Cidades

Crise afeta funcionários, alunos e qualidade do ensino

Apesar das mensalidades salgadas cobradas por instituições particulares de ensino superior, muitas empresas têm adotado práticas em que a corrida acirrada pelo lucro, em detrimento de investimentos direcionados à otimização dos serviços, prejudica colaboradores e alunos, comprometendo a qualidade do ensino.   

Demissões de professores com titulações elevadas para a reformulação dos quadros, com funcionários menos qualificados; utilização de vídeo-aulas em faculdades que supostamente teriam ensino 100% presencial, visando corte de custos; superlotação nas salas de aula; falta de investimentos em estrutura e atraso do pagamento dos colaboradores, por exemplo, são problemas recorrentes, mesmo com as frequentes altas das mensalidades.  

Atualmente, o Centro Universitário de Várzea Grande (Univag) deve aos colaboradores os salários referentes aos meses de novembro, dezembro, além de décimo terceiro e férias. A entidade emprega cerca de 500 professores e 800 técnicos. De acordo com funcionários que preferem não ser identificados, a tentativa de forçar o pagamento dos atrasados por meio de greve foi frustrada, com intimidação aos que aderiram ao movimento e ameaças de demissão. A assessoria de imprensa da Univag informa que a instituição “ainda não divulgou nenhuma nota oficial sobre o assunto e que isso pode ser feito nos próximos dias.”

Em setembro do ano passado, estudantes da Universidade de Cuiabá (Unic) e do Centro Universitário Cândido Rondon (Unirondon) realizaram uma manifestação contra algumas mudanças promovidas pelo Grupo Kroton – unificado desde 2013 com o Grupo Anhanguera-  no sistema de ensino. Uma das principais críticas dos acadêmicos era contra a superlotação nas salas de aula.  

Além do fim da unificação de turmas, os manifestantes reivindicavam a volta do trabalho de conclusão de curso presencial, valorização dos professores e o fim das matérias na modalidade de ensino a distância. O movimento ainda acusava o Grupo Kroton de reduzir o custo com professores, estrutura e equipamentos para ampliar ao máximo a margem de lucro. 

Demissões

Segundo dados da Federação dos Professores de São Paulo (Fepesp), no ano passado o Grupo Anhanguera demitiu 1.497 professores apenas no estado de São Paulo. Esse número deve ser ainda maior, já que há relatos de demissões em outros estados, como Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul. 

Em grande parte dos casos, os docentes foram demitidos pelo fato de terem qualificações acima do novo padrão praticado pelo conglomerado. Foi o que aconteceu com o professor Elton Rivas, que perdeu o emprego por ter titulação de doutor. “Demitiram principalmente doutores e mestres para contratar pessoas com a titulação mais baixa. Eles te mandam embora porque você ganha mais, e em seguida fazem o convite para que você volte a trabalhar ganhando menos, como especialista, com a desculpa de que você está no plano de carreira da instituição. Imagina quantos anos vou levar para voltar a ganhar o mesmo valor. É um desestímulo e uma desvalorização muito grande”, lamenta. 

Incoerentemente, instituições que deveriam valorizar seus profissionais preferem priorizar o lucro, sem se importar com a qualidade do ensino.  “É muito contraditório, porque você passa parte do seu tempo [em sala de aula] falando da importância da formação. Mas, se dentro de uma instituição de ensino a qualificação não é valorizada, qual sentido terá para o aluno fazer uma graduação e continuar se qualificando?”, questiona Rivas. 

Na visão de Gleyva Maria Simões de Oliveira, doutora em educação e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), hoje as universidades particulares estão ficando mais sucateadas que as universidades públicas. “Ao se sustentarem em recursos públicos, elas fragilizaram o seu orçamento para se manterem estruturalmente e pedagogicamente. Por conta disso é que estamos vendo o baixo investimento na formação docente ou a opção por contratar profissionais com pouca titulação e pouca experiência em pesquisa”, analisa. 

