Política

Crises políticas colocam Brasil em xeque e momento remente às Diretas Já

A crise econômica e política provocou um sintoma de indignação e insatisfação na população, que saiu às ruas para protestar por um governo popular. Começou nas grandes cidades – São Paulo e Rio de Janeiro – e depois se espalhou pelo resto do Brasil, culminando na mudança para um novo presidente, que pouco tempo depois mergulhou outra vez na crise de que mal começara a sair. Foi o maior movimento popular da história brasileira.

Os fatos principais do fim da década de 1980 parecem poder ser reescritos novamente com variações de circunstâncias para descrever o momento atual da crise atual do Brasil. Naquela época, o país estava em transição do governo militar para o civil, depois de trinta anos de ditadura, afetado pela crise econômica do petróleo, no final de década 1970, que interrompeu o “milagre econômico” e introduziu o país em uma recessão, que empurrou a inflação, no período mais crítico, para patamares acima de 200%.

A situação levou à homologação da Lei da Anistia, em 1979, que, segundo o analista de política Onofre Ribeiro deu início ao processo de desmonte do governo militar. Em 1983, o então deputado por Mato Grosso Dante Oliveira apresentou a proposta de eleições diretas para devolver aos brasileiros o direito de escolher seu presidente.

As Diretas Já foram derrotadas no Congresso por uma diferença de 28 votos, mas a força popular, que compareceu a comícios e passeatas aos milhões em apoio à proposta, conseguiu influenciar indiretamente para a escolha de Tancredo Neves, em 1984, como presidente. Ele não chegou a governar. José Sarney assumiu o cargo, e uma sangria de quatro anos (1985-1988) teve início. Em 1988, foi promulgada da Constituição Federal hoje em vigor.

“A história tem seus ciclos, que se repetem. Hoje, acontece algo semelhante com a crise econômica, que se arrasta desde 2008, e a crise política, com falta de legitimidade das instituições políticas, do Congresso, dos partidos políticos e dos representantes políticos”, afirma Onofre Ribeiro.

Ele diz que o país vive um momento de “transição melancólica”, de desconstrução do modelo eleitoral para algo que está em aberto com várias possibilidades para uma nova tentativa de proposta democrática. “Os principais partidos brasileiros (PT, PSDB, PMDB) não têm representatividade, estão mergulhados na corrupção, e os outros partidos, o restante da política, não têm corpo para apresentar um candidato, nem se juntarem em um abraço só”.

Ele diz que a situação atual teve início na crise econômica de 2008, da bolha dos bancos imobiliários norte-americanos, que gerou uma crise interna na economia brasileira e quebrou o governo de presidente Luiz Inácio da Silva (PT), já em seu final, de criação da nova classe C, com integrantes das classes D e E sendo compactados na faixa da “nova classe média”.

“Foi uma mudança muito forte, 54% da população brasileira passaram a representar essa nova classe média, que parece ter ganhado consciência cidadã, com aquisição de casa, carro e poder de compra. A Dilma Rousseff [presidente pelo PT cassada no começo de 2016] herdou essa mudança e a nova crise econômica (2014) empurrou essa parcela da população de volta para a pobreza”.

O analista afirma que essa situação foi somada à pressão que a classe média sentiu durante os governos petistas com a forte tributação. “A classe média foi muito tributada, ficou espremida com o peso de impostos que arcou durante o governo PT. Isso também gerou a insatisfação dessa parcela dos brasileiros”.

Crise econômica e a insatisfação da ‘nova classe média’

São fatos que trouxeram, em parte, à situação atual do país. O desemprego pressiona principalmente os integrantes da população que tinha subido para a classe média. O poder de compra diminui, foi necessário fazer aperto no orçamento para conseguir encaixar as despesas no salário que se desvalorizou.

“São pessoas que tinham poder de compra e se viraram obrigadas a cortar os gastos porque não conseguem pagar as contas. É uma população que já tem consciência que a situação está muito ruim, está afetada pelo desemprego, voltou a perder o poder de compra. Há indignação nelas e qualquer coisa pode acontecer, uma vez que a sociedade tem essa força para influenciar o andamento do país”, explica o analista Onofre Ribeiro.

Conforme dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), os empregos formais só voltaram a ser gerados no país em abril deste ano, quebrando uma sequência de fortes quedas desde 2015. No entanto, quase 14 milhões de pessoas continuam sem emprego.

A insatisfação da classe média também criou situação para rejeição ao governo, e a disputa apertada nas eleições de 2014 entre Aécio Neves e Dilma Rousseff é apontada como o descontentamento de um lado e do outro.

“É preciso pensar que os jovens de 2013 [ano marcado por manifestações em massa no Brasil], jovem é um jovem desempregado. As manifestações foram uma atitude de jovens que se viram com a possibilidade de protestar, e isso contagiou os mais velhos. Hoje, é jovem que pode estar sentindo na pela a crise”.

Corrupção pode tirar mandato de Temer

A participação de políticos e partidos em esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato é a fonte de crise política. O desdobramento das investigações gerou o efeito da possibilidade de cassação do atual presidente Michel Temer (PMDB) e uma nova eleição indireta.

Temer pode perder o mandato por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) caso seja provada sua participação em esquema com o grupo JBS e por cassação da chapa Dilma-Temer de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Também há possibilidade de renúncia pelo presidente, via considerada menos provável.

