgação de indicadores econômicos e dificulta as apostas em torno do grau de afrouxamento monetário nos EUA, somou-se à cautela interna diante dos possíveis impactos da aprovação do projeto do Imposto de Renda na Câmara dos Deputados.

Embora haja compensações para perda de receita com isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, como a alíquota mínima de 10% para rendas anuais acima de 1,2 milhão e tributação de dividendos, há dúvidas ainda sobre a neutralidade fiscal da proposta e seus eventuais impactos sobre a inflação.

Outro ponto é a leitura de que a aprovação da proposta representa uma vitória maiúscula do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que diminui as chances eleitorais da oposição, em tese mais comprometida com a austeridade fiscal.

Na primeira etapa de negócios, o real amargou o pior desempenho entre seus pares latino-americanos, que sofreram nesta quinta mais que outras divisas emergentes. Ao longo da tarde, porém, a moeda brasileira recuperou parte das perdas e, no fim do dia, recuava menos que os pesos mexicano e chileno. A leitura é de que a taxa real de juros doméstica elevada impede apostas mais contundentes para o real e estimula realização de lucros intradia.

Um operador afirma que parte da arrancada do dólar pela manhã poderia estar ligada a sinais de que o governo estaria disposto a tocar para frente o projeto de zerar a tarifa de ônibus. Notícia do Valor Econômico de que fontes da área econômica veem chances remotas de que a proposta saia do papel nos próximos meses teria aberto uma janela para correção de excessos. A avaliação dos técnicos foi confirmada em seguida pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.

Para o gestor de portfólio da Azimut Brasil Wealth Management, Marcelo Bacelar, o fato de o Federal Reserve ter sinalizado no mês passado mais um ou dois cortes na taxa de juros, o que sustenta a tese de dólar fraco no mundo, e o tom duro do Banco Central brasileiro contribuem para manter o real bem comportado, apesar da piora dos fundamentos locais.

O gestor avalia que os desdobramentos fiscais da aprovação do IR podem provocar ruídos de curto prazo, mas não provocam grande impacto nos preços dos ativos. A grande questão, avalia, é o quanto a proposta traz de ganho de popularidade para o governo Lula e o coloca como favorito para vender o pleito do ano que vem.

“Isso poderia ser um motivo para o câmbio piorar. Mas o real tem sido favorecido pelo processo de valorização das divisas emergentes e pelo carrego, que torna muito caro apostar contra a moeda”, afirma Bacelar, que, por ora, se mantém neutro em relação ao real.

Lá fora, o índice DXY – termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes – rondava os 98,800 pontos no fim da tarde, em alta de cerca de 0,15, após ter rompido o teto dos 98,000 pontos na primeira etapa de negócios, com máxima aos 98,131 pontos. Na semana, o Dollar Index ainda cai pouco mais de 0,30%.

À tarde, o presidente do Federal Reserve de Chicago, disse que o BC norte-americano está “operando às cegas” sem a divulgação indicadores econômicos em razão do shutdown. A perspectiva é que a publicação do relatório de emprego (payroll) de setembro, programada para a sexta-feira, seja adiada.

Após o relatório ADP mostrar na quarta-feira eliminação de 32 mil vagas de trabalho em setembro, contrariando a previsão de criação de 50 mil vagas, circularam dados não oficiais nesta quinta indicando criação líquida de empregos no mês passado – o que pode ter contribuído para o repique no exterior pela manhã.

“O shutdown está deixando o dólar mais volátil lá fora, porque traz incerteza sobre a atividade americana e dificulta as apostas sobre o corte de juros nos EUA, afirma o head de câmbio da HCI Advisors, Anilson Moretti, ressaltando que dados dos pedidos semanais de auxílio-desemprego, programados para nesta quinta, não saíram.

Bolsa

Após semanas consecutivas de renovações de máximas históricas, o Ibovespa deu prosseguimento nesta quinta-feira à correção, em nível mais agudo do que o sentido nas duas sessões anteriores, em baixa de 1,08%, abaixo de 144 mil pontos, no menor nível desde 15 de setembro. Foi também seu maior ajuste diário, em porcentual, desde 19 de agosto (-2,10%). O índice da B3 também não registrava três perdas seguidas desde as sessões entre 1º e 3 de setembro, há um mês. Nesta quinta-feira, oscilou dos 143.635,05 aos 145.620,60 pontos, da mínima à máxima do dia, e fechou aos 143.949,64 pontos, com giro a R$ 19,5 bilhões na sessão.

