O dólar à vista moderou o ritmo de alta na última hora de negócios, em meio a declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre cortes de gastos, e se afastou das máximas vistas no meio da tarde, quando rompeu o nível de R$ 5,81. Mais uma vez, a dobradinha formada por valorização da moeda americana no exterior, fruto da expectativa de menor espaço para corte de juros pelo Federal Reserve em 2025, e a expectativa pelo anúncio do pacote fiscal do governo Lula ditou o rumo da taxa de câmbio.
Haddad disse que o número de redução de gastos será “expressivo” e que as medidas devem “seguir a mesma regra ou alguma coisa parecida” do novo arcabouço fiscal, que impõe teto de crescimento real de 2,5% para as despesas. Fontes ouvidas pelo Broadcast Político afirmaram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria indicado que vai harmonizar os parâmetros do reajuste anual do salário mínimo com as regras do arcabouço – o que representaria uma trava estrutural ao aumento das despesas.
O ministro afirmou que se reunirá mais uma vez hoje com Lula, mas disse que não sabe se haverá “tempo hábil” para o anúncio do pacote. “Se o presidente autorizar, anunciamos. Mas o mais importante é que assim que ele der a autorização, nós estamos prontos para dar publicidade aos detalhes”, afirmou Haddad, após encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Com máxima a R$ 5,8177, o dólar à vista terminou a sessão em alta de 0,31%, a R$ 5,7895. Dado o avanço de hoje, a moeda passou a acumular ganho de 0,15% em novembro. Houve boa liquidez no segmento futuro. Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato da divisa para liquidação em dezembro movimentou mais de US$ 16 bilhões.
Lá fora, o índice DXY – termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes – subiu mais um degrau e superou a linha dos 106,500 pontos, atingindo os maiores níveis em um ano. Apesar da leitura em linha com as estimativas da inflação ao consumidor (CPI na sigla em inglês) de outubro, há temores de maior dificuldade no processo de desinflação com as medidas protecionistas prometidas pelo presidente eleito dos EUA, Donald Trump.
Após apresentar o desempenho superior a de seus pares, em especial latino-americanos, nos últimos dois pregões, hoje o real amargou perdas mesmo com a valorização dos pesos mexicanos e do chileno. Houve certo desconforto na maior parte do dia com a informação, apurada pelo Broadcast Político, de que o anúncio do plano fiscal pode ficar para depois do encontro do G20, que termina no próximo dia 19.
Para o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, o desempenho fraco do real hoje pode estar, de fato, associado por mais uma postergação da divulgação do pacote de gastos. “Era prometido para a semana passada, mas foi adiado várias vezes. Isso gera mais ansiedade nos mercados e passa a sensação de que o projeto original pode estar sendo muito alterado”, afirma Oliveira, acrescentando que a proximidade do feriado no Brasil, na sexta-feira, induz a busca por proteção cambial. “No exterior, as indicações de Donald Trump para a equipe de governo são de nomes mais linha dura com a China, o que já traz impacto nos preços das commodities e fortalece o dólar”.
Por aqui, o Banco Central cancelou pela manhã leilão de linha com recursos novos em razão de problemas operacionais. A operação foi realizada no início da tarde. Foram vendidos ao todo US$ 4 bilhões, divididos igualmente em dois leilões (A e B), com recompra em abril e julho de 2025. Foi a primeira operação do gênero desde dezembro de 2022. Esses leilões têm como objetivo atender à demanda típica por dólares no fim de ano, período marcado por remessas de lucros e dividendos.
“No ano passado, o fluxo cambial era bem mais positivo e havia expectativa de corte de juros nos EUA no início de 2024, o que acabou não acontecendo. O humor em geral era benigno. É normal o BC volte neste ano a realizar leilões de linha, que devem ter impacto neutro no mercado”, diz Oliveira, do Pine.
À tarde, o BC informou que o fluxo cambial total em novembro (até dia 8) foi positivo em US$ 568 milhões, resultado de entrada líquida de US$ 938 milhões pelo canal financeiro e de saída líquida de US$ 370 milhões para o comércio exterior. No ano, até dia 8, o fluxo total é positivo em US$ 10,425 bilhões.
O gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, observa que no fim do ano os bancos estrangeiros tendem a limitar exposição a países emergentes, reduzindo suas linhas de financiamento ao comércio exterior. “Essas linhas voltam a partir de meados de janeiro. Por conta disso, o BC entra para suprir o mercado e os bancos locais. É uma medida sensata”, afirma.