Nos três casos, um novo presidente seria escolhido no país por decisão do Congresso Nacional. A decisão do STF pode sair a qualquer momento, conforme o andamento das investigações da Lava Jato, e o julgamento do TSE está agendado para o dia 5 de junho, ainda assim pode ter adiamento da data por pedido de vista dos ministros.

Caso Temer abdique do cargo, assumiria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que teria 30 dias para convocar uma eleição indireta. Não há regras atuais para o rito. A norma que dispõe como devem ser as eleições indiretas é de 1964.

Nesse regulamento, o novo presidente seria eleito por voto secreto pela maioria absoluta dos deputados e senadores. Não há certeza de que a norma seria válida hoje em dia. Proposta de atualização da lei, de 2013, não chegou a ser votada pelos parlamentares. Não se sabe quem poderia se candidatar. A definição caberia aos parlamentares.

O tribunal marcou a retomada do julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer para o dia 6 de junho e definiu quatro sessões para análise do processo. Se houver a cassação, as partes ainda podem recorrer com "embargos de declaração" no TSE ou podem ir ao Supremo.
Se a chapa não for cassada, o Ministério Público ainda pode recorrer.

Dois deputados, Alessandro Molon (Rede-RJ) e JHC (PSB-AL), protocolaram pedido de impeachment do presidente Michel Temer por comportamento incompatível com o cargo. Se aceita a decisão, o processo seria similar ao que ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff.

Caso o processo seja aberto por votação da Câmara, Temer seria afastado por até 180 dias e Rodrigo Maia assumiria o posto interinamente.
O processo só seria concluído após a votação do Senado. (Com Folhapress)

Constituição não corre risco com eleição indireta

O doutor em direito constitucional e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Marcelo Theodoro diz que a alternativa de eleição indireta é opção menos drástica para estancar a crise no país até as eleições de 2018, quando ocorre a escolha de presidente, do vice e para outros cargos majoritários.

“Em caso de vacância do cargo de presidente, pode-se levar muito tempo para definir e a realizar eleição direta, e o país não aguentaria mais sangrar com essa situação de crise. No entanto, o STF precisa definir como será realizada a eleição indireta”.

Ele diz que a polêmica passa por definição de quem poderá participar das eleições e como isso será realizado para não afetar outras instâncias do governo.

“A proposta em andamento no Congresso fala em eleições gerais e isso pode tirar o mandato de quem foi regularmente eleito nas eleições de 2014, então ocorre injustiça. E também se for seguida essa geral tradicional, quem tiver participação em partidos por seis meses ou estiver em cargo público também poderá concorrer porque não haverá tempo para se afastar do cargo”.

Para que haja eleições diretas, o Congresso teria que aprovar uma proposta de emenda à Constituição – uma delas será votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na próxima semana.

Ele defende que haja uma escolha pelo Congresso e o STF de alguém que possa conduzir o país até o fim de 2018, sem vínculo com partidos e com consenso da população para evitar o prolongamento da crise.

“O nome da ministra do STF Carmen Lúcia, é especulado como alguém que pode ter essas qualidades para conduzir o país. E caso não seja ela, que seja uma pessoa em condições de levar o país nesse período de governo tampão”.

Questionado sobre o cumprimento à Constituição Federal nesse turbilhão do país, o professor refuta que haja possibilidade de golpe de Estado.

“Isso é especulado por militantes de um governo bem conhecido e que se beneficiaria de uma eleição direta neste momento, se considerada a opinião pública. Não há risco de fugir da Constituição, é uma escolha para um governo tampão e é isso está sendo debatido”.

Democracia se resolve com mais democracia, diz Antero

O ex-senador Antero Paes de Barros, um braço direito de ex-governador Dante de Oliveira, morto em 2006, em Mato Grosso, afirma que uma eventual transição do país para novo governo deve ocorrer com o respaldo do Congresso Nacional, por ser a instituição de representação democrática no país.

“As Diretas Já teve forte apoio popular e conseguiu colocar Tancredo Neves no governo, mesmo que indiretamente, por meio do colégio eleitoral. E ainda é o que existe para escolher os governantes”.

Ele rejeita a intervenção no modelo tradicional de escolha eleitoral, alterar o “estado de direito democrático”.

“É preciso deixar o povo brasileiro resolver seus problemas. As crises são parte do processo democrático e democracia só se resolve com mais democracia. A refundação da política tem que passar por isso”.

Neste ano, o movimento Diretas Já completou 34 anos. O então deputado Dante de Oliveira, à época ligado ao PMDB, apresentou proposta de eleição direta ao Congresso Nacional em março de 1983 em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).O texto previa o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República em dezembro do ano seguinte.

Em abril, o PMDB lançou oficialmente a campanha nacional de apoio à emenda, com o slogan que ganharia as ruas: "Diretas já".

Em 27 de novembro de 1983, ocorreu a primeira manifestação pública expressiva a favor das Diretas. Foi uma festa-comício organizada no estádio do Pacaembu, em São Paulo, pelos partidos de oposição ao governo militar.

Rodrigo Piovezan e o longa “Diretas Já!”

O cineasta mato-grossense Rodrigo Piovezan prepara o longa-metragem “Diretas Já!”, que terá como estrela o ator Dan Stulbach. O filme contará o movimento que se iniciou a partir da emenda do deputado Dante de Oliveira, de 1983, que posteriormente foi governador de Mato Grosso, para restabelecer as eleições diretas no Brasil. Dan será Dante. Direção de Rodrigo Piovezan e Marcelo Santiago.

 

 

Reinaldo Fernandes

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