O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, contestou a decisão da juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, que decretou a prisão do ex-presidente da OAB-MT, o advogado Francisco Faiad.
Faiad – ex-secretário de Estado de Administração -, foi preso na última terça-feira (14), no Centro de Custódia da Capital, em decorrência da deflagração da 5ª fase da Operação Sodoma.
Por meio de nota, Lamachia criticou uma das fundamentações apresentadas na decisão da magistrada. Ela afirmou que Faiad poderia colocar em risco o andamento das investigações, caso continuasse em liberdade, uma vez que é advogado criminalista, tendo como clientes alguns figurões da política do Estado, como o ex-governador Silval Barbosa (PMDB). (leia a nota abaixo)
Para o presidente, a decisão pode ser considerada como uma “agressão” a classe de advogados.
“A argumentação, inclusive, fere o princípio constitucional da presunção da inocência, a partir do momento que a livre dedução de que o acesso do profissional da advocacia poderá – até mesmo de maneira hipotética como se depreende do tempo verbal escolhido pela referida juíza – atrapalhar a instrução criminal”, disse.
“Não obstante a falta de razoabilidade da fundamentação, não condizente com a postura de um julgador, é inadmissível que se confunda advogado e cliente. É preciso repelir essa agressão à advocacia sob pena de que o cidadão tenha seus direitos usurpados sempre que um julgador avaliar que o advogado ou advogada por ele constituído não é apto a ter acesso aos autos”, completou.
Ainda na nota, Lamachia disse que a OAB não aceitará tentativas de qualquer tipo de intimidação a advogados.
“Calar ou ceifar a advocacia, ou até mesmo tentar intimidá-la em sua atuação profissional com ordens de prisão como estas remonta aos tempos ditatoriais de um passado que já teve a sua página virada no Brasil graças à atuação dos advogados e advogadas brasileiros”, afirmou.
“A Ordem não compactua, nem nunca compactuará, com o uso da condição de advogado para fins estranhos ao efetivo exercício da defesa”, pontuou.
Por fim, o presidente disse que o Conselho Federal já está adotando as “medidas necessárias” para rever a questão.
Agravo
O presidente do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), André Stumpf Jacob Gonçalves, afirmou que a instituição pode apresentar um desagravo contra a juíza.
A medida será avaliada em procedimento interno aberto pelo tribunal, para analisar os fundamentos apresentados pela magistrada na decisão que decretou a prisão do advogado.
De acordo com André Stumpf, a declaração da magistrada acabou por atacar toda a classe de advogados.
"Nós abrimos este procedimento interno para apurar as violações de prerrogativas. Determinamos a instalação do procedimento interno para apurarmos, justamente, a ofensa à prerrogativa não só do advogado Faiad, mas também a ofensa a advocacia”, declarou ao Circuito Mato Grosso.
Stumpf diz que após apuração dos fatos Selma poderá se manifestar quanto ao procedimento.
“Nós temos um relator nomeado, ela [Selma Arruda] poderá responder se quiser. Mas ela vai ser oficiada para que possa se manifestar e tomar conhecimento do procedimento”, explicou.
Conforme explicou Stumpf, além do desagravo – ato público que visa combater a ofensa ou injúria sofrida por um advogado no exercício de sua militância ou em razão dela -, o tribunal também avalia a possibilidade de apresentar representações no Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso (CGJ-MT) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
As investigações
Nas investigações, Faiad é apontado pelo Ministério Público Estadual (MPE), como integrante de suposta organização criminosa que teria causado prejuízo de R$ 8,1 milhões aos cofres do Estado, por meio de cobrança de propina aos sócios das empresas Auto Posto Marmeleiro e da Saga Comércio e Serviço de Tecnologia e Informática Ltda., Juliano Volpato e Edézio Corrêa, em troca de contratos e de compras fraudulentas de combustível, entre os anos de 2011 e 2014.
Faiad atuaria na ordenação e execução do esquema para promover o desvio de receita pública que registrava e remunerava o consumo fictício de combustível nas melosas que compunham a patrulha da Secretaria de Transportes.
Com o esquema, o advogado teria desviado cerca R$ 1,7 milhão, dinheiro este que promoveu o pagamento de uma dívida de campanha eleitoral em 2012, na qual juntamente com o ex-vereador Lúdio Cabral (PT) concorriam ao cargo de vice-prefeito e prefeito, respectivamente.
Na última quarta-feira (17), a defesa de Faiad impetrou habeas corpus junto ao TJ-MT. A liberdade será analisada pelo desembargador Pedro Sakamoto, da 2ª Câmara Criminal.
