Após dois pregões de alta, em que avançou 1,90% e superou R$ 5,50, o dólar à vista recuou 0,51% nesta quarta-feira, 20, a R$ 5,4729. Operadores afirmam que a queda da moeda no exterior, diante de apostas em cortes de juros nos Estados Unidos, abriu espaço para ajustes e realização de lucros.
A avaliação é que o aumento dos prêmios de risco, diante das tensões entre o Judiciário brasileiro e o governo Donald Trump, já está em grande parte refletido na taxa de câmbio, que se afastou do piso de R$ 5,40 rompido na semana passada.
Uma nova rodada de depreciação do real pode ocorrer se Washington reagir mais duramente à decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que leis estrangeiras só valem no Brasil após homologação da Justiça local. Em tese, a medida livra o ministro Alexandre de Moraes das ações americanas baseadas na Lei Magnitsky.
Sem novos gatilhos internos, os negócios voltaram a seguir o cenário global. O dia foi de valorização de divisas emergentes, em meio à alta do petróleo. O real, que na terça-feira liderou as perdas, nesta quarta puxou os ganhos ante o dólar.
O economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo, diz que, apesar das tensões com os EUA, o real responde mais ao vaivém externo. Na terça, a moeda brasileira caiu mais que pares com dúvidas sobre o efeito das sanções dos EUA a Moraes, mas outras divisas emergentes também recuaram.
“Ontem, houve um movimento de correção global do dólar, já que o índice DXY havia tocado mínima em três anos nas últimas semanas. Hoje vemos um movimento contrário. O real apenas segue a tendência global”, afirma Galhardo.
Pela manhã, pesou sobre a moeda americana nova ofensiva do governo Trump contra o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), que pode iniciar afrouxamento monetário em setembro. O presidente do conselho da Agência Federal de Financiamento Habitacional, William Pulte, acusou a diretora do Fed Lisa Cook de fraude hipotecária e pediu sua saída.
A ata do Fed, divulgada à tarde, mostrou preocupação com o impacto inflacionário do tarifaço de Trump, o que reduziu levemente a queda do dólar externo, sem afetar o real. As apostas de corte de juros em setembro seguem acima de 80%, segundo o CME Group.
Analistas consideram o documento defasado, pois a decisão do Fed em julho precedeu dados fracos do mercado de trabalho. Agora, as atenções se voltam para a fala do presidente Jerome Powell no Simpósio de Jackson Hole, nesta sexta-feira, 20.
Com foco no cenário externo, investidores minimizaram o alerta do ministro Alexandre de Moraes, em entrevista à Reuters, de que a Justiça brasileira pode punir bancos que bloquearem ativos por ordem dos EUA. O ministro aposta em recuo da administração Trump.
“O mercado optou por ajustes e realização de lucros hoje, porque o movimento de alta do dólar ontem foi muito forte. Mas não dá para negar que o ambiente continua pesado com a postura do STF. Ainda existe muita incerteza nessa questão das sanções”, afirma o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo.
Ibovespa
O Ibovespa, em especial o setor financeiro, chegou a perder fôlego em direção ao encerramento desta quarta-feira, 20, fazendo com que o índice testasse neutralidade no fim do dia, após a queda de 2,10%, na terça-feira, no que foi sua maior correção desde a perda de quase 3% em 4 de abril. No melhor momento, reaproximou-se nesta quarta de 135 mil pontos, na máxima do dia, em sessão de recuperação parcial dos bancos após o tombo do dia anterior com a retomada dos temores sobre a relação entre Brasil e EUA. A correção veio na esteira de deliberação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a aplicabilidade de leis estrangeiras – como a Magnitsky, que sancionou o ministro Alexandre de Moraes – no Brasil.
Contido, o índice da B3 flutuou 842 pontos entre a mínima (134.121,67) e a máxima (134.963,84) da sessão, em que saiu de abertura aos 134.430,49 pontos. Ao fim, marcava leve alta de 0,17%, aos 134.666,46 pontos, com giro também enfraquecido, a R$ 16,2 bilhões, nesta quarta-feira. Na semana, o Ibovespa recua 1,23%, limitando o ganho do mês a 1,20%. No ano, sobe 11,96%.
Para Pedro Moreira, sócio da One Investimentos, o cenário macro ainda prevalece sobre os preços dos ativos brasileiros. “Do ponto de vista técnico, há incerteza sobre o que poderão fazer os bancos, que ficaram numa saia justa entre a deliberação do ministro Dino e o que determina a Lei Magnitsky, dos Estados Unidos. Numa situação assim, de indefinição, o mercado começa a fazer cenários. No extremo disso estaria a aplicação de sanções pelos EUA também aos bancos brasileiros, o que seria bem devastador”, acrescenta Moreira, referindo-se às condições de acesso de instituições financeiras brasileiras ao mercado global.
