Cidades

Consumidor refém da regulação do mercado

A energia no Brasil é uma das mais caras do mundo. Na comparação com outros países, a tarifa energética brasileira que incide sobre as empresas está à frente tanto de nações ricas – como França e Estados Unidos – quanto daquelas que se encontram em desenvolvimento, exemplo de El Salvador e Índia, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Um fator que ajuda a explicar essa liderança é a forma como o setor está organizado economicamente, e que culminou no leilão realizado em 25 de novembro de 2015.

O Circuito Mato Grosso procurou o Dr. em Energia e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalvez Júnior, para dar seu parecer sobre o impacto na conta dos consumidores após o leilão de 29 usinas hidrelétricas, realizado no último dia 25 de novembro. O especialista em Regulação da Indústria de Gás e Energia Elétrica pela UNICAMP/UNIFEI/USP contextualizou as condições encontradas e os fatos que antecederam esse leilão, sublinhando que o setor energético brasileiro seguiu uma tendência mundial, ditada pelo neoliberalismo.

“Para atender as expectativas do capitalismo, frente à Ordem Neoliberal, a partir do fim dos anos 1970 houve uma nova estruturação para garantir os lucros do setor energético, que passou a ser divido em 3: geração, transmissão e distribuição, estabelecendo regras e seguindo uma organização demarcada que maximiza os ganhos”, disse.

De acordo com o professor, o modelo tarifário das empresas do setor segue a metodologia denominada Price Cap (preço-teto, numa tradução livre). O Price Cap é um método de regulação de preços desenvolvido na década de 1980, no Reino Unido, pelo economista Stephen Littlechild, que consiste basicamente na cobrança do serviço oferecido pelo maior preço possível, levando em conta o custo médio do mercado internacional, a taxa de inflação e a produtividade.

O Price Cap já embute na tarifa futuros investimentos a serem realizados pelo empreendimento, com um preço inicial que se baseia no maior custo para esse tipo de serviço no exterior. Um dos problemas da metodologia, segundo Gonçalves, é que o consumidor paga o mesmo valor até para os empreendimentos que já foram amortizados – ou seja, mesmo que os empresários já tenham quitado as dívidas que contraíram para viabilizar o negócio, ainda assim continuam cobrando o mesmo valor.

“Para atrair investidores do setor energético, você fixa um preço alto, o maior possível, baseado no que é praticado no mercado internacional. Tudo garantido por contrato. Nessa hora, antes mesmo de a empresa entrar em operação, define-se não apenas o custo, mas os próprios lucros do negócio”, pondera.

“Project Finance”

O Project Finance (projeto financeiro, numa tradução livre) é outro pilar que sustenta o setor energético brasileiro. Nas palavras do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), o termo designa uma forma de “engenharia financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse mesmo projeto”. De forma resumida, ele é um sistema de financiamento imposto pelos bancos que exigem “garantias de receita” como forma de fazer o negócio “sustentável”.

Nesse sistema, ao pleitear um empréstimo com um banco, por exemplo, o consórcio que fará o investimento na geração e transmissão de energia deve apresentar, em contrato, as garantias de receita – como acordos já realizados com outras empresas que comprarão o serviço oferecido pelo empreendimento, por exemplo.

O professor da UFMT explica que, ao levarmos em conta que o preço da tarifa já é estabelecido pela maior cifra possível e que uma nova planta de geração de energia já inicia sua operação com 70% de sua energia já vendida pelos próximos 30 anos – atendendo ao Project Finance em contratos chancelados pelo próprio governo – o setor de energia é organizado para atender os lucros, deixando em segundo plano a modicidade de uma tarifa que poderia ser justa para os consumidores.

“Com a nova arquitetura do Price Cap e do Project Finance você organiza o setor em três seguimentos (geração, transmissão e distribuição) e garante aos proprietários desse negócio muita receita, e muito lucro”.

 Pressão política nos bastidores

Como a política é o único recurso que consegue superar a influência do capital, é preciso levar em conta os bastidores da organização do setor energético.  A partir da crise econômica, que teve origem ainda em 2007, o Governo Federal começou a ser pressionado pelas empresas organizadas em associações, além de suas respectivas federações – como Firjan, Fiesp etc – a baixar os custos de energia. A saída encontrada foi atuar na geração, como explica o especialista da UFMT.

