Opinião

CONSTRUINDO A MANHÃ DESEJADA

A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por meio da Lei Federal Nº 8069/1990 trouxe para a realidade brasileira novas formas de compreender e tratar a questão da infância e juventude no Brasil, tanto no âmbito legal e jurídico quanto nas políticas públicas voltadas para esse público. Não há dúvidas, que o Brasil é um país pioneiro na consolidação de legislação sobre direitos da criança e do adolescente, que se tornou possível a partir de intensa mobilização social no processo de redemocratização e de debates históricos e controversos na política brasileira.

Tal instrumento jurídico traz em seu bojo as diretrizes da participação popular e da descentralização político-administrativa, possibilitando a abertura de espaços para a participação da sociedade civil na realização do controle social “democrático” das políticas sociais. Nesse período, é demarcado também um importante momento para o Serviço Social, no qual assistentes sociais, após intenso período de renovação profissional, desprendem-se das bases históricas que lhe forneceram legitimidade, ressignifica sua trajetória ético-política, culminando na construção do Projeto Ético-Político voltado para a defesa dos interesses da classe trabalhadora.

Nessa trajetória, a política da criança e do adolescente no Brasil experimentou diferentes arranjos, notando-se que as políticas públicas para essa área, ao longo dos anos, construíram caminhos desde a perspectiva corretiva e repressiva, que visava proteger a sociedade de crianças e adolescentes em situação irregular, até uma visão garantista, de proteção integral, compreendendo-os como sujeito de direitos.

Nesse percurso, passamos pela garantia jurídica que apontam para a consolidação do paradigma da proteção integral, entretanto, contraditoriamente, vivemos em um caldo cultural, social, histórico e político que alinha a política pública em sua execução, muitas vezes ao paradigma da situação irregular.

Eis o paradoxo atual e as contradições diárias e cotidianas que vivenciamos na área da infância e juventude nos municípios, estado e país.

Dentre os avanços que o ECA proporcionou, sem sombra de dúvidas, um dos principais, foi a criação dos Conselhos Tutelares, órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, que no Sistema de Garantias de Direitos (SGD) atua principalmente no eixo da proteção, desempenhando função estratégica para afirmação dos direitos de crianças e adolescentes e defesa daquelas em situação de vulnerabilidade biopsicossocial e vítimas de diversas formas de violação. São estruturas fundamentais para a tarefa de zelar pelo cumprimento dos direitos, atuando no enfrentamento à negligência, à violência física, à violência psicológica, ao abuso, à exploração sexual e a outras formas de violações que infelizmente vitimam crianças e adolescentes.

Considerando que são os Conselhos Municipais e Estadual de Direitos da criança e adolescente os responsáveis por elaborar e controlar as políticas voltadas à criança e ao adolescente, são os Conselhos Tutelares que podem garantir no seio da comunidade, eleitos democraticamente em processo de eleição unificada no país, que esses direitos sejam efetivados, já que atuam na aplicação e fiscalização das políticas, exercendo papel crucial na proteção jurídico social dos direitos da criança e do adolescente.

Assim, se faz necessário, em dia de comemoração e reafirmação da importância desses profissionais, Conselheiros Tutelares, conhecer, promover e fortalecer a atuação dessas estruturas imprescindíveis para a construção de um Estado, família e sociedade que olhe com mais atenção à população infanto-juvenil.

Possuímos avanços jurídicos, normativos e em algumas áreas de atendimento à criança e adolescente a busca pela prioridade absoluta já tem sido alçada. Visualizamos como um desses avanços a existência proporcional de unidades de Conselho Tutelar em cada município do Estado de Mato Grosso em atendimento à Resolução Nº 139/2010 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA).

Contudo, a clareza dos avanços, mas sobretudo a análise dos desafios e caminhos é que nos move a construir a manhã desejada: o desafio da intersetorialidade entre as políticas públicas para o efetivo atendimento da criança e do adolescente nos territórios em que vivem; a necessidade de integração operacional entre as políticas públicas; a busca incessante para a superação social e cultural da visão de que Conselheiros Tutelares são “comissários de menores que se encontram em situação irregular”; a clareza por operadores de direitos de crianças e adolescentes, pesquisadores, movimentos sociais e entidades que atuam na área de que os Conselhos Municipais tem apresentado significativas fragilidades e tem sido cada vez mais comum encontrá-los inativos ou com reuniões esporádicas; o desafio para a superação da visão “menorista” que rotula sobremaneira crianças e adolescentes, negros, pobres e de classes populares; o permanente  desafio da efetivação do Controle Social na Construção de Políticas para a Infância.

No Brasil possuímos pouco mais de 5.906 unidades de Conselhos Tutelares,  com quase 30 mil Conselheiros Tutelares em todo território brasileiro, zelando para que o paradigma da proteção integral seja defendido, executado.

Em Mato Grosso, 149 unidades de Conselhos Tutelares, e 745 Conselheiros Tutelares prestam atendimento à nossas crianças e adolescentes, muitos sem condições mínimas estruturais, como computadores, veículos, telefones, sistematização das informações, que nos faz buscar incessantemente no diálogo e incidência junto aos gestores, instituições de controle social, movimentos sociais, controle externo como Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado a efetivação dessas garantias.

Assim, visualizando os avanços e com garra para enfrentar os desafios, buscando assegurar as condições de exigibilidade dos direitos da criança e do adolescente é que parabenizamos os estimados Conselheiros Tutelares dos municípios de Mato Grosso e alertamos aos gestores municipais e estaduais  que “Investir em crianças e respeitar seus direitos formam a base de uma sociedade justa, uma economia forte e um mundo sem pobreza.”

 Sigamos, construindo diuturnamente a manhã desejada em prol das crianças e adolescentes.

Annelyse Cristine Cândido

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Annelyse Cristine Cândido Santos, é Assistente Social do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Conselheira do CRESS – MT e Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente (CEDCA – MT).

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