Ibovespa
Com dólar a R$ 5,81 na máxima desta quarta-feira e a curva do DI também refletindo o temor fiscal ante a indefinição pendente sobre os cortes de gastos públicos, o Ibovespa seguia em correção, em terreno negativo em cinco das últimas seis sessões – a única alta do intervalo, anteontem, havia sido de 0,03%, virtual estabilidade. Novas declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, levaram o índice a avançar, ainda que discretamente, na hora final. Mas a leve recuperação foi quase neutralizada no ajuste de fechamento, hoje de novo em alta de 0,03%, aos 127.733,88, após renovar, por volta de 17h, máxima do dia a 128.099,89 pontos (+0,31%).
A melhora pontual decorreu de comentários de Haddad que deram a entender que o pacote de cortes de gastos esteja próximo a ser anunciado, tão logo o presidente Lula autorize a divulgação – nova reunião entre Lula e Haddad ocorreria ainda hoje. O ministro disse também que o valor a ser anunciado será “expressivo” – e que reforçará o conceito de que todas as rubricas devem, na medida do possível, ser incorporadas ao que prevê o arcabouço fiscal.
Na mínima desta quarta-feira, o Ibovespa havia marcado 126.869,37 pontos, saindo de abertura aos 127.698,32. O giro se manteve acima de R$ 20 bilhões, chegando hoje a R$ 52,7 bilhões, muito reforçado pelo vencimento de opções sobre o índice da B3. Na semana, o Ibovespa cai 0,08% e, no mês, cede 1,53%. No ano, recua 4,81%.
As ações de Petrobras, que nas duas sessões anteriores foram decisivas para proporcionar algum suporte ao índice, hoje ajudaram parcialmente, com a ON ainda em alta de 1,04% e a PN, em baixa de 0,14% no fechamento. A ação de maior peso no Ibovespa, Vale ON, que acumula perda de 5,72% na semana e de 7,90% no mês, encerrou um pouco mais acomodada, embora ainda em baixa (-0,28%). O dia foi de sinais divergentes para os grandes bancos, entre -0,54% (Santander Unit) e +0,67% (Bradesco PN). Na ponta ganhadora, destaque para Embraer (+4,73%), LWSA (+3,19%) e Azzas (+2,69%). No lado oposto, IRB (-6,85%), Raízen (-6,42%) e Hapvida (-6,34%).
De uma semana para cá, “o reforço do giro mostra uma diminuição de exposição à Bolsa e o aumento da atratividade da renda fixa, com NTN-B, por exemplo, pagando 6,70%. Há recursos também indo para fora. O cenário é desafiador, e o que prevalece no momento é o ceticismo. A reação da China importante mercado para as commodities do Brasil, quanto a novas medidas de estímulo, deve esperar pela posse do Donald Trump nos Estados Unidos em 20 de janeiro” – para responder no fato, não na expectativa, ao que poderá vir especialmente no terreno comercial, no início do segundo mandato do republicano na Casa Branca, observa Cesar Mikail, gestor de renda variável na Western Asset.
No cenário doméstico, destaca o gestor, é importante continuar a “torcer” pela “resiliência” do ministro da Fazenda no embate no interior do governo para assegurar um nível de cortes de gastos federais que aplaque a desconfiança do mercado com relação a uma trajetória sustentável para o endividamento público. Nesse contexto, a relativa melhora do Ibovespa, em direção à hora final da sessão, coincidiu com as novas declarações do ministro.
Nesta tarde, após reuniões com o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Haddad disse que não sabe se haverá tempo hábil para o anúncio das medidas nesta semana ou se ficará para a próxima. “Hoje ainda temos uma reunião com o presidente, mas eu não sei se há tempo hábil para anúncio”, afirmou. “Se o presidente autorizar, anunciamos. Mas o mais importante, assim que ele der a autorização, estamos prontos para dar publicidade aos detalhes”, respondeu na portaria da Fazenda quando retornava da reunião com Lira.
“O mercado já tinha precificado bem que o pacote tende a ser algo pontual, não estrutural, que não resolverá uma questão de longo prazo. Para agradar, e haver recuperação dos ativos, teria que vir algo entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em cortes. Vindo entre R$ 25 bi e R$ 30 bilhões, não vai agradar, mas já existe uma percepção muito ruim incorporada aos preços dos ativos – então a tendência é de ficar como está, sem muita piora adicional”, diz Mikail, da Western Asset.
Ele destaca que o ajuste do Ibovespa não tem sido maior porque alguns papéis da carteira correlacionados ao dólar, como os de Petrobras e os de proteína animal, têm avançado a contrapelo do aumento da aversão ao risco fiscal e externo. Por outro lado, as ações de grandes bancos, varejo, educação e construção civil, sensíveis ao ciclo doméstico, têm sido penalizadas pelos investidores.
