Cidades

Cuiabá registra mais de 100 invasões

José Carlos, 32 anos, servente de pedreiro e pai de dois filhos, viu o pouco que tem ser desfeito em questão de minutos. O barraco em que ele, a mulher e os filhos moravam há cerca de dois anos- teto baixo, telha de fibra e cimento e tábuas de baixa qualidade- foi derrubado na semana em ação de desalojamento de 25 famílias na Comunidade São Gonçalo, em Cuiabá. O que estava dentro, um fogão, uma geladeira, uma TV colorida e uma cama de casal, foram retirados às pressas para não se perderam na ação. O próximo destino era incerto.

Para o defensor público interamericano, Roberto Tadeu de Vaz Curvo, a cena se repete em quase todas as desocupações que ocorrem na história de Cuiabá. O Poder Público se impõe para a liberação de áreas, com alegação de que são demarcações para a utilização pública e não oferecem assistência para famílias afetadas.

“É claro que existem casos de grileiros profissionais que se infiltram nessas ocupações, mas não ocorrem em todas elas e a maioria das pessoas que participa realmente precisa de um lugar para morar. Se a prefeitura conceder a transferência para outro local, as famílias vão, porque elas querem um lugar para ter suas casas. Imagine você um pai de família, sem estudo, com baixa qualificação profissional e com filho chorando de fome e sem ter onde ficar. É condição desumana, considera”, comenta.

Na opinião do defensor, as ações dos gestores de resguardar a ordem pública engendra uma situação social mais grave. “Em uma situação desesperada, o pai de família pode roubar, pode matar para roubar e tentar colocar comida na boca do filho dele. Ou seja, uma situação que poderia tomar outro rumo, gera mais calamidade social”.

Curvo diz que faz capacitação por parte de agentes públicos para lidar com situação de pessoas sem moradia. Ele defende a validação de parâmetros de análise em que cada caso seja avaliado em sua particularidade.

“Primeiro, é preciso avaliar se a área realmente necessita ser desocupada naquele momento. Muitas vezes dizem ser áreas para construção de creche, parque ou outro serviço público, mas dez anos se passam e nada é construído no local. Essa medida inicial dá tempo para avaliar a situação e procurar um novo local para as famílias”.

Mais de 100 invasões em de janeiro a junho deste ano

Cuiabá vive fases episódicas de ocupação de áreas públicas por famílias sem moradia própria. Em 2016, mais de 100 foram registradas pela Secretaria de Ordem Pública até a segunda semana de junho, intervalo em que ocorreu mais de uma por dia. De 1º ao dia 17, tinham sido identificadas 22 ocupações.

O perfil dessas pessoas, no entanto, é, na maioria das vezes, distorcido pela participação de grileiros profissionais que se infiltraram em mais de uma ocorrência e assumem a responsabilidade pela demarcação, entrega e, para seu benefício, a venda de lotes para terceiros- negociação que podem ser realizadas por preço irrisório de até R$ 300.

O choque com o Poder Público tem início por classificação dessas áreas, pois geralmente são ocupados trechos de mata com acúmulo de lixo e esgoto a céu aberto.   Exemplo de duas quadras de aproximadamente 25 mil m² em que 240 famílias se instalaram no sábado (11) no Bairro Altos do Coxipó, na capital mato-grossense.

 “Aqui é uma área de lixo, tem manilhas de esgoto esparradas por todo lado, um monte de lixo e córrego de esgoto correndo direto para o rio. Isso não é área verde”, diz José Carlos Souza, um pedreiro de 31 anos.

No dia em que falou com a reportagem, segunda-feira (13), ele tinha deixado mais cedo o trabalho para tentar evitar a desocupação que a Polícia Militar e os agentes da Força Municipal de Segurança realizavam.  Foi a terceira ação de retirada de ocupantes da mesma área nos últimos dez anos. Em todas elas, a justificativa apresentada pelo Poder Público era de utilidade pública.

Moradores do entorno se revoltam com invasões

Moradores afirmam que a ocupação é uma infração à lei por falta de título fundiário e por instalação em área projetada para os bairros. No Altos do Coxipó, o empresário Cícero Borges diz que a área pública “invadida” mais de uma vez possui planta para a construção de creche e espaço de lazer para os moradores.

