Política

CPI de Mato Grosso fez vistas grossas, mas JBS confirma propinas

O esquema de corrupção em benefício da JBS teve desdobramento em Mato Grosso em paralelo com as fraudes realizadas com representantes do governo federal.  Indícios de operação do esquema aparecem no relatório da CPI dos Frigoríficos, na Assembleia Legislativa, cuja investigação durou 300 dias, entre fevereiro e dezembro de 2016, mas foi encerrada sem resultado algum.

Relatório final aprovado pelos deputados em abril deste ano mostra que o grupo JBS foi o que mais recebeu incentivo fiscal em Mato Grosso e teve maior volume de financiamento pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social), benefícios que o levou ao domínio do mercado no curto período de cinco anos.

O documento contém dados sobre incentivos fiscais, um organograma de amostragem das plantas distribuídas por Mato Grosso e o volume de abates de bovinos. Em todos eles a JBS é citada com larga diferença de atuação do mercado e colaboração estatal. O relatório final foi aprovado por unanimidade na semana passada pela Assembleia Legislativa.

A expansão do grupo JBS foi sustentada em parte por recursos liberados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), por meio do programa Finame, o qual libera financiamento para produção e aquisição de máquinas. Conforme o relatório da CPI, de um montante de R$ 81,1 milhões liberados pelo BNDES a frigoríficos com atividades em Mato Grosso, R$ 29,3 milhões entraram nas contas da JBS.

O montante é referente a quatro frigoríficos da empresa. Dois deles receberam mais de R$ 12,5 milhões para dar impulso à indústria de abate de bovino. Outro recebeu R$ 2 milhões para a aquisição de bens de capital não especificado no relatório. E um quarto conseguiu R$ 1,8 milhão.

O crescimento da JBS é atestado pelo volume de abates que passa a realizar nos últimos sete anos. Em 2006, o primeiro ano de referência na CPI, o conjunto de frigoríficos da JBS era responsável por 18% de toda a carne bovina que passava por abates industriais em Mato Grosso. Entre 2007 e 2008, o volume oscilou, caindo para 17% e subindo para 19%, respectivamente, conforme a CPI.

A guinada teve início em 2009, ano em que a empresa alcançou 22% do volume de abates. Ela concentrou 941.854 kg dos 4.096.072 kg. No ano seguinte, essa parcela quase que dobrou. Os abates de bovinos em Mato Grosso tiveram leve alta para 4.146.226 kg enquanto o montante realizado pela JBS chegou a 1.429.083 kg, alta de expressivos 12 pontos percentuais em relação ao período anterior (34%).

Três frigoríficos apontados pela CPI em atividades (Barra do Garças, Água Boa e Confresa) agregam a capacidade de 4.200 abates diários. Eles dominam a lista dos cinco maiores abatedouros em Mato Grosso. A Marfrig Global Foods, em Paranatinga, ocupa a segunda posição com 1.500 abates/dia, e a Nova Carne, de Nova Xavantina, o quinto lugar, com 120 abates/dia.

Silval recebeu R$ 30 milhões em propina, diz empresário

Em documentos de delação premiada com o Supremo Tribunal Federal (STF), pela Operação Lava Jato, um dos donos do grupo JBS, Wesley Batista, afirma que pagou R$ 30 milhões em propina ao ex-governador Silval Barbosa (2010-2014) para receber incentivos fiscais irregulares, entre 2011 e 2013.

A informação foi repassada ao Supremo em depoimento no dia 4 deste mês. Conforme o empresário, o pagamento foi descontado do valor em que o grupo pagou de propina ao ex-governador, em troca da redução do percentual de impostos.

De acordo com Wesley Batista, parte do dinheiro foi paga ao ex-governador para cobrir de R$ 7,5 milhões, dívida de empréstimo tomado por uma terceira pessoa, que o cobrava, com ameaças.

 “O governador me ligou apavorado, dizendo que precisava falar comigo urgente. Eu o atendi na minha casa, se não me falha a memória, em um final de semana. Ele devia dinheiro a um ‘cara’, que, parece, tinha tomado dinheiro no banco para emprestar ao Silval e a dívida tinha vencido, e o governador não tinha pagado. O ‘cara’, parece, estava ameaçando o governador”.