Programas como Fies e ProUni, que ocasionaram expressivo aumento do número de alunos nas faculdades particulares , não tem colaborado positivamente com o orçamento de tais instituições, já que os recursos do governo demoram para chegar. “Atualmente as universidades particulares estão se sustentando com os recursos destes programas e, com os atrasos, há total desequilíbrio das finanças destas instituições”, explica Gleyva.

A empresa indicada no site da Faculdade Anhanguera como responsável pela assessoria da instituição informou que não presta mais o serviço há aproximadamente três meses. Nossa equipe entrou em contato com unidades da faculdade de São Paulo e Cuiabá, mas não obteve respostas e nem indicações sobre quem está responsável pela assessoria. 

Alunos prejudicados

Tantos problemas e impasses acabam refletindo na qualidade do ensino e prejudicando alunos e professores. Lançamentos de notas atrasados, colação de grau adiada (que teria causado prejuízo a muitos formandos), professores com pouca qualificação e ameaças de greve são algumas das queixas mais frequentes. 

Fatores que inevitavelmente acabam influenciando negativamente o processo de formação. “Eu acho que as faculdades não oferecem realmente o que o mercado pede. A gente sai totalmente cru e infelizmente acaba tendo mais um investimento pra poder se aprimorar, pagando cursos complementares. Tem que correr atrás, porque a gente não tem uma preparação realmente boa”, diz Ângela Maria, formanda do curso de comunicação.  

“Desde o começo da graduação eu sempre tive vários problemas e na colação de grau está sendo a mesma coisa. Eles atrasaram a colação, eu fui tentar resolver e acabei sendo maltratada pelo funcionário responsável pela colação. Além de todo o desgaste, não pude me candidatar pra uma vaga que eu pretendia porque não tinha o diploma e nem o certificado”, conta Karine Avelino do Carmo.  

Colaboradores sem pagamento

Devido à já citada situação do não pagamento dos salários de professores e colaboradores, muitas pessoas estão indignadas por conta das grandes dificuldades pelas quais estão passando. “Não sei mais o que fazer, não durmo à noite, sofro de enxaqueca, preocupação com tudo isso, com medo das futuras humilhações por não pagar as contas da casa onde moro”, desabafou uma colaboradora da Univag em uma página do Facebook intitulada “Você não sabe, mas eu sei”. 

Vagas ociosas

A crise das universidades particulares não é de hoje. Dados divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), referentes ao Censo da Educação Superior de 2007, mostram que mais de 95% das 1.341.987 vagas ociosas no ensino superior no Brasil estavam concentradas nas instituições particulares.

Situação que reflete o aumento descontrolado do número de instituições, especialmente ao longo da década de 1990. A abertura de novos cursos e a criação de novas faculdades se deu sem qualquer projeto que levasse em conta as especificidades regionais e o compromisso de desenvolver um ensino democrático e de qualidade. O resultado é o desequilíbrio na oferta de vagas: das cerca de cinco milhões de matrículas, 75% estão na iniciativa privada e apenas 25% na rede pública. 

Queda das matrículas 

Fatores como as novas restrições para o uso do Financiamento Estudantil (Fies) e a crise econômica, entre outros, ocasionaram forte queda das matrículas em instituições particulares de ensino superior. Dados do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) indicam que o número de matriculados caiu 30% durante os processos seletivos do meio do ano de 2015, na comparação com o mesmo período de 2014. 

O volume de contratos financiados caiu mais de 50% ao longo do ano passado. Enquanto em 2014 foram fechados 730 mil novos financiamentos, em 2015 foram apenas 310 mil. O índice de ingressantes no ensino superior que usaram o Fies era de 40% em 2014 e caiu para 20% em 2015, segundo informações do Semesp.

Um estudo da Semesp indica que a inadimplência no ensino superior brasileiro deve voltar a subir após uma sequência de seis anos em queda. O enfraquecimento da economia, somado à restrição do número de vagas no Fies, deve levar à primeira alta do indicador desde 2009.

Thales de Paiva

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