Ela é apontada como a principal suspeita de ter provocado a morte do aluno, o soldado Rodrigo Claro, que participava do 16º curso de formação do Corpo de Bombeiros. O Circuito Mato Grosso buscou traçar o perfil da tenente BM Izadora Ledur de Souza Dechamps, que faltou à primeira audiência de instrução realizada na Sétima Vara de Cuiabá, na sexta-feira 26/01.
Nascida no dia 9 de junho de 1989 em Porto Alegre, Izadora Ledur de Souza Dechamps vem de uma família de militares, seu pai é coronel da Polícia Militar e seu marido é capitão do Corpo de Bombeiros. Ela é filha da professora da escola militar, a Escola Estadual de 1º Grau da Polícia Militar Tiradentes, Maristela Ledur de Souza, e de Pedro Sidney Figueiredo de Souza, um coronel aposentado da Polícia Militar de Mato Grosso, conhecido na instituição por ser um oficial pacífico e de bom diálogo. A tenente é casada com André Luiz Dechamps, atual chefe da Seção Administrativa (SAdm) do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso.
Izadora veio para Mato Grosso na infância, junto com a família, e foi morar na cidade de Barra do Garças (515 km de Cuiabá). Anos mais tarde mudou-se para a capital, onde ficou até o ano de 2008, quando com 19 anos passou para o Curso de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso e se apresentou à academia do Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás.
Em junho de 2011, se formava em Goiás a então aspirante a BM Izadora Ledur, se apresentando no dia 26 de dezembro de 2012 à 1ª Cia. Independente de Bombeiros de Barra do Garças. Na Companhia, a aspirante desenvolveu atividades no setor administrativo e operacional e posteriormente acumulou a função de subcomandante, participando e organizando vários eventos e projetos sociais.
Em meados de 2015, foi convocada a retornar à capital, como 1ª-tenente bombeiro militar, em que estava atuando até o fatídico dia 10 de novembro de 2016.
A infância de Izadora e dos dois irmãos teria sido marcada pela ausência do pai (coronel da PM). Em sua carta de despedida da Polícia Militar, o coronel mencionou esses episódios e agradeceu o apoio da família ressaltando que por estar ao lado de pessoas maravilhosas pôde desenvolver seus trabalhos com tranquilidade e harmonia.
O coronel ainda relatou que sempre cuidou e protegeu os seus maiores tesouros, que são a sua esposa e os seus filhos, a quem dedicou todo o seu trabalho e amor. Sidney enquanto militar sempre mostrou a necessidade de estimular o ensino e a cultura de paz e as atitudes de pacificação.
Linha dura e tortura
Conforme os depoimentos de sexta-feira (26), no Fórum de Cuiabá, a tenente Izadora mostrou-se contrária à pacificidade pregada pelo pai. Os alunos bombeiros relataram que desde o início a instrutora mostrou-se ‘Caxias’, exigindo de seus subordinados o máximo de aplicação, empenho e eficiência.
Entre o perfil disciplinador e autoritário, vinha junto com a oficial a personalidade de torturar alunos que não conseguiam realizar com maestria as atividades ordenadas. “Antes de começar o curso, algumas pessoas no quartel comentavam que ela (Izadora) era tida como a nº 1 do curso dela e corria e nadava como homem”, disse Airton dos Santos.
Ledur era temida pelos alunos pelo jeito que conduzia a tropa. Segundo os relatos, ela seria a única que praticava tortura contra os participantes do curso e não deixava nenhum outro militar ajudar os alunos enquanto eles sofriam humilhações em suas aulas.
A primeira pessoa a ser ouvida pelo juiz Marcos Faleiros e a promotoria foi o neurocirurgião Roger Thomaz Rotta Medeiros, que atua em um hospital particular da capital e atendeu Rodrigo Claro após ele dar entrada na unidade com sangramento interno na cabeça.
Durante o seu depoimento, o especialista, usando termos técnicos, inicialmente parece isentar a culpa de Izadora na morte de Rodrigo Claro. “Nenhum dos que estão aqui presentes nesta sala está livre de sofrer um aneurisma ou rompimento de vaso, que foi o que aconteceu com o Rodrigo no dia do fato, foi um vaso que rompeu, porém não tem como saber o motivo do rompimento”, alegou o médico.
