Em pregão marcado por instabilidade e trocas de sinal, o dólar à vista fechou em ligeira queda nesta quarta-feira, 29, emendando a oitava sessão consecutiva de desvalorização. Investidores adotaram uma postura cautelosa ao longo do dia, evitando movimentos mais fortes antes da decisão de política monetária do Federal Reserve e a entrevista do chairman Jerome Powell, eventos que poderiam trazer novos sinais para o rumo da taxa básica americana.
Como esperado, o Fed manteve a taxa básica na faixa entre 4,25% e 4,50%. No comunicado, chamou a atenção dos investidores a retirada do trecho que mencionava o progresso da inflação rumo à meta de 2%. O BC americano afirmou que a inflação segue um pouco elevada e que vai monitorar cuidadosamente os dados econômicos para decidir sobre seus próximos passos.
A reação inicial do mercado foi negativa, com deterioração adicional das bolsas em Nova York e aceleração de taxas dos Treasuries e do índice DXY, termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes.
Por aqui, o dólar à vista, que rondava a estabilidade, se firmou em leve alta, aproximando-se do nível de R$ 5,88. A maré virou em meio a declarações de Powell, consideradas mais amenas. O presidente do BC descartou a possibilidade de alta dos juros neste ano e reiterou que, se houver progresso na inflação, há espaço para novos cortes. Por ora, a política monetária “está bem posicionada” e não há pressa em alterá-la, disse Powell.
Com máxima a R$ 5,8883 e mínima a R$ 5,8427, o dólar à vista fechou em queda de 0,06%, a R$ 5,8662. A moeda americana acumulou queda de 3,29% nos últimos oito pregões, o que levou a desvalorização acumulada em janeiro à casa de 5%. O real apresenta no mês o terceiro melhor desempenho entre as principais moedas globais, atrás apenas do rublo russo e do peso colombiano.
Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, o tom aparentemente duro do comunicado do Fed, que deixou de mencionar progresso da inflação rumo à meta, foi desfeito pelas declarações de Powell. Borsoi observa que o presidente do BC americano explicou que a mudança no trecho do comunicado sobre a inflação não carregava qualquer mensagem sobre os próximos passos da política monetária.
“Ele disse para o mercado desconsiderar essa mudança no comunicado. Powell também falou que a taxa de juros está significativamente acima do nível neutro. Isso quer dizer que ainda tem muito espaço para cortes”, afiram Borsoi, acrescentando que, por ora, o cenário externo ainda é favorável ao real.
As expectativas se voltam agora para o comunicado da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), que deve anunciar hoje elevação da taxa Selic em 1 ponto porcentual, de acordo com o foward guidance fornecido em dezembro. As dúvidas são se o comitê vai reiterar o compromisso com outra elevação de 1 ponto porcentual em março e, sobretudo, se dará algum guidance para a reunião em maio.
Analistas ouvidos pelo Broadcast afirmam que as altas seguidas da taxa Selic tornaram muito custosa a manutenção de apostas contra o real no segmento de derivativos, além de estimular o apetite por operações de carry trade – fatores que ajudam a explicar a queda do dólar em janeiro apesar da continuidade do movimento de saída líquida de recursos do país.
Dados da B3 compilados pela Warren Investimentos mostram que ao longo do mês os investidores não residentes reduziram a posição comprada em dólares em derivativos cambiais (dólar futuro, mini, cupom cambial e swaps) da casa de US$ 80 bilhões para pouco menos de US$ 58 bilhões.
À tarde, o BC informou que em janeiro, até o dia 24, o fluxo cambial do Brasil foi negativo em US$ 7,953 bilhões, resultado de saída líquida de US$ 3,942 bilhões pelo canal financeiro e de US$ 4,012 bilhões via comércio exterior. Pela manhã, o BC vendeu oferta integral de US$ 2 bilhões em leilão de linha com compromisso de recompra, para rolagem do vencimento de linhas em 4 de fevereiro.