Após perdas que chegaram na terça-feira à casa de 6% em Banco do Brasil ON, a recuperação no segmento nesta quarta-feira foi bem discreta, tendo Santander (Unit +2,08%) à frente entre as maiores instituições. BB ON subiu apenas 0,30% e Itaú PN, a principal ação do setor, ficou praticamente estável (+0,06%). Bradesco ON e PN fecharam o dia, pela ordem, em alta de 0,44% e 0,32%. BTG Pactual, por sua vez, cedeu 1,10%.
Na ponta ganhadora do Ibovespa, destaque para Pão de Açúcar (+8,62%), Ultrapar (+4,35%) e Auren (+4,05%). No lado oposto, Azzas (-3,42%), Marfrig (-3,16%) e Rumo (-3,11%). Entre as principais ações de commodities, Vale ON cedeu 0,45%, enquanto Petrobras avançou 0,83% na ON e 0,60% na PN, com o Brent e o WTI em alta na casa de 1,5% no fechamento de Londres e Nova York.
Roberto Simioni, economista-chefe da Blue3 Investimentos, observa que o Brasil se tornou o primeiro país a sofrer, simultaneamente, o efeito de dois instrumentos legais dos Estados Unidos – o tarifaço de 50% em mais de 400 produtos e a aplicação da Lei Magnitsky -, o que representa, no seu entendimento, uma nova forma de pressão diplomática e econômica.
“A medida adotada pelo ministro Flávio Dino reforça o princípio da soberania nacional e da jurisdição exclusiva do STF sobre atos normativos estrangeiros”, reconhece Simioni, mas a iniciativa tende a reforçar as tensões, na medida em que “reduz a confiança de investidores estrangeiros no ambiente regulatório brasileiro, aumenta o risco jurídico para bancos com operações internacionais e pode, também, impactar a liquidez e o custo de capital de empresas brasileiras.”
Juros
A curva a termo percorreu a segunda etapa do pregão de quarta-feira, 20, com baixa em todos os vértices, em linha com a queda no rendimento dos Treasuries e a correção observada no dólar. Após a forte deterioração nos ativos domésticos nesta terça, 19 – em reação à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que condicionou a eficácia de leis estrangeiras no Brasil a uma prévia homologação da Corte -, o mercado operou em compasso de espera a novas sanções de Washington. Possíveis retaliações não estão descartadas, mas ainda não ocorreram.
Encerrados os negócios, a taxa de contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) de janeiro de 2027 passou de 14,111% no ajuste da véspera para 14,035%, mantendo-se acima de 14%. O DI de janeiro de 2028 marcou 13,375%, de 13,491% no ajuste antecedente. O DI de janeiro de 2029 cedeu de 13,444% no ajuste anterior a 13,34%.
Alvo da Lei Magnitsky, dos EUA – que permite ao país impor sanções econômicas a acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos -, o ministro do STF Alexandre de Moraes reconheceu nesta tarde que os bancos brasileiros precisam obedecer as regras da legislação em solo americano. Mas podem ser penalizados se aplicarem a lei para bloquear ou confiscar ativos domésticos em território nacional.
Em entrevista à Reuters, o magistrado se disse confiante de que a administração Trump vai recuar em relação às restrições impostas a ele, que não seriam consenso dentro do governo americano. Por volta das 14h, quando a entrevista foi publicada, os DIs chegaram a abrir levemente, mas o viés de alta não se sustentou. A decisão mais recente de Dino proíbe a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.
Também não houve reação na curva à ata da última reunião do Federal Reserve (Fed), também divulgada nesta tarde. No documento, a maior parte dos dirigentes do BC americano avaliou que o risco de inflação é mais relevante do que a possibilidade de enfraquecimento do emprego. Como, no entanto, o Fed se reuniu antes de conhecer os dados bastante fracos do payroll de julho, a ata já está “obsoleta”, na avaliação da Pantheon Macroeconomics.
Mesmo lá fora, a precificação da curva mudou “muito marginalmente” após a publicação da ata do Fed, observa André Muller, economista-chefe da AZ Quest Investimentos. “Diante dos últimos dados de emprego, agora precisamos aguardar para entender se o presidente do Fed, Jerome Powell vai sinalizar disposição em cortar os juros em setembro”, disse.
Por aqui, Muller aponta que a tendência de elevação dos juros futuros nos últimos dias contrariou os fundamentos econômicos, que são de enfraquecimento da atividade e surpresas baixistas com a inflação. “Após ruídos no âmbito institucional, houve um ajuste em relação a um eventual exagero na sessão de hoje, que também não trouxe clareza maior em relação aos eventos institucionais”, disse.
Para Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, as tensões entre Brasil e EUA podem aumentar, especialmente à medida que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF se aproxima. “A possibilidade de uma escalada mais séria não pode ser descartada nos próximos dias, caso novas sanções sejam possivelmente aplicadas a outros ministros do STF ou a bancos brasileiros”, diz Secemski.
Antes da abertura do mercado, foi divulgada pesquisa Genial/Quaest que mostrou que, pela primeira vez desde 2024, a maioria dos brasileiros (43%) considera o mandato atual do presidente Lula melhor do que o de Bolsonaro. Segundo Muller, da AZ Quest, como os dados já haviam circulado ontem, o levantamento não fez preço no pregão desta quarta.