Já em queda firme desde a primeira etapa de negócios, o dólar à vista acentuou o ritmo de baixa ao longo da tarde desta segunda-feira, 31, e desceu até R$ 5,70, acompanhando a diminuição da aversão ao risco no exterior, com a virada das bolsas em Nova York para o campo positivo. A semana começou com o mercado arisco com a contagem regressiva para o anúncio de tarifas recíprocas pela administração Donald Trump, na quarta-feira, 2, no que pode ser o estopim para uma guerra comercial.
A moeda norte-americana avançou na comparação com pares e em relação à maioria das divisas emergentes e de exportadores de commodities.
Por aqui, afora uma alta pontual e limitada nos primeiros minutos, o dólar trabalhou em terreno negativo no restante do dia. Com mínima a R$ 5,7016, a divisa fechou a R$ 5,7053, em queda de 0,98%, após três pregões seguidos de valorização.
Em março, o dólar recuou 3,57%. No ano, a baixa já é de 7,68%.
O real exibiu melhor desempenho entre as principais divisas globais, desconsiderando o rublo russo. Dois outros pares da moeda brasileira, o peso colombiano e o rand sul-africano também se apreciaram, mas com ganhos menores.
“O Brasil é menos afetado pelas tarifas e o carrego ajuda muito. Os estrangeiros já diminuíram bastante a posição comprada em dólar, que é muito cara”, afirma o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, que não descarta a possibilidade de entrada de fluxo externo nesta segunda-feira.
Pela manhã, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Nilton David, afirmou que a instituição vai buscar a meta de inflação de 3%. Ele reiterou que o BC intervém no mercado de câmbio apenas quando há “disfuncionalidade”, seja no segmento spot, seja no mercado de derivativos.
Operadores até esperavam que a divisa pudesse ganhar força em relação ao real ao longo da tarde, após a definição da última taxa ptax de março e do primeiro trimestre, mas isso não aconteceu. Questões técnicas típicas de fim de mês como ajustes de carteira e rolagem de posições no segmento futuro também influenciaram as negociações.
O gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, observa que a partir da terça-feira, com menos influência de fatores como a disputa pela ptax, o mercado de câmbio local deve ser guiado pela agenda pesada da semana. “O clima é de aversão ao risco e desconforto com a expectativa pelas tarifas de Trump, o que aumenta a volatilidade dos ativos”, diz Galhardo.
Além do tarifaço de Trump na quarta-feira, investidores aguardam a divulgação do relatório de emprego (payroll) nos EUA referente a março e a fala do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, ambos na sexta-feira, 4. Por ora, os indicadores ainda mostram atividade americana sólida. Mas houve recentemente piora do sentimento do consumidor e aumento das expectativas inflacionárias
Há temores de que retaliações de outros países deflagrem uma guerra comercial que tire fogo da economia global. Bancos já veem chances maiores de recessão nos EUA com inflação ainda elevada, a chamada “estagflação”. À tarde, o presidente do Federal Reserve de Nova York, John Williams, disse esperar que a economia continue crescendo, mas em ritmo mais lento do que no ano passado.
Williams pontuou que as incertezas em relação às tarifas de Trump ainda são elevadas e que ainda é necessário avaliar qual será o impacto da política comercial americana sobre a atividade. “Não vou prever chances de uma recessão nos EUA”, disse Willians. Já o presidente do Fed de Richmond, Thomas Barkin, afirmou que não vê “cenário de estagflação no momento”.
A incerteza sobre o cenário externo, diante da expectativa pelo tarifaço de Trump, dominou a reunião entre economistas e diretores do Banco Central desta segunda-feira, segundo apurou o repórter do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) Cícero Cotrim com participantes do encontro.
Em linhas gerais, a avaliação dos analistas é que a mudança na política comercial americana vai levar a uma desaceleração da economia dos EUA e, consequentemente, a um cenário de juros mais baixos. Isso, teoricamente, seria positivo para o real – mas o aumento da aversão ao risco pode enfraquecer a moeda brasileira e pressionar a inflação.
