Fotos Ahmad Jarrah
Lixão de Cuiabá. Esse é o ambiente onde nasceu o documentário “Composto”, que está participando de diversos festivais de cinema e já ganhou quatro prêmios, sendo um nacional e três internacionais. O filme foi idealizado após uma reportagem sobre os catadores de lixo, feita pelo Circuito Mato Grosso no início deste ano, ilustrada pelo olhar sensível do repórter fotográfico Ahmad Jarrah.
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De acordo com o publicitário e diretor do documentário, Severino Neto, a ideia do filme surgiu quando viu a fotografia no Instagram de Jarrah e se interessou pelo tema. “Na hora eu liguei para ele para perguntar onde era. Ele me falou que era no Aterro Sanitário. Lembrei que um amigo conhecia a história de uma personagem, eu conhecia outra história. Daí surgiu a ideia de produzir o documentário”, explica Neto.
Despretensioso, o filme relata o dia a dia dos trabalhadores que tiram o seu sustento do lixo. O diretor conta que ficou chocado com a situação e tinha a “obrigação de fazer o filme”. Mesmo com o risco de se tornar “apenas mais um” no meio de tantas produções sobre o tema, como o famoso “Ilha das Flores” e “Boca do Lixo”, ele reuniu uma equipe formada por colegas e amigos.
“O Ahmad topou fazer o documentário, eu juntei uma gurizada que tem câmera, um amigo que tem drone, uma amiga produtora. Enfim, montei uma equipe e fiz um escopo de um roteiro. Quando a gente conheceu foi muito chocante. O cheiro, as pessoas trabalhando naquele ambiente insalubre, é surreal em pleno século 21 rolar esse tipo de coisa. Foi uma surpresa para a gente quando começamos a ganhar prêmios, não tínhamos essa pretensão”, relata o diretor.
A equipe ficou três dias no lixão para fazer as imagens e o documentário de 15 minutos foi montado em um pouco mais de um mês. A primeira coisa com que Severino se preocupou foi em evitar o tom paternalista do tipo “coitadinho deles, vamos ajuda-los”, e em não utilizar a “desgraça alheia” para fazer uma produção sensacionalista. Para ele a única pretensão era causar um “incômodo”.
“Tem histórias muito mais chocantes, tem crianças no lixão, não queria fazer esse tipo de coisa. Eu quis sair disso completamente. Também não queria fazer um documentário jornalístico denunciativo. Apenas retratar de uma maneira informal o dia a dia de cada um. A ideia de fazer em preto e branco era justamente essa, homogeneizar. Não existe diferença entre o lixo e a pessoa. Todos estão no mesmo tom de cor, na mesma temperatura, todos são iguais. A minha única pretensão neste documentário é causar um incomodo mesmo”, justifica Neto.
Com a imersão no ambiente, o produtor viu que as pessoas estão no lixão por diferentes motivos: alguns estão para ganhar dinheiro para si próprio, outros para sustentar a família. Ele ainda diz que há aqueles que não ganhavam tão bem no trabalho e que preferem trabalhar no aterro, onde podem tirar até R$ 4 mil por mês catando lixo.
“O que eles querem mesmo é respeito e dignidade. Trabalhar com equipamento, ter um banheiro, ser remunerado bem por isso. Conseguir trabalhar sem correr o risco de meter a mão numa agulha infectada e correr um risco de morte. Querem só o mínimo de dignidade”, explica Neto.
O primeiro contato
De longe o olfato já indicava que estava próximo ao lixão, conta o publicitário e repórter fotográfico do jornal Circuito Mato Grosso, Ahmad Jarrah. Em janeiro de 2016, foi a primeira vez que ele visitou o lixão. Ele lembra do impacto que foi, quando entrou viu as toneladas de lixo chegando ao terreno e formando montanhas de resíduos.
“Devia ter cerca de 50 catadores mais ou menos, que se misturavam ao lixo e aos urubus. Se for observar a condição de trabalho e de vida, é muito degradante. Ter consciência de que aquilo é o sustento de famílias é uma coisa que sensibiliza muito. Foi uma situação que eu estava vivendo naquele momento e simplesmente registrei a partir da minha câmera”, esclarece Jarrah.
Ahmad agora quer fazer uma exposição com as fotos tiradas no lixão para a população e os trabalhadores do aterro, além de exibir o documentário também no evento. Ele conta que no momento está negociando com galerias e museus para definir um local para realizar o evento. A intenção, segundo ele, é “dividir um pouco a angustia que esse trabalho transmite” e provocar as pessoas no sentido de dar mais dignidade no trabalho dos catadores.
“Para mim o mais importante dessa história é que a partir da fotografia as pessoas podem mudar a percepção delas sobre certas coisas. A fotografia tem o poder de sensibilizar as pessoas, para mim isso foi o mais importante. Ser um instrumento de sensibilização das pessoas, em torno de uma situação com toda uma categoria de trabalhadores que passam por uma série de dificuldades”, elucida.
Serviço
O curta concorreu a 18 prêmios e o diretor espera inscreve-lo em mais dois festivais. Por isso, o documentário ainda não está disponível na internet. “Lá pro meio do ano que vem a gente libera na internet, por que vamos concorrer a mais prêmios e tem muitos festivais que não aceitam filmes que estão disponíveis no YouTube e no Vimeo”, explica Severino Neto.
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