Porém, em outra parte do depoimento, o neurocirurgião explicou que no dia em que atendeu Rodrigo chamou sua atenção nos exames a constatação de grande perda muscular no jovem. E isso sim pode ter sido causado pelo esforço muscular prolongado nas atividades realizadas.
O segundo e mais emocionante depoimento da tarde foi do soldado Airton dos Santos, que disse que não conhecia Rodrigo antes de iniciar o curso de formação de soldados, porém por pertencerem ao segundo pelotão passaram a ter convívio 24 horas por dia.
Em sua fala, Airton disse ao magistrado que alunos que fizeram cursos anteriores com Ledur o alertaram de que a oficial gostava de “judiar” de alunos.
“Ela era muito má, ela gostava de judiar da gente, ela vivia dando ‘caldos’ para a gente ficar sem ar e a sensação de estar afogando é ruim, caldo é ruim demais, ninguém merece passar por isso. Mesmo o Rodrigo pedindo para ela parar e que queria sair da água, ela não deixava”, contou.
Durante a sua oitiva, ele explicou que os alunos que pediam para sair ou não executavam as atividades eram castigados tanto física quanto psicologicamente: “Ela nos xingava de ‘bichinhas’, que não éramos homens para usar farda, e vivia falando para o Rodrigo deixar de ‘frouxura”, explicou Airton.
Em depoimento as testemunhas afirmaram que a perseguição de Ledur contra a vítima teria começado por conta de um atestado médico. O ex-aluno apresentou um atestado médico ficando impedido de praticar atividade aquática. “A partir desse dia, ela começou a olhar para o Claro diferente e começou a pegar no pé dele, e ela sempre ficava próximo dele nas atividades e dava caldo e exigia sempre o máximo do Rodrigo, mesmo ele estando exausto algumas vezes”.
Terror na lagoa
“No dia do treinamento na Trevisan, o Rodrigo pediu para trocar de ‘canga’ (parceiro), que era uma aluna, e eu fui o parceiro dele no dia. Já na metade do percurso da travessia, o Rodrigo começou a apresentar dificuldades e quis sair da água, sendo impedido pela tenente”, afirmou Maiuson da Silva Santos.
O soldado ainda relatou que Rodrigo, ao concluir a travessia com sua ajuda, já não tinha forças para voltar e era impedido de sair da água por Ledur.
“Ele, desesperado para sair da água, acabou acertando o braço dela ao se debater e ela foi para cima dele perguntando se ele iria agredir uma mulher, se bateria em uma oficial, e o Rodrigo só pedia para sair e parar. Na volta eu voltei rebocando ele e outros dois soldados ajudaram ele mais à frente, mas como não aguentaram voltei a rebocar o Rodrigo”, contou ele.
O rapaz relatou um verdadeiro cenário de filme de terror à Justiça. Questionado sobre o que aconteceu durante essa volta, Maiuson disse que a tenente Ledur passou a dar caldos em Rodrigo. Ele pedia insistentemente para a tenente parar os caldos, porém ela continuava. Para não deixar Rodrigo morrer afogado, Maiuson mergulhava e subia novamente empurrando Rodrigo com a tenente em cima dele, para que a vítima pudesse respirar.
Outros dois formandos do 16º curso de formação de soldado prestaram depoimentos e também reforçaram o perfil psicológico de praticar tortura da tenente Izadora Ledur.
Julgamento em espera
A família de Rodrigo Claro aguarda por 14 meses a justiça, porém até o momento, ninguém foi condenado pela morte de Rodrigo e a família segue angustiada. O juiz Marcos Faleiros marcou para o dia 3 de abril audiência para ouvir a família de Claro e mais testemunhas.
Mesmo diante da estratégia da defesa, a juíza Selma Rosane Arruda, da Sétima Vara Criminal, acatou a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) contra a tenente, que virou ré e passou a responder pelo crime de tortura. No entanto, o próprio MPE pede que o caso seja julgado na Vara Militar, por conta de nova legislação.
Para Jane, caso tal decisão seja aceita, ela acredita que a tenente Ledur conseguirá ser absolvida, enquanto na Justiça comum existe mais chance de ser julgada e condenada. Em 2015, a Vara de Crimes Militares arquivou um inquérito contra Ledur que investigava outros excessos também durante treinamento de alunos soldados.