Com o desempenho desta quinta-feira, o Ibovespa oscila ao negativo na semana (-1,03%), acumulando perda de 1,56% nas duas primeiras sessões de outubro. No ano, sobe 19,68%. Na ponta ganhadora do Ibovespa na sessão, pouco avanço nas ações que conseguiram fechar em alta, como Marcopolo (+1,62%), Gerdau (+1,24%) e Metalúrgica Gerdau (+1,03%). No lado oposto, Pão de Açúcar (-6,92%), Embraer (-5,82%) e Azzas (-5,14%).

Entre as ações de maior peso e liquidez, Petrobras ON e PN cederam, pela ordem, 1,24% e 0,96%, com o petróleo em queda pela quarta sessão consecutiva. E, entre as maiores instituições financeiras, as perdas do dia ficaram entre 0,21% (Santander Unit) e 1,61% (Bradesco PN). Itaú PN, principal papel do setor, caiu 1,10%. Vale ON, principal ação da carteira Ibovespa, subiu 0,67%.

A quinta-feira na B3, especialmente na virada da manhã para a tarde, foi marcada por um grau de volatilidade maior do que o visto nas sessões anteriores. Nesta quinta, os investidores ponderaram dois fatores de risco, um externo e outro, doméstico.

De um lado, os prováveis efeitos da aprovação do projeto de isenção do IR, na noite da quarta na Câmara dos Deputados – e que ainda passará pelo Senado, onde há outro texto em tramitação – sobre a situação fiscal, com possíveis consequências, também, para a atividade econômica e a inflação. De outro, nos EUA, a ausência da referência dos dados econômicos, em razão do shutdown nos serviços públicos, no momento em que o Federal Reserve inicia uma transição na política monetária.

Dessa forma, a percepção de risco colocou o dólar a R$ 5,37 na máxima da sessão e a quase R$ 5,34 no fechamento desta quinta-feira. Além do Ibovespa e do câmbio, a curva do DI também sofreu a pressão da incerteza doméstica, na sessão, agravada por rumor de que estaria em gestação, em círculos políticos de Brasília, a isenção em nível nacional das tarifas de ônibus, com um custo de até R$ 60 bilhões para 2026. Conforme apuração do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) em Brasília, a ideia é menos que embrionária, sem proposta concreta sobre a mesa e sem que a equipe econômica tenha sido acionada, até o momento, para análise técnica e estimativa de custo.

Sobre a aprovação do projeto de isenção do IR na Câmara, José Alfaix, economista na Rio Bravo Investimentos, aponta que a propensão ao consumo é consideravelmente superior na faixa beneficiada – de R$ 5 mil, na isenção, até R$ 7,3 mil de ganho mensal, no desconto de IR – do que se observa entre os mais ricos, onde o acréscimo de renda pode se converter em poupança.

“É esperado que esse aumento do consumo seja capaz de atenuar o arrefecimento da economia doméstica”, diz Alfaix. “A percepção de risco fiscal, por sua vez, não deve ter enormes mudanças”, acrescenta.

“O projeto manteve compensação tributária que, de acordo com a Fazenda, deve zerar o custo fiscal da medida”, diz o economista, ressalvando ser preciso fazer a “conta”, na medida em que, para muitos especialistas, o volume que deve ser arrecadado junto aos “super-ricos” pode estar sobrestimado. Ainda assim, acrescenta Alfaix, a preservação do IR mínimo – sendo capaz ou não de cobrir integralmente a isenção – ao menos limita o custo fiscal. “O maior receio dos investidores era o de ampliação da faixa de isenção e de desidratação da compensação tributária, o que não ocorreu”, conclui.

Visão semelhante tem Maurício Une, head de estratégia macro para a América do Sul no Rabobank. Em nota, ele menciona que a isenção do IR, da forma como foi aprovada pela Câmara dos Deputados, priva os cofres da União de cerca de R$ 26 bilhões, mas gera um aumento arrecadatório de R$ 34 bilhões por meio de medidas compensatórias como tributação mínima de 10% sobre rendimentos anuais acima de R$ 600 mil por ano, tributação de lucros e dividendos e tributação de remessas ao exterior.

