Já em alta firme e acima da linha de R$ 6,20 ao longo da tarde, em razão da crise de confiança na política fiscal do governo Lula, o dólar à vista ganhou ainda mais força na última hora de negócios em sintonia com o exterior, após o anúncio da decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA).
Com máxima a R$ 6,2707, o dólar à vista fechou em alta de 2,78%, a R$ 6,2657 – renovando pico histórico nominal pelo terceiro pregão consecutivo. Desde a última vez que o dólar fechou abaixo de R$ 6,00 no mercado doméstico (R$ 5,9557), no último dia 11, a moeda já acumula valorização de 5,20%. No ano, o dólar tem ganhos de 29,10%.
O real apresentou de longe o pior desempenho entre as principais moedas globais, incluindo divisas pares de países emergentes e de exportadores de commodities. Termômetro do comportamento do dólar em relação a pares, como euro e iene, o índice DXY subiu mais de 1%, ultrapassando os 108,000 pontos.
Como esperado, o Fed reduziu a taxa de juros em 25 pontos-base, para a faixa entre 4,25% e 4,50%. Mas a decisão não foi unânime. Houve 11 votos pela redução e 1 pela manutenção. Analistas chamaram a atenção para o tom duro do comunicado e de falas do presidente do BC americano, Jerome Powell, em coletiva de imprensa.
Dirigentes do Fed revisaram para cima, no chamado gráfico de pontos, a mediana para núcleos de inflação e passaram a prever taxas de juros um pouco mais elevadas do que anteriormente no atual ciclo de afrouxamento monetário.
Powell afirmou que, com os cortes já realizados, os juros já estão “perto do nível neutro”, o que permite “postura cautelosa”. Ao comentar a possibilidade de uma elevação da taxa em 2025, o presidente do Fed disse que nenhuma opção pode ser completamente descartada.
O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, observa que o Fed vê uma economia mais forte, o que pressupõe inflação “mais duradoura, exigindo um ciclo de corte de juros mais gradualista” daqui para frente.
“A dissidência de uma diretoria demonstra que o debate sobre cortes em 2025 será mais complicado, diante de déficits fiscais mais duradouros, menor imigração e aumento de tarifas”, afirma Borsoi, que, por ora, mantém projeção de dois cortes de 25 pontos-base em 2025, nas reuniões de outubro e dezembro.
Desde a eleição do republicano Donald Trump à presidência dos EUA, há apostas de que o BC americano terá menos espaço para reduzir os juros no próximo ano. Trump promete redução de impostos e medidas protecionistas, o que pode resultar em pressões inflacionárias adicionais.
Analistas observam que o real já amargava as piores perdas entre pares emergentes antes da decisão do Fed. Depois de vender US$ 3,3 bilhões ontem em dois leilões à vista, o Banco Central não interveio no mercado cambial hoje, apesar de a taxa de câmbio ter superado R$ 6,20 no início da tarde. Segundo operadores, mesmo com a continuidade do movimento de remessas de empresas e fundos ao exterior, houve boa liquidez no segmento à vista.
O BC informou que o fluxo cambial foi negativo em US$ US$ 4,146 bilhões na semana passada, com saída líquida de US$ 2,809 bilhões no segmento financeiro. No mês (até dia 13), o saldo total é negativo em US$ 6,788 bilhões, em razão de saída de US$ 6,063 bilhões pela conta financeira.
“Com liquidez no spot, se o BC atuasse hoje iria parecer que estava defendendo um nível para a taxa de câmbio. Se faltar liquidez nos próximos dias, ele pode atuar de novo”, afirma o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, acrescentando que o BC, por ora, segue fiel à estratégia de prover divisas para corrigir distorções, e não para tentar segurar alta do dólar motivada por aumento da percepção de risco. “A dinâmica está muito ruim por conta do fiscal. E não é só no câmbio”.
Ontem à noite, a Câmara aprovou a primeira parte do pacote fiscal enviado pelo governo. Trata-se do projeto de lei complementar que estabelece gatilhos para o arcabouço fiscal e prevê o bloqueio de emendas em determinados casos. Uma das medidas propostas pela equipe econômica, contudo, caiu: a que limitava a restituição de créditos tributários pelas empresas. A Câmara ainda tem que apreciar mais dois textos – um projeto de lei e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Tudo será enviado em seguida ao Senado, que precisa apreciar as propostas antes de recesso parlamentar, que começa no dia 23. À tarde, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esteve reunido com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e lideranças partidárias. Analistas estimam que a economia com o pacote fiscal vai girar entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões, aquém dos R$ 71 bilhões almejados pela Fazenda.
Mais cedo, Haddad disse que a taxa de câmbio estava pressionada por um clima de incerteza, mas que deveria se acomodar à frente. “A Fazenda trabalha com os fundamentos, e esses movimentos mais especulativos, eles são coibidos com a intervenção do Tesouro, Banco Central. Funciona assim”, afirmou Haddad.