A dívida de R$ 7,5 milhões de Silval Barbosa, diz o empresário, era com o dono da Agropecuária Carolmila Ltda. “Coincidentemente, tínhamos comprado uma transportadora e os ativos frigoríficos dessa pessoa que havia emprestado R$ 7,5 milhões a ele [Silval]”. 

“Ele me pediu, encarecidamente, para pagar esse ‘cara’ e descontar do acerto que nós tínhamos com ele; eu concordei em pagar. Adicionamos esse valor no preço da compra da transportadora”.

Operação de esquema começou em 2011

O empresário Wesley Batista disse que a operação do esquema em Mato Grosso começou a ser montada em 2011. Logo que assumiu o mandato de governador, após ocupar por seis meses o cargo com título de vice, Silval Barbosa decidiu mudar o modelo tributário para empresas instaladas em Mato Grosso e com benefício pelo Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso).

“Nos oito anos em que Blairo [Maggi] foi governador (2003-2010), ele estabeleceu um regime de recebimento de tributo por estimativa. Ele estabelecia um valor fixo para cada empresa, que abriam mão de todos os créditos que tinham direito para pagar um valor fixo. Não tinha discussão, pois funcionou muito bem”, conta o empresário.

Silval Barbosa resolveu extinguir esse modelo e implantou nova cobrança em que algumas empresas passaram a ter cobrança de 3,5% em impostos sobre sua atividade. Foi quando surgiu “problema” para o grupo JBS, que à época tinha sete frigoríficos instalados em Mato Grosso.

Essas plantas começaram a ter menos benefícios que outras empresas no setor, o que levou à tentativa de negociação por Wesley Batista nas operações tributárias em Mato Grosso. “Eu fui pessoalmente ao gabinete do governador, em Cuiabá, e falei: ‘governador, do jeito que está agora será impossível [continuar as atividades], pois tem uma meia dúzia de fábricas com Prodeic, que vão pagar de 0 a 1% e a maioria pagando 3,5%. Criou-se uma situação de desequilíbrio no setor’”, contou na delação.

Regras fiscais e vantagem da propina

O empresário Wesley Batista afirmou que Silval Barbosa se propôs a resolver o aumento de cobrança fiscal sobre grupo, por uma vantagem com uma margem do lucro da empresa em pagamento de propina.

“O governador e o secretário Pedro Nadaf (Indústria e Comércio) sugeriram que nós fizéssemos um levantamento de quanto a empresa abriu mão de crédito (quando era por estimativa) nos últimos anos e que daria isso como um crédito”.

Ainda conforme o empresário, o pedido de Silval Barbosa era que a propina correspondesse a 30% do total de benefícios concedidos pelo Estado.  O percentual foi rejeitado por Wesley Batista, e a propina de início do esquema ficou pela metade.

“No final das contas, era acertar ou ficar pagando 3,5%, enquanto os outros pagavam de 0 a 1%. Eu acertei ao redor de R$ 10 milhões de propina; para aquela oportunidade, dava ao redor de 15%”.

Wesley revelou que a propina foi paga nos anos de 2011,2012 e 2013. Os pagamentos foram feitos por meio de dinheiro vivo e até em notas fiscais fraudadas, segundo o delator.

“Foram pagos de diversas formas. Em dinheiro vivo, por meio de notas fiscais frias que eles arrumavam, indicando as empresas – nós temos esses documentos. Parte era paga por doleiro a terceiros que eles indicavam – aí, nós não temos esse registro hoje”, declarou, revelando que um integrante da JBS era responsável por procurar um doleiro para realizar os pagamentos.

Relatório de CPI aponta 18 irregularidades

O relatório da CPI dos Frigoríficos traz em anexo a análise de uma ação civil pública aberta pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), que apontou 18 irregularidades cometidas pela JBS referentes ao contrato de incentivo fiscal pelo Prodeic.

A ação, que também integra documentação da CPI da Renúncia Fiscal ocorrida paralelamente à dos Frigoríficos, aponta falta de contraprestações que as beneficiadas deveriam cumprir por obrigação jurídica dos incentivos.