Sodoma 5
Deflagrada no dia 14 de fevereiro, a Sodoma 5 investiga fraudes à licitação, desvio de dinheiro público e pagamento de propinas, realizados pelos representantes da empresa Marmeleiro Auto Posto LTDA e Saga Comércio Serviço Tecnológico e Informática LTDA, em benefício da organização criminosa supostamente comandada pelo ex-governador, Silva Barbosa.
As supostas fraudes em licitações teriam sido realizadas nos anos de 2011 e 2014.
Segundo a Polícia Civil apurou, as empresas foram utilizadas para desvios de recursos públicos e recebimento de vantagens indevidas, utilizando-se de duas importantes secretarias, a antiga Secretaria de Administração (Sad) e a Secretaria de Transporte e Pavimentação Urbana (Septu), antiga Secretaria de Infraestrutura (Sinfra).
As duas empresas, juntas, receberam aproximadamente R$ 300 milhões do Estado de Mato Grosso, em licitações fraudadas. Com o dinheiro desviado efetuaram pagamento de propinas em benefício da organização criminosa no montante estimado em mais de R$ 7 milhões.
Nesta fase, o ex-governador Silval, o seu ex-chefe de Gabinete, Silvio Cesar Côrrea Araújo e ex-secretário adjunto de Administração, José Jesus Nunes Cordeiro, tiveram uma nova ordem de prisão decretada.
Além deles a juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, decretou a prisão dos ex-secretários Valdisio Juliano Viriato (adjunto de Transportes) e Francisco Anis Faiad (Administração).
Leia a nota na íntegra:
"Zelar pela Constituição Federal não é apenas tarefa, mas dever juramentado por todos aqueles que escolheram a defesa da Justiça como profissão. Em seu artigo 133, a Carta Magna é taxativa ao assinalar que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Esses limites servem a toda sociedade, inclusive àquela parte que exerce o papel de julgador, não podendo tratar o que nela está disposto como mero detalhe ou instrumento de espetáculo. Assim, é motivo de veemente repúdio a decisão da juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda, que utiliza das prerrogativas da advocacia – previstas em lei – como argumentos para decretação de prisão preventiva.
Ao decretar prisão preventiva sob o argumento de que “advogados criminalistas têm conhecimento de fatos que poderão ser manipulados para atrapalhar a instrução criminal”, a magistrada demonstra contrariedade à ordem jurídica sob a qual se ergueu a própria Constituição Federal.
A argumentação, inclusive, fere o princípio constitucional da presunção da inocência, a partir do momento que a livre dedução de que o acesso do profissional da advocacia poderá – até mesmo de maneira hipotética como se depreende do tempo verbal escolhido pela referida juíza – atrapalhar a instrução criminal.
A própria julgadora afasta, em seu argumento, que ocorra interferência à instrução criminal – isto sim motivo para decretação da prisão preventiva – no momento em que trata a situação como hipótese.
“Além disso, especificamente no caso presente, poderá dificultar as investigações, utilizando-se de suas prerrogativas de advogado, inclusive para obter acesso em autos sigilosos, dados estes que um investigado qualquer jamais obteria”, argumentou a juíza ao decretar a prisão preventiva.
Não obstante a falta de razoabilidade da fundamentação, não condizente com a postura de um julgador, é inadmissível que se confunda advogado e cliente. É preciso repelir essa agressão à advocacia sob pena de que o cidadão tenha seus direitos usurpados sempre que um julgador avaliar que o advogado ou advogada por ele constituído não é apto a ter acesso aos autos.
Calar ou ceifar a advocacia, ou até mesmo tentar intimidá-la em sua atuação profissional com ordens de prisão como estas remonta aos tempos ditatoriais de um passado que já teve a sua página virada no Brasil graças à atuação dos advogados e advogadas brasileiros.
A Ordem não compactua, nem nunca compactuará, com o uso da condição de advogado para fins estranhos ao efetivo exercício da defesa.
Para a Ordem importa sim a conduta do profissional da advocacia dentro dos limites da lei. Tanto que faz parte de sua estrutura um Tribunal de Ética e Disciplina para apurar e punir, quando for o caso, aquelas condutas que não condizem com o que foi estabelecido pelo legislador.
A mesma conduta, dentro dos limites legais, é esperada do julgador para a boa administração da Justiça ao seu jurisdicionado. Atentar contra as prerrogativas profissionais da advocacia é atentar contra o direito do cidadão de se defender.
E é pela premissa assumida pela OAB ao longo de sua história, na defesa da sociedade e das garantias fundamentais, que não se furtará a adotar as medidas necessárias para assegurar o respeito à advocacia.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)"
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