Ibovespa
O Ibovespa operou até o fim da tarde colado à estabilidade, com leves variações em ambos os sentidos, enquanto aguardava a decisão de política monetária do Federal Reserve, às 16h, e a entrevista coletiva do presidente do BC dos EUA, Jerome Powell, às 16h30. Assim como em Nova York, o sinal na B3 se firmou no negativo, durante a após o anúncio da decisão e os comentários de Powell. No fechamento, mostrava perda de 0,50%, aos 123.432,12 pontos, entre mínima de 123.278,43 e máxima de 124.766,95 pontos na sessão, em que saiu de abertura aos 124.055,50. Fraco, o giro foi de R$ 15,0 bilhões. Na semana, o Ibovespa sobe 0,80% e, no mês, ganha 2,62%. Em NY, as perdas foram hoje de 0,31% (Dow Jones) a 0,51% (Nasdaq).
“O mercado operou flat, sem nenhum setor ou ação se destacando em um sentido ou outro de forma expressiva, até a decisão do Fed, da qual se esperava mesmo manutenção dos juros americanos – e com expectativas um pouco mais acomodadas, daqui para a frente, com relação à taxa de juros dos Estados Unidos. Não se esperava que a reunião de hoje trouxesse algum guidance com relação aos juros, mas sim a visão do Fed quanto ao início de governo Trump e eventuais efeitos sobre a inflação”, diz Pedro Moreira, sócio da One Investimentos. Ele acrescenta que as bolsas americanas vêm de um ‘sell-off’ na esteira do efeito da aparição da DeepSeek sobre as maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos, que chegaram a perder US$ 1 trilhão em valor de mercado em apenas um dia.
Na sessão, o grau de ajuste do Ibovespa foi mitigado, parcialmente, pelo avanço de Vale ON, em alta contudo muito moderada, a 0,28%, no fechamento, negativo para Petrobras (ON -1,00%, PN -0,62%) e também para os grandes bancos – cujo desempenho piorou após a decisão do Fed, com variações entre -0,24% (Itaú PN) e -1,03% (Bradesco PN) no fim do dia. Na ponta ganhadora do Ibovespa, destaque para Petz (+2,90%), RD Saúde (+2,14%) e Rumo (+1,88%). No lado oposto, Localiza (-3,79%), Automob (-3,23%) e Braskem (-2,67%).
Na primeira reunião de 2025 do conselho de administração da Petrobras, realizada hoje, foi feita uma apresentação técnica que mostrou que os preços estavam alinhados à estratégia comercial da companhia em 2024, segundo apurou o Broadcast. Para o BofA, um reajuste dos combustíveis traria alívio às preocupações sobre governança corporativa e o impacto negativo no fluxo de caixa livre na empresa gerado pela defasagem em relação ao preço de paridade de importação (PPI), reporta a jornalista Amélia Alves, do Broadcast.
No quadro mais amplo, conforme o esperado, o Fed decidiu manter a taxa de juros de referência dos EUA na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano por unanimidade. Após a deliberação, dados do CME Group mostravam que as apostas de corte de juros para 2025 nos EUA estão divididas entre 25 pontos-base, com 30,7%, e 50 pontos-base, com 32,2% de chance. “O Fed deixou claro que pode até optar por alta de juros caso necessário, com Trump no poder, uma economia aquecida, inflação alta e desemprego baixo”, diz Lucas Almeida, sócio da AVG Capital. “O cenário é bem incerto e o Fed deve continuar com posição cautelosa em relação aos juros”, acrescenta.
Aqui, na noite de hoje, o Copom delibera sobre a Selic. “A alta da taxa de juros do Brasil para 13,25% ao ano já está precificada: a grande questão é saber o que o Banco Central sinalizará no comunicado. E precisa demonstrar alinhamento, reafirmando compromisso com o controle da inflação”, diz Almeida.