São irregularidades que vão da falta de documentação que assegure percentuais de incentivo fiscal a não aquisição de produtos do agronegócio em Mato Grosso. Conforme o TCE, um documento apresentado pelo grupo, por exemplo, não especifica qual unidade recebe incentivo fiscal aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Empresarial (Cedem), apenas informa que a unidade está em Mato Grosso.

Outra contrapartida questionada pelo TCE se refere à participação da empresa no Programa Primeiro Emprego que seria uma exigência de contrato de incentivo fiscal em Mato Grosso. Também é apontada a falta de comprovação de qualificação de mão de obra de funcionários, diretamente ou por meio de convênio, vinculados ao grupo.

Na mesma ação civil, o Tribunal de Contas questiona contrato assinado pela JBS, no governo de Silval Barbosa, com a Secretaria de Estado de Indústria e Comércio (Sicme), no qual um termo aditivo eleva o benefício fiscal do Prodeic para 85,71% a nove filiais do grupo instaladas em Mato Grosso. Conforme o TCE, nenhuma dela foi enquadrada pelo Cedem.

Defesa diz que Silval irá confessar crimes e refutar denúncias infundadas

A nova bancada de defesa do ex-governador Silval Barbosa disse que irá rebater “falsas acusações” que pesam contra ele.  Conforme reportagem publicada por Circuito Mato Grosso na edição 632, o Ministério Público do Estado (MPE) já homologou 16 acordos de delação premiada e todos são de denúncia de casos envolvendo Barbosa.

Conforme o advogado criminalista Délio Fortes Lins e Silva Júnior, a tática adotada em defesa do ex-governador será confessar os crimes cometidos em sua gestão para se livrar das acusações infundadas e consequentemente minimizar uma eventual sentença de condenação.

“Tem tanta acusação improcedente que Silval Barbosa resolveu admitir realmente o que fez e mostrar que boa parte das acusações não procede. Com isso, ele vai tentar uma pena menor, mostrando que está contribuindo”, disse o advogado ao Circuito Mato Grosso.

As refutações de crimes devem incluir aqueles denunciados pelo Wesley Batista, do JBS, que diz ter repassado R$ 30 milhões ao ex-governador entre 2011 e 2013.

A audiência em que Silval deverá iniciar sua confissão está programada para 5 de julho.

O criminalista Délio Lins assumiu a defesa do ex-governador após a desistência, em abril deste ano, dos advogados Valber Melo, Ulisses Rabaneda, Francisco Faiad, Artur Osti e Renan Serra, do caso. Eles acompanhavam Silval desde sua prisão, em setembro de 2015, e renunciaram à defesa, por não concordarem com a decisão do político em confessar crimes que até então eram negados.

O advogado ainda negou que haja negociação de delação premiada com Procuradoria Geral da República (PGR) para repassar informações sobre suposta organização criminosa. “Não, não tem delação nenhuma”.

Anunciada “caça às bruxas” acabou em pizza

Na Edição 627 o Circuito Mato Grosso falou que a CPI dos Frigoríficos foi encerrada no dia 13 de dezembro, após dez meses de instalação, com fraca assimilação sobre o que realmente acontece no mercado de abate de bovinos em Mato Grosso.

 A série de fechamentos de plantas de frigoríficos desde 2015, de 50% das 45 que existiam então no Estado, não teve explicação convincente e ficou reduzida a uma circunstância do mercado, que teria levado ao aluguel ou venda de pequenas plantas para grupos maiores, que em Mato Grosso dominam mais de 50% das atividades.

A “caça às bruxas” de cartel de frigoríficos anunciada pelo presidente da comissão, deputado Ondanir Bortolini (PSD), no início dos trabalhos, se transformou em averiguação de concentração de atividades, sem nenhum resultado concreto. E o deputado José Domingos Fraga, do mesmo partido, também baixou o tom ao se referir ao setor.

A CPI dos Frigoríficos foi aberta na primeira semana de março deste ano por suspeita de formação de cartel entre grandes empresas do ramo, como resultado do fechamento de várias plantas em Mato Grosso por motivos ainda pouco esclarecidos. Na semana em que foi instaurada, o deputado Nininho, autor da proposta de investigação, disse que realizaria ‘caça às bruxas’ dos grupos suspeitos de montarem o ‘monopólio’.

