Texto e foto de Valéria del Cueto
Querida cronista sem mais delongas na sua ausência voluntária incorporei seu papel de jornalista e, aceitando a sugestão de Bebeto, entrevistei a pseudo causa de todos os males que assolam a humanidade nesse momento, a Covid-19.
Pluct Plact – Olá, senhora Covid-19, como está vendo esse momento de “evidência”, por assim dizer?
Cvd19 – Estou estupefata e carente. Afinal, mesmo novinha, parece que me responsabilizam por todos os problemas do mundo.
PLct – E não é esse seu papel no contexto atual?
Cvd19 – Claro que não! Fico indignada com essa visão reducionista. Tudo bem que não vim a esse mundo a passeio, mas vamos botar os pingos nos “i”s: Covid-19 só tem uma! Cadê o pingo da crise da saúde ignorada? E veja que não foi por falta de aviso. E da economia esgotada? Do tal do capitalismo globalizado ensandecido?
PLct – Sem querer botar lenha na fogueira (mais um pingo) capitalismo em dose dupla.
Cvd19 – E se pingo é letra, meio ambiente também. Esses ignorantes brincaram com coisa séria e agora jogam o esgotamento planetário nas minhas costas.
PLct – E, na sua opinião, qual é a solução para que o impasse que obriga a humanidade a se esconder da vida e correr da senhora mais que o diabo corre da cruz?
Cvd19 – É sério, caro Pluct Plact, que o senhor supõe que eu tenho essa resposta?
PLct – Quem sabe…
Cvd19 – Pois não tenho e não cabe a mim responder. Já me basta levar nas costas a culpa de todos os males do mundo. “Faliu a saúde?” É a Covid -19. “Os empregos sumiram?” Vai para a conta do coronavirus da vez. “Os transportes subiram as tarifas?” Covid-19. “O petróleo despencou, a bolsa caiu, o dólar subiu?” Por que a Covid-19 se expande… Tudo cai na minha conta!
PLct – Mas qual a luz no fim do túnel, a senhora sabe?
Cvd19 – Tenho cara de cientista, extraterrestre? Sou consequência. Pergunte a quem faz balbúrdia, como diz o ministro da educação especializados em tolices ou, talvez, o astronauta que depois de ir à lua admite se juntar a quem acha que a terra é plana para ser chamado de ministro da tecnologia.
PLct – Ah, Covid, o Brasil está num mato sem cachorro…
Cvd19 – Naninanaum. Tem o capetão para tocar horror na rapaziada. Seus seguidores que oram nas calçadas e se entregam ao Jim Jones do terceiro milênio que brada “Eu sou a Constituição”. O Brasil está bem na foto da loucura mundial.
PLct – E então…
Cvd19 – Enquanto os loucos uivam e ameaçam o povo, ou parte dele, demostra o que tem de melhor. Há muito tempo palavras como solidariedade andavam sem significado. Sem destaque nesse mundo véio e mal tratado. Agora, não!
PLct – Deduzo que a senhora acha que tem jeito…
Cvd19 – Eita, não bote palavras nas minhas verruguinhas poderosas. Só água e sabão para me deter. Palavras o vento leva, já dizia o poeta.
PLct – Nesse caso…
Cvd19 – Não tem caso nem acaso. Só pesquisa, resistência e união (e olha que essa parte está difícil) para conter minha disseminação. Ah, e o esforço sobre humano dos verdadeiros heróis da pandemia. Agentes de saúde, por exemplo. Também destaco e aplaudo incondicionalmente os garis, não deixando de lado os caminhoneiros e quem continua produzindo alimentos.
PLct – E quem são os vilões dessa história macabra?
Cvd19 – São muitos, mas é melhor não citar ninguém. Pode ser que cometa uma injustiça, deixando uma família, um burocrata ou ministro qualquer fora da lista. Especialmente daqui do Brasil.
PLct – Já que a senhora foi tão específica, mais uma pergunta: por que me escolheu para fazer essa entrevista exclusiva?
Cvd19 – Elementar, meu caro Pluct Plact, para me manifestar tinha que ser no epicentro da ignorância consentida. Poderia ter sido nos EUA, quase no mesmo nível da lei de Gerson. O presidente de lá também gosta de levar vantagem em tudo. Mas aqui, além da maldade aprimorada e potencializada, qual a curva ascendente de contaminados e vítimas, tem algo que nenhum outro lugar tem.
PLct – O que seria?
Cvd19 – Um extraterrestre residente, ora. Com a desconstrução da imagem da imprensa e dos jornalistas, quem teria isenção e credibilidade para levar a minha mensagem ao mundo? Só um ser interplanetário.
PLct – Muito obrigado pela distinção, Dona Coronga, afinal, fazer uma exclusiva com a senhora é uma honra!
Cvd19 – Você me chamou de que? Abusado.
Plct – Queira desculpar, cara Covid-19, escapou sem querer seu apelido…
Cvd19 – Você está humano demais. Aprendeu a brincar com coisa séria. Coronga é a vovozinha! Pronto só de raiva desenvolvi uma mutação que não tem restrição de idade. Agora é assim, pega um, pega geral!
PLct – Foi ato falho.
Cvd19 – Na próxima garanto que vou incluir extraterrestres na lista de infectáveis.
PLct – Então é melhor encerrarmos a entrevista, senhora. Vou ali tentar um novo lançamento para o espaço. Quem sabe escapo da sua ira que, reconheço, é plenamente justificável…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fábulas Fabulosas”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com