Opinião

Contos Modernos

São 3 da manhã. O meu dinheiro acabou. Nessas horas rezo para raiar o dia.  Caminho apressado pelo Centro Histórico, tropeçando pelas mesas do caminho. Parece que todo mundo está me cuidando.  

Eles sabem o que vai rolar. 

Mas foda-se. Estou pouco me fudendo. 

Tropeço num saco preto de lixo. Um cheiro pobre de peixe invade o ar. Esse seu João é foda, sempre escorre lixo e esgoto pela rua toda. Merecia um tiro. Mas hoje não é a sua vez. Passo apressado pela Ricardo Franco, em direção a escadaria da Mota. Sei bem o que quero. Agora. Porque nem lembro do que realmente fui fazer na Mandioca. Sentei com alguém no Julinho, bebi com fulano no Luis, dancei com beltrano no Door607. Meu eterno erro. Fui sempre de um ponto a outro. Nunca desvio. Sempre vou até o final. Caminhando. Caminhando. Caminhando. Perto dos 40 e ainda me sinto um garoto de recados de mim mesmo, buscando uma resposta que ainda não me foi respondida. Caminhando. Caminhando. Caminhando. Aliás, respostas não é uma coisa que se encontra no furrundûncio da Praça.

– Vai onde com essa pressa gringo. – dispara Adriano.

Onde vou. Como vou. Utopias realizáveis. Realidades utópicas. Passando pelo Bar do Marie, nem notei a minha turma sentada. Desde de que voltara do meu mestrado em Massachuts, meus antigos amigos me chamavam de gringo. Achava aquilo uma pequena manifestação otária burguesa.

Fiz um círculo com o dedão e o indicador, e passei a língua ao redor dele.

Ex amigos, quem não evolui, não merece andar comigo. Prefere engordar vendo TV do sair pra viver o mundo. Esse é o cuiabano, agora, depois dessa nova colonização, uns quase gaúchos. Convenhamos: o cuiabano tem um quê dos gaúchos. Acham a sua querência o melhor recanto do Brasil. Não quero saber de amigos. Não quero saber das piranhas. Não quero saber de porra nenhuma. Só quero saber dele. A porra do Alemão. Magricelo, sem dentes, que me faz estremecer dos pés à cabeça.

– Vaza seu advogadinho de merda. Não aceito cartão, não vendo pedra fiado e não como cú de homem.

A hora que eu achar ele, vou dar um tiro na testa dele, e pego tudo dele.  Sei que esse 22 do meu velho pipoca de vez em quando, mas na testa não tem erro. Esse viado vai aprender a nunca mais vai caçoar de mim. Não sou advogado de merda. Fui terceiro lugar na UFMT. Meu pai me ajudou, como todo pai ajuda, mas não fez mais do que isso. Dou um tiro nele e pego aquele saco de pedra. Preciso de paz. Preciso que as pessoas me entendam. Não suporte essa burrice que o mundo se tornou. 

Uóóónnnnnnnnnnn, dispara a sirene e seu giroflex.

– Parado aí Playboy. Mão na cabeça. O que tá fazendo aqui na subida da Mota? E vestido de terno?- fala o policial pulando da Veraneio com o revolver em riste.

– Fui assaltado lá na Praça seu moço…… E foi por aquele filho da puta ali ó!!!!– aponto automaticamente para Alemão, meio ao longe, no meio da ladeira.

Sem nem perguntar o PM sai  correndo em direção ao Alemão  e dá dois tiros certeiros. Um tiro no estômago e outro no olho. Alemão caiu, como um saco sem penas. Nem me revistaram. Ele nem imaginou o porquê que morreu. E o pior de tudo, não vou conseguir pegar as pedras.

João Manteufel Jr.

About Author

Mais conhecido como João Gordo, ele é um dos publicitários mais premiados de Cuiabá e escreve semanalmente a coluna Caldo Cultural no Circuito Mato Grosso.

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