Ibovespa
O Ibovespa retrocedeu à casa dos 130 mil pontos nesta primeira sessão da semana, com a cautela externa em torno da quarta-feira, 2 de abril, tratada como o “Dia da Libertação” pelo governo norte-americano de Donald Trump, em referência às tarifas recíprocas prometidas nos Estados Unidos para a data. Aqui, o índice da B3 chegou a recuperar a marca dos 131 mil no meio da tarde, sem força para sustentá-la no fechamento, em baixa de 1,25%, a 130.259,54 pontos. Nesta segunda-feira, 31, oscilou dos 130.114,96 aos 131.900,92 pontos, saindo de abertura em nível quase idêntico ao da máxima, então a 131.900,00. O giro financeiro foi a R$ 20,5 bilhões na última sessão do mês.
Com o desempenho desta segunda-feira, o Ibovespa limitou o ganho de março a 6,08%, não superando, dessa forma, a leitura de agosto passado, quando avançou 6,54% e estabeleceu a mais recente máxima histórica, na casa de 137 mil pontos. Até sexta-feira, o índice da B3, em alta superior a 7%, parecia a caminho de seu melhor desempenho desde novembro de 2023, com ganho de 12,54% naquele mês.
Em fevereiro, o Ibovespa teve perda de 2,64%, após progressão de 4,86% em janeiro – que havia sido, até então, o melhor desempenho mensal desde o avanço de agosto passado. No agregado em 2025, o índice subia 2,09% – e agora a conta chega a 8,29%. Em dólar, havia encerrado o segundo mês do ano a 20.756,06 pontos, com a moeda americana então a R$ 5,9163.
Agora, com o dólar à vista a R$ 5,7053 no fechamento de março, em retração de 3,57% no mês, o índice da B3 se recupera a 22.831,32. Dessa forma, em dólar, supera também o nível do fim de janeiro (21.611,03), chegando agora ao maior nível desde o fechamento de setembro, então a 24.198,04.
“Iniciamos março com o mercado já atento a incertezas, movendo-se de forma lateral. Mas, no decorrer do mês, a alta foi bem expressiva na B3, descolando o Ibovespa do exterior”, observa Fernando Cesar, especialista em investimentos na WIT Invest. Ele destaca o setor bancário, de peso e liquidez, como um dos pontos altos da bolsa brasileira em março, mês em que ocorreu uma rotação de ativos em escala global a partir da correção em Nova York. Em março, Itaú PN subiu 8,24% e os ganhos acumulados em Bradesco chegaram a 12,92% na PN e a 9,66% na ON.
Por lá, os ativos estavam com preços esticados e foram afetados pela expectativa de que a economia americana venha a desacelerar, e com inflação ainda em nível importante, em meio às iniciativas protecionistas de Trump. Assim, em Nova York, setores de crescimento, como o de tecnologia, estiveram entre os mais punidos no ajuste em curso: no mês, o Nasdaq retrocedeu 8,21%, enquanto a correção no índice amplo, S&P 500, ficou em 5,75% e no tradicional Dow Jones, em 4,20%.
Na sessão, os investidores monitoraram de perto os desdobramentos em torno das políticas comerciais internacionais, e os potenciais impactos na economia brasileira, aponta Inácio Alves, analista da Melver, ao justificar a abordagem cautelosa no mercado neste começo de semana, à espera do “fato”: as tarifas recíprocas prometidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta quarta-feira de apreensão global.
Na agenda doméstica, ele destaca o Relatório Focus, divulgado de manhã pelo Banco Central. A leitura do mercado manteve, nesta semana, a projeção da inflação oficial pelo IPCA para 2025 em 5,65% – acima, portanto, do centro da meta, de 3%, estabelecida para o ano e do teto da faixa de variação tolerada, de 4,5%. Alves observa também que a estimativa para o crescimento do PIB foi reduzida pela terceira semana consecutiva, passando agora de 1,98% para 1,97%, enquanto a previsão para o dólar no fim de 2025 caiu de R$ 5,95 para R$ 5,92.
