O dólar acentuou o ritmo de alta ao longo da tarde no mercado local em sintonia com o fortalecimento da moeda norte-americana no exterior, após o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, adotar um tom cauteloso em torno da condução da política monetária, evitando dar sinais sobre eventuais cortes de juros.
Com máxima a R$ 5,7635, o dólar à vista terminou o dia em alta de 0,61%, a R$ 5,7454. Foi o terceiro pregão consecutivo de avanço da divisa, que fechou no maior nível desde 17 de abril (R$ 5,8037) e passou a acumular valorização de 1,21% nos quatro primeiros pregões de maio. A perdas da moeda no ano, que já superaram 8%, agora são de 7,04%.
Como esperado, o Fed manteve a taxa de juros no intervalo entre 4,25% e 4,50%, reconhecendo que os riscos de avanço do desemprego e da inflação aumentaram em razão do tarifaço do presidente dos EUA, Donald Trump. Ativos aqui e lá fora mostraram reação modesta ao tom do comunicado.
O jogo mudou a partir das 15h30 com as declarações de Powell em entrevista coletiva. O presidente do BC dos EUA disse que a política monetária está bem posicionada, embora haja aumento da tensão para cumprimento de seu duplo mandato: a inflação na meta e o máximo emprego.
Powell ressaltou que o Fed não está em situação de promover um corte preventivo dos juros, dado que as tarifas devem resultar em repique inflacionário. “Não posso dizer com confiança que sei qual é o caminho apropriado para a taxa, mas nossa política não é altamente restritiva; é modestamente restritiva”, afirmou o presidente do Fed.
O economista André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, argumenta que Powell precisava adotar um tom duro como resposta às pressões de Trump para corte de juros. “O Fed enviou um sinal claro de que não terá pressa em iniciar um eventual ciclo de corte de juros, porque a economia continua forte e os riscos inflacionários são grandes”, afirma Galhardo, ressaltando que a postura do Fed acabou por fortalecer o dólar. “Com o Fed considerando a política monetária apenas levemente restritiva, um eventual ciclo de cortes de juros a partir de junho deve ser bem gradual e não duradouro.”
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY, que já vinha em alta desde o início do dia, renovou máxima à tarde, acima dos 99,900 pontos. A moeda norte-americana subiu em relação à maioria das divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com dois pares do real – os pesos mexicano e colombiano – como umas das exceções.
“O Fed mergulhou em uma situação quase impossível, na qual seus dois mandatos provavelmente seguirão direções opostas. Cortes de juros serão necessários, mas, cada vez mais, parece que o Fed terá que esperar até o final do terceiro trimestre para que se abra uma janela de oportunidade”, afirma, em nota, a estrategista-chefe global da Principal Asset Management, Seema Shah.
Mais cedo, o dólar já vinha em alta tanto lá fora quanto no mercado local. Além da cautela pré-Fed, parecia haver um ajuste favorável a ativos americanos, com pausa na rotação de carteiras em direção a moedas fortes e mercados emergentes diante de sinais de início de negociação tarifária entre China e EUA.
No início da tarde, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou que as negociações comerciais com a China, que devem ocorrer na Suíça, começam neste sábado. Do lado chinês, estará o vice-primeiro-ministro chinês e czar econômico de Xi Jinping, He Lifeng. Na terça à noite, o Banco do Povo da China (PBoC, o BC do país) anuncio medidas de estímulo monetário que foram vistas como insuficientes para contrabalançar os efeitos sobre a atividade provocados pela guerra comercial.
Por aqui, o mercado financeiro terminou o dia com as expectativas de que o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciasse nesta quarta-feira à noite uma alta da taxa de juros, com apostas mais inclinadas para um aumento de 0,50 ponto porcentual, mas não se comprometa com o fim do ciclo de aperto, dadas as incertezas externas e as expectativas de inflação elevadas.
Bolsa
Do meio para o fim da tarde, o Ibovespa acompanhou a relativa melhora em Nova York – onde o índice amplo, S&P 500, oscilou do negativo ao positivo durante a fala do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, assim como o Nasdaq -, mas encerrou a sessão ainda em baixa de 0,09%, aos 133.397,52 pontos. A cautela precedeu a decisão do período da noite do Copom.
O giro foi moderado a R$ 19,7 bilhões na sessão. Na semana, o Ibovespa cede 1,28%, e no agregado no mês cai 1,24%. No ano, sobe 10,90%.
À tarde, “a decisão do Fed não trouxe novidades significativas, com a taxa de juros mantendo-se estável”, diz em nota Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Segundo ele, o comunicado sobre a decisão do BC dos EUA, de manter a taxa americana entre 4,25% e 4,50% ao ano, ressaltou os “riscos” associados ao mandato duplo do Fed, com a “possibilidade de aumento no desemprego e de inflação mais alta”.
Tal cenário, observa Cruz, abre margem tanto para quem acredita em um corte de juros como para quem vê essa alternativa como inviável. “Sempre foi claro que, ao escolher entre combater a inflação ou proteger a economia, a prioridade do Banco Central dos EUA é a segunda opção”, acrescenta o estrategista.