Frigoríficos lesam cofres públicos em MT

Um dos principais beneficiados com incentivos fiscais, os frigoríficos de Mato Grosso foi pauta de discussão na Assembleia Legislativa em março de 2014 como destacou a Edição 479. A polêmica envolvia o fato de o setor recolher o ICMS por estimativa. Apontou a reportagem que não há um cálculo real do imposto devido e que esta modalidade de tributação acaba provocando uma grande desigualdade entre os diversos setores da economia.

Neste caso específico, quem perde é o produtor rural – que está nas mãos de dois grandes frigoríficos – e o consumidor final que já não consegue garantir um bife sequer nas refeições. Ou seja, o Estado tira o bife do prato do cidadão para engordar a conta dos proprietários dos frigoríficos e ainda massacra a classe produtora.

Na época os deputados como Zeca Viana e Dilmar Dal Bosco se colocaram como os maiores críticos desta modalidade de tributação que foi criada em 2010, ainda no governo Blairo Maggi e na gestão do ex-secretário de Fazenda Edmilson Santos, posteriormente diretor do MT Par. Naquela oportunidade, o monopólio havia se estabelecido porque diversos pequenos frigoríficos já haviam fechado as portas por não terem suportado a carga tributária então imposta pelo Estado.

Os frigoríficos ainda são beneficiados com a redução de alíquotas em Mato Grosso. A JBS, por exemplo, com dezenas de unidades instaladas no estado, tinha estimativa de recolher apenas R$ 34 milhões de impostos naquele ano. Isso significa que esta empresa deixa de recolher, segundo fontes da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), em torno de R$ 400 milhões por ano aos cofres públicos.

Além da questão do excesso de benefícios fiscais, o setor também já era alvo de muitas críticas em 2014 por conta do monopólio que se estabeleceu em Mato Grosso e em outros estados, como o vizinho Mato Grosso do Sul. O monopólio nasceu com a falência dos pequenos. Com a falta de concorrência, o preço da carne sobe e quem mais sofre é o consumidor final.

Inclusive foi criado em 2012 o Movimento Nacional Contra o Monopólio dos Frigoríficos que reunia produtores rurais e entidades como a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), União Democrática Ruralista (UDR), Sociedade Rural Brasileira (SRB), Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Associação Nacional dos Produtores de Bovino de Corte (ANPBC), Associação Fazendeiros do Xingu (ASFAX) e Associação de Proprietários Rurais de Mato Grosso (APR-MT).

O movimento tinha como objetivo despertar as autoridades estaduais e federais sobre futuros recursos para ativar frigoríficos desativados e ajudar na projeção de novos frigoríficos, saindo do monopólio.

 Apenas “impressão de formação de cartel”

Em seu relatório final, a CPI se limitou a divulgar o já conhecido sobre as atividades do mercado e o domínio do JBS S/A em Mato Grosso pela quantidade de plantas sob controle e o volume de abate. Em período de oito anos, o grupo passou do pouco expressivo 1,5% do total de abates no País, em 2006, para 16% em 2007 um salto superior a quatro vezes até 2014, ano em que passou a comandar mais de 50% do mercado.

A CPI concluiu, ainda, que a situação de restrição de agentes no mercado de abate de frigoríficos em Mato Grosso se deve à falta de regras para controlar o desenvolvimento do mercado de maneira a tornar o segmento participativo para pequenas e grandes empresas. Segundo o deputado Nininho, ocorre saturação de plantel para o desenvolvimento de atividades por concentração de várias plantas em algumas regiões do Estado. “Mato Grosso tem condições de abrir mais cinco plantas de frigoríficos, só. Há uma escassez de solo e outros tipos de insumos adequados para o desenvolvimento das atividades”, disse.

A falta de condições naturais para a atividade é somada a outros dois fatores que, conforme a conclusão da CPI, leva à “impressão” de formação de cartel de frigoríficos no Estado, voltando atrás em suas afirmações bastante contundentes sobre a existência de um monopólio.

 

Sandra Carvalho

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