Depois que foi chamado de “macaco” pelos irmãos Adrierre e Natan Siqueira da Silva e recebeu uma cusparada no rosto, o segurança Fábio Coutinho não queria contar para ninguém. O vigilante temeu que não acreditassem na sua versão, pois não sabia que a agressão havia sido filmada. Hoje, ele fala sobre o tema por acreditar que está no meio de uma causa coletiva, que casos de injúria racial continuam a acontecer, mas evita ver o vídeo do dia 10 de novembro feito nas arquibancadas do Mineirão.
As dificuldades de Fábio estão mesmo inseridas em um contexto mais amplo: o aumento dos casos de injúria racial no esporte brasileiro em 2019. O Observatório da Discriminação Racial, entidade dedicada a pesquisar e discutir o tema, registrou 47 casos no País até novembro. O número representa um crescimento de 6,8% em relação ao ano passado, quando foram registradas 44 ocorrências.
Os casos de 2019 representam a maior marca nos últimos seis anos. “Um dos maiores erros é enxergar cada caso como uma novidade. Todos estão inseridos em um contexto que exige preocupação e atitude”, explica Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório.
Para os especialistas, a questão está ligada a problemas estruturais da sociedade brasileira. O sociólogo Rogério Baptistini Mendes, da Universidade Mackenzie, opina que os episódios nos estádios de futebol, por exemplo, reproduzem o processo de exclusão do negro na sociedade por conta da escravidão. Nos momentos de tensão social frequentes nos estádios, quando as pessoas são colocadas como torcedoras de times diferentes, a exclusão ressurge. “A abolição da escravatura foi insuficiente para inserir o negro na vida social. O que nós imaginávamos que estivesse sendo mitigado com o avanço da educação e a melhoria das condições econômicas e políticas voltou à tona com a polarização da vida social nos últimos anos”, conceitua.
Triste recorde
Roger Machado, um dos dois técnicos negros da Série A do Campeonato Brasileiro, concorda. “Se não há preconceito no Brasil, por que os negros têm o nível de escolaridade menor que o dos brancos? Por que a população carcerária, 70% dela é negra? Se não há preconceito, qual a resposta? Para mim, nós vivemos um preconceito estrutural”, opinou o treinador que participou de uma ação ao lado do técnico Marcão, do Fluminense, no Dia da Consciência Negra.
Para Marcel Tonini, doutor em História Social pela USP, vários fatores explicam o aumento dos casos. “Os jogadores parecem estar um pouco mais encorajados a denunciar, seja por autoconsciência, seja por influência de atletas internacionais; segundo, a imprensa tem tratado o tema com mais recorrência e profundidade; terceiro, talvez, pelas ações do Observatório e por clubes nas redes sociais.”
O historiador Amailton Azevedo, da PUC-SP, defende punições mais efetivas. “Não basta exibir faixas com dizeres ‘Diga não ao racismo’. É urgente uma política que puna os clubes. Os torcedores racistas devem ser banidos e o patrocínio das empresas pode ser cortado para os clubes que não adotarem medidas contra racistas”, sugere.
Em novembro, o estádio Mineirão lançou um canal para receber denúncias de racismo e injúria racial sofridas ou presenciadas dentro do estádio. Todas as informações são repassadas para que órgãos competentes tenham conhecimento sobre os fatos e procedam com as investigações. O canal de denúncia do Mineirão contra crimes de discriminação racial vem sendo divulgado constantemente por meio da comunicação do estádio, como nos telões nos dias de partidas, redes sociais e site oficial da arena.
No caso de Fábio, o Atlético Mineiro foi multado em R$ 130 mil. Os torcedores foram expulsos do quadro de sócios-torcedores. Um deles responde pelo crime de injúria racial, com pena de 1 a 3 anos e multa.