“Ainda que a medida do IR tenha sido mais do que compensada, dada a maior propensão marginal a consumir dos 26,6 milhões de contribuintes contemplados pela isenção, a sensação que fica é que podemos ter uma injeção líquida de recursos destinados ao consumo das famílias”, acrescenta ele.

Juros

A percepção de aumento do risco fiscal, com a possibilidade de que mais medidas com efeito expansionista sobre os gastos públicos sejam colocadas em discussão pelo governo, ditou a alta dos juros futuros no pregão desta quinta-feira, 02. Os trechos mais distantes da curva a termo abriram até 14 pontos-base no fim da tarde, na medida em que os agentes digeriam o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) aprovado ontem pela Câmara e também monitoravam potencial proposta do governo que circulou na imprensa para zerar as tarifas de ônibus no País.

Encerrados os negócios, a taxa de contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 aumentou de 14,058% no ajuste anterior para 14,090%. O DI para janeiro de 2028 ficou em 13,465%, de 13,377% no ajuste. O DI para janeiro de 2029 avançou de 13,252% no ajuste de quarta-feira para 13,390%. O DI para janeiro de 2031 marcou 13,595%, vindo de 13,432% no ajuste da véspera.

Na noite de ontem, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o projeto de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. A compensação será feita por meio de uma alíquota mínima de 10% sobre rendas anuais acima de R$ 1,2 milhão e dividendos acima de R$ 50 mil mensais. O texto segue para aval do Senado, que precisa aprová-lo até o final do ano para que as mudanças sejam efetivadas em 2026.

Para Erlan Valverde, especialista em direito tributário e sócio do IW Melcheds Advogados, a ampliação da isenção é positiva, mas o modelo de compensação preocupa. “O projeto tem dois efeitos claros: de um lado, o alívio para quem ganha até R$ 5 mil; de outro, a cobrança sobre dividendos acima de R$ 600 mil. O problema é que essa compensação recai sobre empresas que já enfrentam uma das maiores cargas tributárias do mundo”, afirma. O Brasil, de acordo com Valverde, já tributa o lucro corporativo em 34%, somando IRPJ e CSLL, acima da média dos países que integram a OCDE, de 21%.

Além das dúvidas acerca de como será feita a compensação à renúncia fiscal no projeto do IR, Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, aponta que o clima de “gastança”, com o receio de que mais pautas populistas venham à tona, mesmo que sem sustentabilidade fiscal, pressionou a curva na sessão de hoje.

“A renúncia no projeto do IR é certa, mas a compensação é incerta. A preocupação fiscal voltou à tona, e ainda o ‘mood’ eleições. Vale lembrar que nenhum projeto que cria ou amplia benefícios pode ser feito em 2026 por causa da legislação eleitoral. Então há forte receio de que projetos populistas ganhem tração nesse último trimestre”, disse Sanchez.

Head de análise política da Warren Investimentos, Erich Decat aponta que, a um ano do pleito presidencial, os parlamentares tendem a privilegiar propostas de forte apelo popular, como a reforma do IR. “A leitura dominante é que o Senado ratificará o texto até o final de 2025, reduzindo parte das incertezas fiscais e fortalecendo o cenário base de aprovação”, comentou em relatório a clientes.

Os investidores também ficaram atentos a notícias que circularam sobre análises que a equipe técnica do governo federal estaria fazendo para reduzir ou tornar totalmente gratuita a tarifa de ônibus no Brasil. Embora a chance da proposta sair do papel seja considerada remota por fontes da área econômica ouvidas pela Broadcast, os ruídos em torno da medida fizeram preço, ao ampliar a cautela sobre o quadro fiscal.

“O mercado discutiu o custo dessa eventual medida. Vimos números que vão de R$ 35 bilhões a R$ 100 bilhões, ninguém sabe como vai ser financiado, o tamanho do programa, quantos dias da semana seriam ao certo de gratuidade. Isso gerou uma incerteza grande”, disse um participante do mercado à Broadcast, que também mencionou, em segundo plano, o ambiente externo também mais avesso a risco.

Estadão Conteudo

About Author

Você também pode se interessar

Mix diário

Brasil defende reforma da OMC e apoia sistema multilateral justo e eficaz, diz Alckmin

O Brasil voltou a defender a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) em um fórum internacional. Desta vez, o
Mix diário

Inflação global continua a cair, mas ainda precisa atingir meta, diz diretora-gerente do FMI

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva disse que a inflação global continua a cair, mas que deve