A alteração na legislação tem origem no PLC 44/2016, aprovado na Câmara dos Deputados em julho de 2016 e no Senado no dia 10 de outubro. O texto altera o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001 de 1969) para prever que serão da competência da Justiça Militar da União os crimes dolosos (intencionais) contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civil.
Na audiência, as defesas dos outros réus afirmam que são favoráveis à permanência da ação penal na 7ª Vara Criminal. Em publicação que circula no Diário Oficial de Justiça, o magistrado determina que os advogados de defesa de Ledur se manifestem no prazo de cinco dias sobre o parecer que pugna pelo declínio da competência para processar e julgar estes autos para o Juízo da 11ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
Izadora também figura como ré em outra ação criminal na 2ª Vara Criminal da Capital. O processo movido pelo Ministério Público Estadual se refere a uma denúncia anônima encaminhada ao MPE que acusa a tenente Ledur de fazer pressão psicológica em alunos, durante os treinos do 15º Curso de Formação dos Bombeiros.
Devido a oito atestados médicos apresentados por Izadora Ledur, a investigação realizada pelo Conselho de Justificação Militar do Corpo de Bombeiros que irá apurar se ela tem condições ou não de permanecer na corporação é adiada sucessivamente. A defesa tem usado dos atestados para adiar a decisão do conselho, e assim a prescreve, tendo em vista que a investigação tem prazo para acabar.
A morte de Rodrigo
Dia 10 de novembro de 2016 e o cenário era a Lagoa Trevisan, em Cuiabá. Alunos realizavam treinamento do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso. Depois de sofrer uma sessão de tortura com caldos e humilhações, Rodrigo teria engolido muita água e vomitou bastante na beira do lago. Ele alegou estar sentindo fortes dores na cabeça e pediu para ser liberado, indo por conta própria até a Policlínica do bairro Verdão, onde recebeu o primeiro atendimento, e ali se notou que a situação do jovem era gravíssima.
O jovem Rodrigo morreu após cinco dias internado no Hospital Jardim Cuiabá, na capital. Ele deu entrada no hospital com aneurisma cerebral.
O jovem já havia comunicado sua mãe sobre a conduta da oficial com ele. Rodrigo afirmara que ocorreram outros casos e que as sessões de afogamento eram comuns. Outros alunos que estiveram no curso confirmaram a perseguição da tenente com o então aluno.
Rodrigo, no dia da aula na Lagoa Trevisan, horas antes chegou a enviar uma mensagem no celular de sua mãe relatando que estava com medo da aula e de Izadora Ledur, que estava pressentindo que algo não acabaria bem naquela tarde. Desde então a família busca por justiça e luta pela condenação da tenente.
Outro lado
Desde a morte de Rodrigo, a tenente buscou afastar-se dos “holofotes” e não concedeu nenhum tipo de entrevista ou depoimento aos veículos de comunicação. Os advogados da oficial também buscam manter em sigilo a versão de sua cliente. Em sua única declaração a um veículo de comunicação de Mato Grosso, ela disse que não concede entrevistas, pois já foi “condenada e julgada” pela opinião pública.
A tenente do Corpo de Bombeiros, mesmo afastada das atividades por conta dos atestados, continua recebendo o seu salário integralmente, hoje no valor de R$ 13.299,00.
A Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar de Mato Grosso (Assof-MT) informa que todos os atestados médicos foram necessários, pois a tenente estaria muito abalada psicologicamente com o caso e também o tratamento de saúde seria necessário.
Em agosto de 2016, a Assof chegou a encaminhar uma nota à imprensa alegando que a tenente não seria culpada pela morte de Rodrigo e que seu julgamento pela sociedade era algo desnecessário.
“Nos últimos meses temos acompanhado uma verdadeira condenação em praça pública da tenente BM Izadora Ledur, com matérias e comentários tendenciosos que tentam convencer a opinião pública de que a oficial teria relação com a morte do aluno soldado Rodrigo Claro”, dizia trecho da nota assinada pelo presidente da Assof, tenente-coronel Wanderson Nunes de Siqueira.