“As pessoas que invadiram o local dizem que ele está abandonado, mas eu tenho um comércio próximo e posso dizer que os moradores do Alto do Coxipó cuidam da área para a mata não invadir a rua e cercamos alguns pedaços para delimitar a área.

Estamos fazendo um documento para exigir da prefeitura a construção do que está planejado”, conta.

Edmilson Tomas de Aquino, que está há dez anos no bairro, diz que pagou R$ 7 mil por um lote. Hoje, a imobiliária responsável pela avaliação comercial do bairro cobra até R$ 80 mil. “Ainda estou correndo atrás de documentos para fazer intervenções no lote que eu comprei há dez anos, mas tenho demorado por falta de dinheiro para bancar as despesas. Agora, o presidente do bairro está entregando lote na área de verde por preço irrisório”.

Mais de 60% dos bairros estão irregulares na Capital

Cuiabá possui hoje 118 bairros oficializados em cadastro da prefeitura, porém a estimativa da Secretaria de Ordem Pública é que mais de 300 estão realmente instalados.

Segundo a fiscal de Meio Ambiente de Cuiabá, Joelma de Souza Siqueira, há bairros em Cuiabá que ultrapassam 40 anos de ocupação e que até este momento não possuem regularização fundiária. Exemplo dos bairros Santa Izabel e o CPA. “Somente em 2015 foi instituída uma lei municipal que diminui a burocracia para a avaliação de propriedades. Antes disso, a liberação de título era um processo demorado e ficava até mesmo sem consulta”, explica.

Neste ano, a lista teve agregações no Residencial Santa Amália, Serra Dourada, Serra Azul, Nova Conquista, CPA II e III, Morada da Serra I e II, por exemplo.  Em alguns casos famílias já instaladas há mais de dois anos são retiradas sem trabalho de assistência. Caso de 25 desalojadas na Comunidade São Gonçalo na quarta-feira (15).

Secretaria diz não ter recurso para adquirir áreas

O secretário de Assistência Social de Cuiabá, José Rodrigues, informou ao Circuito Mato Grosso que uma equipe técnica acompanha as ações de retiradas realizadas pela Secretaria de Ordem para levantamento do perfil das pessoas que participavam de ocupações. Geralmente são cuiabanos, ou migrantes que vivem há mais de um ano na capital, com família, baixa qualificação educacional e profissional.

No entanto, pouco se pode fazer para destinação delas em outras áreas apropriadas para instalação de lotes. A secretaria afirma ainda que não tem recurso para comprar uma casa para essas pessoas. “O máximo que podemos fazer é verificar o perfil delas, se é de quem realmente necessita de assistência e se não estiver ativa no Cadastro Único (programa federal de assistência social que cria dados para ações como as do Bolsa Família e do Bolsa Escola), nós a cadastramos”, afirma.

Quanto a encaminhamentos para aquisição de casas, se encaixadas no perfil de baixa renda, que são de pessoas pobres ou em extrema pobreza, a secretaria informou que o Minha Casa, Minha Vida é o único programa ativo no País. “Essas pessoas ganham prioridade nos sorteios do programa. Por exemplo, no último sorteio realizado para Cuiabá, 442 famílias de baixa renda foram sorteadas. Mesmo assim, não se pode fazer muita coisa, pois dentro do grupo de baixa renda há outras prioridades, como famílias chefiadas por mãe solteira ou por idosos”.

25 mil títulos

A Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária diz que trabalha para entregar em torno de 25 mil títulos definitivos até o final deste ano. Até a segunda semana de junho, cerca de dez mil tinham sidos homologados.

Mais de 10 mil foram para moradores do Bairro Dr. Fábio I. De acordo com o secretário Paulo Borges Júnior, as entregas foram divididas em duas etapas, a primeira na segunda semana do mês e segunda a partir do dia 20. “Como a região é muito extensa planejamos dessa forma para atender com organização todos os moradores”, explicou.

Confira mais na edição 589 do jornal impresso 

Reinaldo Fernandes

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