O dólar abriu a semana em queda firme no mercado doméstico de câmbio, acompanhando o movimento de enfraquecimento global da moeda americana, em um aparente movimento de ajustes e realização de lucros do chamado “Trump trade”.
O real também é beneficiado pela valorização das commodities, como petróleo e minério de ferro, e por sinais de que o plano de gastos em gestação no governo Lula, que deve ser anunciado após a conclusão do G20 e o feriado do Dia da Consciência Negra, na quarta-feira, 20.
Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o pacote “está fechado”. A expectativa gira em torno da possibilidade de que o plano traga uma harmonização do crescimento das despesas às regras do arcabouço fiscal. O Broadcast Político apurou que o aumento anual do mínimo seria de no máximo 2,5% e no mínimo 0,6% além da inflação. Há relatos de que os cortes somariam R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.
“O dólar está caindo mais contra o real do que em relação à maioria das divisas emergentes. Isso provavelmente tem a ver com a expectativa em relação ao pacote fiscal. O mercado já esta se antecipando”, afirma a economista-chefe do Ouribank, Cristiane Quartaroli, acrescentando que o avanço das cotações do petróleo também contribui para a apreciação do real.
Afora uma alta pontual bem limitada na abertura dos negócios, quanto registrou máxima a R$ 5,7997, o dólar operou o restante da sessão em baixa. Com mínima a R$ 5,7376 no início da tarde, a moeda encerrou o dia em queda de 0,70%, a R$ 5,7474. Dado o recuo de hoje, passa a apresentar desvalorização de 0,58% em novembro.
Embora veja certa animação do mercado com as perspectivas para o pacote, o economista André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online, afirma que o fato preponderante para a apreciação do real hoje parece ser uma correção da onda recente de valorização da moeda americana no exterior.
“Observamos uma valorização aguda do dólar na semana passada em relação a moedas fortes, considerando o DXY. Foi uma das mais fortes desde o final de 2022. É natural que o mercado faça esse movimento de correção em relação a outras divisas”, afirma Galhardo.
O índice DXY recuava mais de 0,40% no fim da tarde, mas mantinha-se acima dos 106,000 pontos, nos maiores níveis em quase um ano. Entre as divisas emergentes e de países exportadores de commodities, destaque para o rand sul-africano e o real, ambos favorecidos pelo salto de mais de 3% das cotações do petróleo, em meio a tensões geopolíticas, com relatos de foguetes disparados do Líbano contra Israel, e à interrupção da produção no maior campo de petróleo da Europa Ocidental.
Apesar do escorregão hoje, o índice DXY acumula valorização de mais de 2% em novembro. Além da eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, a última rodada de indicadores mostra resiliência da economia americana, o que estimula as apostas em ciclo mais enxuto de cortes de juros pelo Federal Reserve.
Ibovespa
O Ibovespa fechou perto da estabilidade após ter oscilado entre leves altas e baixas desde cedo. Do lado positivo, destaque para a alta das commodities e um Plano de Negócios da Petrobras sem grandes mudanças em relação ao anterior, o que significa maior espaço para dividendos. Contudo, a espera pelo pacote de corte de despesas, em gestação pelo governo federal, e a piora nas expectativas de inflação vista no boletim Focus pesaram contra. O Morgan Stanley inclusive rebaixou a recomendação do Brasil na sua cobertura de América Latina para underweight (equivalente a venda), mencionando preocupações fiscais e taxa de juros elevada.
O principal índice da B3 fechou aos 127.768,19 pontos (-0,02%), após máxima de 128.277,27 pontos (+0,38%) e mínima de 127.226,37 pontos (-0,44%). O giro financeiro foi de R$ 22,6 bilhões.
O sinal positivo do Ibovespa foi amparado principalmente pelas cotações de petróleo, que à tarde acentuaram alta com a intensificação de riscos geopolíticos, principalmente após as Forças de Defesa de Israel interceptarem foguetes vindos do Líbano, em um aparente ataque. O dólar enfraquecido e riscos à oferta também ajudaram a elevar os preços da commodity, que fechou em alta acima de 3% tanto no barril WTI, a US$ 69,17 (+3,36%), quanto no Brent, a US$ 73,30 (+3,18%).
“Ponto relevante é petróleo subindo bastante, e Petrobras anunciou um Plano de Negócios que não veio ruim. O mercado tinha receio de que aumentasse muito o capex (investimento) e reduzisse os dividendos, mas não foi bem assim”, comenta o chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, Pedro Serra. A estatal subiu 2,57% (ON) e 2,50% (PN) após divulgar que seu Plano de Negócios prevê US$ 111 bilhões em investimentos para o período de 2025 a 2029, em linha com os US$ 102 bilhões da gestão de Jean Paul Prates.
O minério de ferro também fechou em alta, de 1,87% em Dalian, na China, a US$ 105,23 por tonelada, e de 2,52% em Cingapura, a US$ 99,15. Assim, Vale ON, ação com maior peso no índice, fechou em alta de 1,25%.