Com o mercado de câmbio já fechado, o BC anunciou que vai realizar amanhã leilão de venda de dólares à vista com oferta de US$ 3 bilhões.
Ibovespa
Em dia de confirmação, neste fim de tarde, de novo corte de juros pelo Federal Reserve, o Ibovespa se mantinha desconectado de Nova York desde cedo, assombrado ainda pela deterioração da perspectiva fiscal doméstica. Mas sinais observados na comunicação e nas projeções do Fed – com a indicação de apenas mais dois cortes na taxa de juros americana e piora nas projeções do PCE (índice de inflação ao consumidor monitorado pelo BC dos EUA), bem como a decisão sem unanimidade – deterioraram o humor lá fora, carregando o Ibovespa para profundezas maiores. A comunicação também enseja a chance de abertura de uma janela para interrupção ou encurtamento do ciclo de cortes de juros na maior economia do globo – sinal reforçado durante a coletiva do presidente do Fed, Jerome Powell.
Assim, o índice da B3, que caía 2,05% pouco antes da deliberação do BC americano, passou a ceder 3,40%, a 120.457,48 pontos, na mínima do dia renovada ao longo – e mesmo depois – dos comentários de Powell, então a caminho de sua maior perda desde 8 de setembro de 2021, no dia seguinte ao discurso do então presidente Jair Bolsonaro na avenida Paulista, na celebração da data nacional com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No fechamento de hoje, o Ibovespa ainda mostrava baixa de 3,15%, a 120.771,88 pontos, no menor nível desde 20 de junho (então aos 120,4 mil pontos). Foi também a maior perda diária em porcentual desde 10 de novembro de 2022 (-3,35%), quando o temor era de que o ex-ministro Guido Mantega viesse a participar da equipe de transição para Lula 3. Por sua vez, o dólar à vista, hoje a R$ 6,2707 na máxima pós-Powell, concluiu o dia a R$ 6,2657, em alta de 2,78%. Na semana, o Ibovespa cai 1,64% e, no mês, cede 3,90% – no ano, a queda chega agora a 10,00%. O giro financeiro foi muito reforçado, mesmo para um dia de vencimento de opções sobre o Ibovespa, como hoje, quando chegou a R$ 83,0 bilhões.
Na B3, todas as ações de maior liquidez operaram em terreno negativo neste meio de semana, e apenas três das 87 componentes da carteira conseguiram sustentar ganho no fechamento da sessão: Marfrig (+1,81%), MRV (+1,54%) e Santos Brasil (+0,54%). A corrente negativa foi puxada hoje pela realização de lucros em Automob (-30,00%), estreante que havia sido o destaque nos dois primeiros pregões da semana. CVC (-17,11%) e Azul (-11,58%) também figuraram entre as maiores perdedoras do dia, com a pressão vista no dólar ao longo da sessão. Entre as blue chips, Vale ON caiu 2,32% e Petrobras recuou 2,23% na ON e 2,58% na PN (mínima do dia no fechamento). Entre os grandes bancos, as perdas variaram entre 2,78% (BB ON) e 4,27% (Santander Unit) no encerramento.
“Atualmente, observamos uma desinflação incompleta, o que sugere um ajuste mais gradual da taxa de juros pelo banco central americano do que projetado anteriormente. Além disso, no comunicado, o Comitê julga que os riscos às metas de emprego e inflação estão relativamente equilibrados”, observa Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research. Ele acrescenta que, em relação às projeções atualizadas hoje pelo Fed, a de “taxa de juros passou de 3,4% a.a. para 3,9% a.a, indicando, possivelmente, apenas mais dois cortes de 0,25 p.p. no ano que vem”, acrescenta o economista.
“De um lado, o Fomc comitê de política monetária do Fed não necessita acelerar os cortes porque não há sinais de hard landing pouso forçado para a economia. Por outro, o cenário inflacionário começa a dar alguns sinais amarelos”, diz Sung.
No cenário doméstico, poucas mudanças, mesmo após a aprovação do pacote de cortes de gastos pela Câmara dos Deputados, na noite de ontem, diz Gabriel Meira, economista da Valor Investimentos. “O fiscal continua a preocupar muito e a aprovação do pacote na Câmara não foi o suficiente para acalmar os ânimos”, como visto desde cedo, na abertura dos negócios. “Cenário para o início do governo Trump ainda é de dólar fortalecido, com entrada de recursos por lá contribuindo para enfraquecer, também, a situação do real por aqui.”
Na entrevista posterior à decisão desta tarde sobre os juros americanos, Powell observou que, para que os juros continuem a ser cortados em 2025, será preciso que os integrantes do Fed vejam mais progresso com relação à inflação. “Com cortes já realizados, as taxas de juros estão perto de nível neutro aquele que não estimula nem restringe o ritmo de atividade econômica”, apontou Powell. “Vemos incertezas elevadas sobre riscos de alta da inflação”, disse também o presidente do Fed.
