Opinião

CRÔNICAS DE MORTES ANUNCIADAS

O título inspira-se no nome do livro de Gabriel Garcia Marques, “Crônica de uma morte anunciada”, que narra o último dia de vida do protagonista da trama, morto por dois irmãos. Ainda que a história não tenha nenhuma ligação com o que vai ser contado adiante, há uma importante passagem que, a princípio, parece não ter significado. Mas, o ruído do folhear de cada  página une peças de um quebra-cabeças para desenhar novas personagens que passam a ocupar o papel principal do romance. Então, quem são eles? Quase todos. Quase todos os habitantes do lugarejo onde se passa a trama sabem do homicício premeditado, mas nada fazem para proteger a vítima. Supostamente anônimos, quase todos os moradores do lugarejo tomam seus postos de principais personagens do drama de Garcia Marques.

Nos tempos coloniais, o Brasil adotou dois termos para nominar diversos povos indígenas: Tupi e Tapuia. O binômio pôs em oposição manso/bravio, policiado/bárbaro, civilizado/selvagem, desconsiderando a diferenciação dos usos, costumes e línguas existentes entre os povos que donimavam. Os séculos seguintes não foram diferentes. Historiadores do Império reconfiguraram a dicotomia Tupi/Tapuia. Quase todos acreditavam que binômio facilitava a administração do “problema” da diversidade linguística e étnica. O “índioTupi” passou a representar a matriz da nacionalidade brasileira. 

Ainda que quase todos acreditem que no Brasil há índios que moram em “tabas” e “ocas” e desconheçam as diversidades das culturas indígenas, felizmente, esse quadro vem mudando graças aos esforços de antropólogos, historiadores, arqueólogos, linguistas e educadores que elaboraram uma “nova história indígena”. Mas, ainda hoje, quase todos parecem acreditar que a história dos índios se resume à crônica de sua extinção, porque não andam mais nus, não caçam apenas de arcos e flechas, não se alimentam somente de produtos cultivados em suas roças e possuem carros, celulares e outros objetos industrializados. 

Quase todos insistem na imagem do índio genérico, possuidor de uma única língua, uma única cultura, desconsiderando suas singularidades. Quase todos são, ainda, os protagonistas de uma história indígena que persiste em ser escrita pelo preconceito e pela discriminação. 

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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