Nos Estados Unidos, na coletiva de imprensa desta tarde, Powell fez observações que contribuíram para que tanto os índices de ações em Nova York como o Ibovespa moderassem, ainda que pontualmente, o viés negativo que tinha se firmado a partir do comunicado sobre a decisão. Algumas nuances na fala de Powell contribuíram para alguma melhora de sentimento dos investidores, em especial a declaração de que a política monetária americana está “bem posicionada” e que leituras recentes sobre a inflação mostram alinhamento com a meta oficial, de 2%.
Também nesta tarde, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não quis responder a perguntas de jornalistas sobre a decisão de hoje do Federal Reserve, durante cerimônia de assinatura de lei que libera a deportação de imigrantes por crimes não violentos. “Não é apropriado falar sobre a decisão do Fed agora, nesta ocasião”, respondeu o republicano a um dos repórteres presentes na cerimônia. Quase ao mesmo tempo, quando também indagado na coletiva do Fed, Powell evitou comentar falas de Trump sobre a necessidade de reduzir os juros no país.
“Não tenho qualquer comentário, nem é apropriado fazê-lo”, disse Powell, observando também que não teve nenhum tipo de contato com Trump.
Juros
Os juros futuros renovaram máximas intradia logo após o Federal Reserve (Fed) manter inalterada a taxa dos Fed funds, com o mercado estranhando que o comunicado não tenha mencionado que a inflação fez progresso rumo à meta. O presidente do Fed, Jerome Powell, suavizou a mensagem durante coletiva de imprensa e conseguiu aliviar a pressão na curva tanto doméstica quanto dos próprios Treasuries. Porém, parte do efeito foi absorvido, com o vértice curto acentuando alta perto do fechamento, após declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que um teto de juros no novo desenho do crédito consignado para trabalhadores do setor privado está em discussão no governo.
A taxa de depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subiu a 15,180%, de 15,146% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2027 encerrou em 15,375%, de 15,303%, e o para 2029 avançou para 15,115%, de 15,059% no ajuste de ontem.
A decisão unânime de manter inalterada a taxa dos Fed funds na faixa entre 4,25% a 4,50% ao ano veio em linha com a expectativa do mercado. Diferentemente da última reunião, contudo, o comunicado não mencionou que a inflação fez progresso rumo à meta, nem citou arrefecimento do mercado de trabalho.
Para Serrano, o presidente do Fed “esclareceu que a retirada do parágrafo de que a inflação fez progresso rumo à meta – que havia causado desconforto no mercado – foi só para simplificar o parágrafo, acrescentando que os dois últimos dados de inflação foram bons e que não vê o mercado de trabalho inflacionário nos níveis atuais”. Assim, aliviou parte do estresse na curva dos Treasuries e na doméstica.
Agora o mercado aguarda a decisão de política monetária do Brasil. Serrano menciona que a curva de juros precifica 100% de chance de alta de 1 ponto porcentual na Selic nesta quarta-feira. A probabilidade de outra alta de 1 pp em março também está em 100%. Ambas acompanham forward guidance do BC de dezembro.
Perto do fechamento, os juros futuros de curto prazo voltaram a acentuar alta após declarações de Haddad de que um teto de juros no novo desenho do crédito consignado para trabalhadores do setor privado está em discussão. “Em um momento em que o Banco Central está batalhando pra trazer as expectativas e a inflação de volta à meta, com a atividade precisando desacelerar para concretizar esse movimento, essa ação do governo vai em direção contrária à ação do Copom, ao impulsionar o mercado de crédito e contribuir para um menor desaquecimento da demanda agregada”, afirma o economista-chefe da Nova Futura, Nicolas Borsoi. Para ele, a declaração do presidente da Febraban, Isaac Sidney, de que o crédito consignado privado pode sair de R$ 40 bilhões para R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões, “chama a atenção”.
No pano de fundo, o mercado também monitorou dados relacionados à confiança da indústria, que caiu em 24 dos 29 setores industriais em janeiro, em todas as regiões do Brasil e em todos os portes de empresa.