A perspectiva de redução de ritmo ou mesmo eventual interrupção do ciclo de cortes de juros pelo Fed vinha recentemente no radar do mercado, na medida em que eventual início “protecionista” do governo Trump, em janeiro, tende a resultar em pressões inflacionárias nos Estados Unidos.
“No que diz respeito à inflação propriamente dita, Powell adotou uma postura um pouco mais dura. Segundo ele, os indicadores desaceleraram consideravelmente nos últimos meses, mas a inflação ainda está acima da meta”, diz Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, destacando a passagem em que o presidente do Fed enfatizou as “incertezas elevadas sobre riscos de alta da inflação” e que, “para cortar juros em 2025”, será preciso que o Fed veja “mais progresso na inflação”.
“Entre estas incertezas estão, de acordo com o que Powell disse ao longo da entrevista, efeitos das tarifas comerciais sobre a inflação – não se sabe ainda como afetariam o CPI índice de preços ao consumidor, e se o efeito será prolongado”, acrescenta a economista.
“Dia pesado com prosseguimento da pressão no câmbio e na curva do DI, o que leva o Ibovespa a se aproximar da mínima do ano”, aponta Diego Faust, operador de renda variável da Manchester Investimentos, mencionando a expectativa por juros americanos não tão reduzidos para as reuniões à frente, com possibilidade de interrupção do ciclo em 2025, e a deterioração fiscal no Brasil.
Juros
Os juros futuros voltaram a fechar com alta expressiva. A manhã já tinha sido caótica, com taxas subindo em torno de 20 pontos-base, pressionada por fatores técnicos e ainda com a tensão fiscal e monetária no pano de fundo. À tarde, ampliaram a alta a mais de 50 pontos depois dos recados “hawkish” do Federal Reserve no comunicado da decisão e na entrevista de Jerome Powell. Na ponta curta, a precificação de Selic terminal já bateu em 17%.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 15,38%, de 15,08% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 saltou a 15,84%, de 15,41% ontem. A taxa do DI para janeiro de 2029 terminou em 15,54%, de 15,11%.
A expectativa era de uma quarta-feira de menor estresse, considerando a aprovação de parte dos projetos fiscais e da reforma tributária ontem no Congresso, além da decisão do Tesouro de atuar simultaneamente com venda e recompra de títulos, dando saída a detentores dos papéis no ambiente atual de baixo apetite pelo risco. Até meados da manhã a ponta longa até esteve bem comportada, mas depois o nervosismo voltou a tomar conta.
“Achei que seria um dia bom, até porque ainda teve a notícia de que vão botar o salário mínimo para votar mais tarde, provavelmente. Mas o dia mostra que o mercado está totalmente não racional, não tem mais tanto fundamento. É um mercado de total desconfiança, que não dá mais credibilidade para o que o governo promete”, afirma a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.
Ela lembra ainda que a escalada das taxas e do câmbio desafiou as falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que procurou mostrar confiança na preservação do pacote durante a tramitação no Congresso e otimismo quanto às aprovações em tempo hábil. “Me parece que o pacote já não faz mais preço. Até porque tem medo de desidratar, tem a história do BPC. Está chegando o fim da semana e eles não aprovaram quase nada”, disse Veronese, para quem uma melhora consistente dos ativos agora está na dependência de mais medidas fiscais. Haddad já disse mais de uma vez que, se necessário, vai levar novas medidas ao presidente Lula.
Já com a curva bastante pressionada, à tarde veio a decisão do Fed, que, como esperado, reduziu os juros para a faixa entre 4,25% e 4,50%, mas sinalizou que será mais cuidadoso com o processo de relaxamento no ano que vem. Powell endossou o statement ao afirmar que os juros estão perto do nível neutro e que é preciso mais progresso na inflação para que continue cortando os juros. No fim da tarde, a chance de manutenção da taxa na reunião de janeiro subia a 88,5%, de 79,9% antes da decisão. Os rendimentos dos Treasuries avançaram, com o da T-Note de dez anos voltando a 4,50% nas máximas à tarde.
Nos aspectos técnicos da sessão, o destaque foram os leilões de compra e venda de Notas do Tesouro Nacional – Série F (NTN-F), que supostamente trariam um pouco mais de alívio ao mercado. Ontem, o Tesouro cancelou a venda de prefixados de amanhã e informou faria três leilões, de compra e venda hoje, amanhã e sexta, e hoje anunciou que atuaria com NTN-F. Na venda, ofertou 1,2 milhão de títulos para 2029, 2031, 2033 e 2035, mas não aceitou propostas. Na compra, adquiriu apenas 400 mil da oferta de 4 milhões, com 1 milhão em cada um daqueles quatro vencimentos.
A esticada das taxas se deu também na ponta curta. A precificação de aumento de 1,5 ponto da Selic no Copom de janeiro não só é consenso como também já aparecem apostas de 1,75 ponto. A taxa terminal projetada no fim do dia era de 17,05%, com a crescente avaliação de que a política monetária terá de “consertar” os efeitos da desordem fiscal, segundo analistas.