Para o sócio da WMS Capital, Marcos Moreira, o Ibovespa não teve uma performance mais acentuada porque o mercado está em “compasso de espera” pelo pacote de corte de despesas. Ele também destaca que o Boletim Focus mais uma vez trouxe expectativas marginalmente mais elevadas para a inflação, o que estressa a curva de juros futuros e, consequentemente, pesa na Bolsa.
Serra, da Ativa, pondera que o Focus parece ter um pouco de atraso em relação ao que tem sido precificado na curva dos contratos de depósito interfinanceiro (DI), com chance de que as expectativas para a Selic terminal “azedem ainda mais”.
Na ponta negativa do Ibovespa, destaque para as ações cíclicas – mais sensíveis a juros – Azul PN (-7,50%) e Hapvida (-6,94%).
Juros
Os juros futuros fecharam a sessão em alta, na contramão da queda do dólar e da melhora no mercado de Treasuries no decorrer da sessão. Os investidores seguiram repercutindo a piora das estimativas de IPCA na pesquisa Focus e a precificação de Selic terminal na curva de juros já bateu nos 14,25%. É crescente a percepção de que só a divulgação de um pacote de gastos, o que não deve ocorrer antes de quinta-feira, que seja crível é capaz de alterar a dinâmica das taxas.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subiu de 13,18% na quinta-feira para 13,30% e a do DI para janeiro de 2027, de 13,35% para 13,46%. Esses são os maiores níveis de fechamento desde 19/12/2022, quando encerraram em 13,68% e 13,62%. O DI para janeiro de 2029 fechou com taxa de 13,24% (de 13,18%).
Os resultados da pesquisa Focus comprometeram bastante o comportamento das taxas, num ambiente externo marcado pelo pessimismo com relação à trajetória dos juros nos EUA. A sinalização do Federal Reserve na semana passada de uma distensão monetária mais branda somada à perspectiva para a política fiscal da gestão Donald Trump são fatores negativos para o fluxo de capital a economias emergentes.
Pela manhã, o yield do T-Bond de 30 anos subiu ao maior nível desde 31 de maio, a 4,677% e o da T-Note de dez anos voltou a se aproximar dos 4,50%. À tarde, perderam ímpeto, mas os DIs não acompanharam.
“A taxa longa americana deve permanecer ainda em patamar um pouco mais elevado, parecido com o que a gente está observando. Não só pela expectativa de uma aceleração da economia lá e de uma inflação que pode ficar resiliente, como também o Fed deve estar reduzindo ainda mais as compras de títulos. Isso acaba ajudando o pré a subir”, afirmou o estrategista de renda fixa da BGC Liquidez Daniel Leal.
Ele comentou que na ponta longa também pesa “o que poderá vir do pacote fiscal”, apesar das últimas notícias relativamente positivas. Ontem, em entrevista à CNBC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as medidas estão prontas, mas à espera de um ajuste relacionado ao Ministério da Defesa. “Está fechado com o presidente o conjunto de medidas e vamos anunciar brevemente”, disse Haddad, segundo o qual o pacote foi aprovado por Lula com o tamanho que a Fazenda apresentou. A expectativa do mercado é de um ajuste de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, por meio de medidas estruturais como a de alterações na regra do salário mínimo.
Neste sentido, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, durante evento hoje em São Paulo, que o ideal é que o pacote se concentre especificamente na questão dos cortes, sob o risco de “interditar” o processo de melhora de percepção dos agentes com a política fiscal. “O mercado entende hoje que para ter efeito de choque positivo tem que ser baseado mais em corte de gasto do que receita”, frisou.
Leal, da BGC, afirma que os vencimentos mais curtos refletiram a dúvida sobre como o Copom vai lidar com o elevado nível de desancoragem das expectativas de inflação. Na Pesquisa Focus, as principais mediana para o IPCA avançaram e se distanciaram ainda mais da meta de 3%. A de 2024 passou de 4,62% para 4,64%; de 2025, de 4,10% para 4,12%; 2026 de 3,65% para 3,70%; e 12 meses à frente, de 4,09% para 4,14%.
“Esses aumentos nas expectativas de inflação são parcialmente explicados pelas projeções de um câmbio mais fraco, consequentemente empurrando as estimativas para taxa de juros a níveis ainda mais elevados”, afirma a equipe do Citi. A mediana para câmbio subiu de R$/US$ 5,55 para R$/US$ 5,60 em 2024 e de R$/US$ 5,48 para R$/US$ 5,50 em 2025. A de Selic para este ano permaneceu em 11,75% e para 2025 subiu de 11,50% para 12,00%.
Mas a precificação dos DIs nesta tarde ia muito além disso, projetando Selic terminal de 14,25% em novembro de 2025, segundo o economista-chefe do banco Bmg, Flávio Serrano. Para o Copom de dezembro, a curva indicava alta de 73 pontos, ou quase 100% de chance de aperto de 75 pontos.