Durante a fala de Powell, contudo, o mercado notou nuance ‘hawkish’ em certo momento da entrevista coletiva, em especial quando o dirigente do Fed notou não haver pressa da instituição quanto ao momento em que a taxa de referência da maior economia do mundo poderá começar a cair, o que resultou em alguma volatilidade, pontual, na curva de juros. Na Bolsa brasileira, a reação das ações ao comunicado do Fed e às observações de Powell foram relativamente neutras, com o índice conservando-se pouco acima dos 133 mil pontos como na maior parte da sessão.
Por sua vez, em Nova York, os três principais índices de ações, com o Dow Jones à frente (+0,70%), firmaram-se em alta em direção ao encerramento, com o S&P 500 mostrando ganho de 0,43% e o Nasdaq, de 0,27%, no fim do dia.
Na B3, parte do setor financeiro avançou nesta quarta-feira pré-Copom, como Itaú (PN +1,10%), Santander (Unit +0,35%) e Banco do Brasil (ON +0,42%). Petrobras encerrou o dia sem direção única, com a ON em alta de 0,65% e a PN, de 0,46%. O papel de maior peso no Ibovespa, Vale ON, fechou em leve baixa de 0,19%. Na ponta ganhadora do índice, destaque para Eneva (+4,15%), Klabin (+2,68%) e Minerva (+2,57%). No lado oposto, RD Saúde (-14,76%), Vamos (-7,05%) e Ultrapar (-4,00%).
Ao comentar as relações do Fed com a Casa Branca – após reiteradas críticas do presidente Donald Trump à condução do BC dos Estados Unidos, inclusive com ameaça de demiti-lo -, Powell disse que “nunca pedirá” reunião com o mandatário, e que “nunca houve motivo” para que isso acontecesse.
Na entrevista coletiva após a reunião, Powell manteve tom cauteloso e reiterou que “diante das incertezas elevadas, o Fed pretende manter a taxa de juros estável por algum tempo e observar como o cenário econômico evolui”, aponta Luis Cezario, economista-chefe da Asset 1. “A principal mensagem dada por Powell é que o Fed avalia que os riscos aumentaram tanto para a inflação quanto para o desemprego, e que é cedo para saber qual lado do duplo mandato terá que ser priorizado.”
Para Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, Powell sinalizou preferir esperar o desenrolar das tarifas antes de voltar a cortar a taxa de juros. “Apesar disso, é importante pontuar que tanto o comunicado quanto o próprio Powell falam do risco de uma inflação elevada e de emprego em queda”, ressalva.
“Embora não tenha utilizado o termo ‘estagflação’, este, que é um dos maiores medos dos banqueiros centrais, parece estar no radar do Fed”, acrescenta a economista, destacando que Powell reforçou que a alta da inflação deve se concentrar no curto prazo e que, no longo prazo, os efeitos das tarifas ainda são incertos. “Powell parece adotar a mesma postura de boa parte do mercado: a de parar e esperar o desenrolar das negociações para começar a agir. Cautela e paciência parecem ser as palavras de ordem do Fed.”
Taxas de juros
As pontas curta e intermediária dos juros futuros se mantiveram em alta desde cedo, influenciadas pela produção industrial acima do esperado e com ajustes antes da decisão do Copom, sendo que a curva precificava 80% de chance de alta de 50 pontos-base nesta reunião. Já o vértice mais longo registrou instabilidade no período da tarde, monitorando na lupa as declarações do presidente do Federal Reserve, que preferiu não se comprometer sobre os próximos passos da autarquia e disse não ser preciso ter pressa.
Às 17h20, a taxa de depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subia a 14,735%, de 14,702% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2027 subia a 14,020%, de 13,961%, e o para janeiro de 2029 operava perto do ajuste da véspera a 13,530%, de 13,539% ontem no ajuste.
Destaque do período da tarde, o DI longo chegou a renovar mínimas, seguindo movimento dos juros dos Treasuries, após a manutenção da taxa dos Fed funds na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano e no começo da coletiva de imprensa de Powell – que chegou a dizer que o mercado de trabalho não é hoje fonte significativa de pressão inflacionária. Contudo, também ponderando que as expectativas de inflação no curto prazo aumentaram, com pesquisas apontando tarifas como fator para o impulso.
“Os riscos para a alta de inflação e aumento do desemprego aumentaram”, segundo o presidente do Fed. Na avaliação do economista-chefe do Banco Bmg, Flavio Serrano, o mercado se apoiava na tese de que se o desemprego subir, o Fed pode cortar juros em um horizonte mais distante, o que justificava os juros longos nas mínimas.
Contudo, pouco depois, Powell disse que não vê, no momento, evidências de que a economia esteja desacelerando, e reiterou que “dependendo do jeito que as coisas evoluírem, podemos manter ou cortar juros”. Segundo ele, os EUA não estão em uma situação em que se possa cortar juros de forma preventiva, e ainda não é clara qual seria a resposta apropriada da política monetária para tarifas.
Por fim Serrano considera que “Powell foi um pouco mais hawkish ao dizer que não há pressa para cortar juros, então parte do mercado tomou um pouco da curva de juros”, fazendo as taxas voltarem a operar mais perto dos ajustes da véspera, em alguns momentos pontuais até indo para viés de alta.
O vértice mais curto e intermediário dos juros segue em alta desde cedo devido à produção industrial, que subiu 1,2% em março ante fevereiro, superando o teto das expectativas do Projeções Broadcast, que iam de queda de 0,2% a alta de 0,7%. A valorização do dólar, a R$ 5,74 (+0,61%), também tende a pressionar.