“O Governo Federal percebeu, em 2012, que possuía uma série de hidrelétricas que estavam com seus contratos de concessão vencidos, estavam à disposição do poder público. Além de serem estatais, os empreendimentos estavam amortizados, ou seja, pagos. Então o governo divisou ali uma possibilidade de cobrar apenas pelos custos de operação”, explica.

A medida, no entanto, encontrou resistência em três dos principais polos de consumo energético brasileiro: São Paulo (CESP), Paraná (COPEL) e Minas Gerais (CEMIG). Essas três empresas ainda não possuíam o contrato de concessão vencido, fato que ocorreria apenas em 2015. Numa decisão política, segundo o docente, as concessionárias dessas unidades federativas recusaram-se a entregá-las ao Governo Federal, mesmo este se comprometendo a cobrir o restante da amortização, o que acabou enfraquecendo a iniciativa.

“Em oposição ao Governo Federal, esses três governo estaduais enxergaram uma oportunidade que os credenciava junto aos empresários sob o argumento de que a União iria intervir no setor energético. O empreendedor, mesmo com seu empreendimento amortizado, não quer cobrar menos pelo serviço. A indústria não viu com bons olhos a iniciativa”.   

O professor da UFMT explica que a recusa dessas concessionárias obrigou as geradoras do sistema a vender energia no mercado de livre concorrência, uma vez que o fornecimento deste serviço a residências, comércios e indústrias de pequeno/médio porte – caso das concessionárias citadas – ocorrem somente no ambiente regulado, responsável por 70% desse consumo no Brasil.

No ambiente regulado a oferta e o preço praticado ocorrem em leilões realizados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), ao contrário da negociação tradicional, em que as condições são estabelecidas entre as partes.

Nos bastidores, essa queda de braço entre forças políticas e econômicas pressionou ainda mais o governo para garantir os lucros do setor.

Consumidor vai pagar R$ 2,3 bi a mais na conta

O contexto explicado anteriormente em relação à organização do mercado energético, com a maximização dos lucros garantidas pelo Price Cap, a retroalimentação deste sistema por meio do Project Finance, e a queda de braço nos bastidores econômicos e políticos, que teve um dos pontos altos na tentativa do governo em baixar a tarifa no ano de 2012, culminaram em mais um dispêndio para a população brasileira: o pagamento de R$ 2,3 bilhões, ao ano, a título de Receita de Bonificação por Outorga (RBO).

O leilão do dia 25 de novembro garantiu aos cofres da União um bônus de assinatura de R$ 17 bilhões. Contudo, para compor o Preço Teto (Price Cap), o governo, por meio da medida provisória 688 – aprovada pelo Congresso na madrugada anterior à negociação – garantia a RBO, com custo de R$ 2,3 bilhões ao ano que serão repassados aos consumidores.

A MP 688, que posteriormente foi convertida na lei 13.203/2015, alterou a lei 12.783/2013, que tinha o objetivo de baixar a tarifa de energia com a atuação do governo junto às geradoras, e que, por uma disputa política, praticamente perdeu sua essência. A 12.783/2013 previa apenas o repasse ao consumidor referente ao Custo de Gestão dos Ativos de Produção (GAG), que anualmente representaria um custo de R$ 826,85 milhões.

Este aumento garantido pela nova legislação, que visa atender as regras do mercado energético, impôs ao consumidor um repasse na tarifa 178% maior do que na comparação com a legislação anterior, nas empresas que já estão amortizadas, ou seja, como elas já estão em operação há a anos, o custo que foi dispendido para tirá-las do papel já foi pago.

Para o especialista em regulação energética da Universidade Federal de Mato Grosso, a maior parte da sociedade não tem acesso a este conhecimento técnico que explica a organização do mercado em favor do lucro ao detrimento da população e afirma que é ingenuidade esperar que a ANEEL defenda os interesses do povo brasileiro.

“As pessoas não possuem acesso a essas informações. Foi arquitetada uma instituição de Estado para garantir essa organização. É ingenuidade acreditar que a ANEEL irá nos defender”.               

Confira reportagem na íntegra na edição 567 do jornal Circuito Mato Grosso 

Diego Fredericci

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