“Hoje, em geral, foi mais um dia difícil para os ativos de risco nos emergentes, entre os quais o Brasil. A inflação ao consumidor nos Estados Unidos, divulgada pela manhã, veio em linha com o esperado, tornando-se um não evento. Mas ainda prevalece o ‘Trump trade’, com inclinação na curva de juros, a abertura da curva dos Treasuries: uma situação desafiadora para ativos no mundo como um todo”, diz Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research.
Destaque da agenda macro nesta quarta-feira, o índice de preços ao consumidor (CPI) nos Estados Unidos teve alta de 0,2% em outubro, mesma variação dos três últimos meses – no acumulado em 12 meses, voltou a subir, de 2,4% para 2,6%. “De forma geral, a inflação de outubro veio dentro do esperado, e deve manter o plano de voo da política monetária nos Estados Unidos”, diz Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
Juros
Os juros futuros reduziram o ritmo de alta no meio da tarde, em meio a falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o pacote de gastos. Ainda que ele não tenha cravado quais são as medidas, tampouco quando serão anunciadas, as declarações serviram de gatilho para uma tentativa de realização de lucros, uma vez que as taxas vinham subindo há várias sessões seguidas.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou a 13,21%, de 13,18% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 subiu de 13,33% para 13,36%. O DI para janeiro de 2029 encerrou com taxa de 13,16% (de 13,15% ontem).
A possibilidade de o pacote ser anunciado só no fim da semana que vem, junto com o relatório bimestral de despesas e receitas, no dia 22, atormentou o mercado pela manhã. O Broadcast Político apurou que a divulgação deveria ficar para depois da participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no evento, que termina no dia 19. Como dia 20 é feriado da Consciência Negra, a expectativa era de que o governo deixasse tudo para sexta.
Essa hipótese acabou ofuscando uma potencial reação positiva à informação de que as medidas incluem a adequação da política do aumento do salário mínimo ao arcabouço fiscal, também conforme o Broadcast Político. Ou seja, o aumento anual seria de no máximo 2,5% e no mínimo 0,6% além da inflação, o que teria impacto elevado na redução estrutural dos gastos.
No meio da tarde, após reuniões com Lula e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Haddad, falando a jornalistas, não descartou a chance de um anúncio ainda esta semana. “Hoje ainda temos uma reunião com o presidente, mas eu não sei se há tempo hábil (para anúncio)”, afirmou. “Se o presidente autorizar, anunciamos. Mas o mais importante, assim que ele der a autorização, nós estamos prontos para dar publicidade aos detalhes”, disse.
Segundo Haddad, o número do pacote será “expressivo” e reforçará o conceito de que todas as rubricas devem, na medida do possível, ser incorporadas ao que prevê o arcabouço.
Na esteira das declarações de Haddad, as taxas, que subiam em torno de 10 pontos-base, reduziram a alta para perto de 5 pontos, com o mercado tentando dar o benefício da dúvida ao ministro, que mantém intacta a sua credibilidade. O mercado sabe que, há mais de uma semana, a decisão sobre o que entra e o que sai do pacote está nas mãos do presidente.
A dinâmica das taxas até então vinha sendo ditada também pelo exterior e pela reação à pesquisa de serviços. Esta última atingiu especialmente a ponta curta, segundo a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta. O volume de serviços prestados cresceu 1,0% sem setembro, no teto das estimativas. A mediana era de 0,6%. “Os números corroboram a pujança da economia doméstica. Sabemos o quanto o setor de serviços tem sido caro ao BC e a política monetária neste momento”, diz.
Do lado externo, investidores seguiram se posicionando para uma política econômica inflacionária nos EUA na gestão Trump. “São inflacionárias e devem colocar o Fed em alerta, o que está traduzido em discursos de dirigentes hoje”, afirma Argenta.
Os receios com a era Trump chegam num momento em que o processo de desinflação nos EUA dá sinais de esgotamento. O núcleo do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos avançou 3,3% em outubro, mesmo ritmo de setembro e dentro das previsões dos analistas.
Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, diz que os dados da CPI encerram a sequência de quedas observada nos últimos meses. “Embora a inflação esteja próxima da meta e o Fomc usualmente não se deixa influenciar por apenas uma leitura, dúvidas sobre o que pode vir pela frente serão levantadas”, afirma o economista, completando que neste momento as atenções “inevitavelmente” começam a se voltar para 2025 e os potenciais impactos das medidas do novo governo Trump.