Na ponta ganhadora do Ibovespa na sessão, Pão de Açúcar (+13,60%), Minerva (+1,77%) e TIM (+1,29%). No lado oposto, CVC (-6,19%), Vamos (-6,00%) e Marcopolo (-5,26%). Vale ON caiu nesta segunda 1,49% e Petrobras fechou o dia em baixa de 0,61% na ON e de 0,72% na PN. No mês, a ação da mineradora subiu 6,82% e as da petroleira avançaram 4,53% (ON) e 3,42% (PN).
Juros
Os juros futuros recuaram nesta segunda-feira, 31, refletindo um movimento de correção das altas recentes, estimulado pelo ambiente externo dominado pelos receios sobre a guerra tarifária, pela leitura benigna das medianas de IPCA na pesquisa Focus e por declarações do diretor de Política Monetária do Banco Central, Nilton David. À tarde, o maior alívio no câmbio deu gás extra ao ajuste das taxas.
O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 fechou com taxa de 15,015%, de 15,118% no ajuste de sexta-feira, e o DI para janeiro de 2027, taxa de 14,93% (15,05% no ajuste anterior). A taxa do DI para janeiro de 2029 caía de 14,79% para 14,71%. No mês, a curva perdeu inclinação, com alta da ponta curta e queda na longa. No balanço do primeiro trimestre, todas as taxas recuaram, com destaque para o trecho intermediário.
As taxas curtas e intermediárias foram as que mostraram queda mais firme e regular. As longas estiveram à mercê da curva americana, que mostrou volatilidade durante o dia.
Os mercados, de forma geral, passaram o dia acuados pela incerteza em relação à guerra tarifária imposta pelo presidente dos EUA, Donald Trump, dada a proximidade da entrada em vigor da taxação das importações no dia 2. “Traz piora na perspectiva de crescimento econômico e, com isso, um movimento generalizado de queda de taxa de juros no mundo”, explica Carlos Eduardo de Mello Paiva, estrategista-chefe da Constância Investimentos. Trump afirmou ontem que não serão apenas 10 ou 15 nações que serão atingidas pelas tarifas recíprocas, mas sim “todos os países”.
Dado o risco ao crescimento econômico dos EUA trazido pelas tarifas, o Federal Reserve pode ser ver obrigado a esticar o ciclo de queda de juros, já que tem duplo mandato, apesar dos efeitos sobre a inflação. Esse cenário beneficia ativos de risco, especialmente nas economias emergentes como o Brasil, que no momento tem uma das maiores taxas de juros em termos reais no mundo.
Internamente, a pesquisa Focus trouxe boas notícias. As medianas de inflação pararam de piorar, com 2025 (5,65%), 2026 (4,50%) e 2027 (4,0%), mantendo-se nos mesmos níveis, sendo que na métrica 12 meses à frente, que ganhou relevância no sistema de metas contínuas, houve queda, de 5,19% para 5,15%.
Apesar da relativa estabilidade, as medianas estão bem longe da meta de 3%, que Nilton David reforçou hoje ser o objetivo principal do BC, mas indicou que esse percurso será cumprido com o menor sacrifício que for possível para a atividade. “O Banco Central vai buscar o caminho que for mais razoável para se chegar a esses 3% primeiro, claro que em vista das consequências que tem para os dois lados”, afirmou, em live organizada pelo Itaú BBA.
Para Mello e Paiva, a declaração sugere ser bastante improvável que o BC possa dar um choque de juros para fazer a inflação convergir e deve optar pelo “Higher for longer”. “Para mim é muito claro que o discurso dele é subir mais um pouco a taxa e deixar o tempo necessário para que a inflação pelo menos comece a convergir para a meta. Como está muito distante, inclusive do teto, é provável que o BC inicie um movimento de queda rápido”, afirma.
Com a taxa já em nível bastante restritivo, a questão, segundo o diretor, é saber como vão ser os próximos meses, “como vai ser a dinâmica das expectativas do mercado e o comportamento dos agentes”. “Com base nisso, a gente vai calibrar”, explicou.