Responsável por um desvio de R$ 172,5 milhões dos cofres públicos, segundo o Ministério Público, o ex-deputado estadual e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Humberto Melo Bosaipo, recebe da mesma Assembleia Legislativa que o teria ajudado a roubar recursos públicos, um valor mensal, junto com sua esposa, de R$ 28,2 mil por mês.
O rombo, que teria sido provocado por Bosaipo em conluio com o ex-deputado José Geraldo Riva, é representado pelas 77 ações civis públicas de improbidade administrativa, com pedidos de devolução de dinheiro desviado do erário a que ele responde na Justiça. O levantamento foi feito pela reportagem do jornal A Gazeta para mais uma matéria da série O Crime Compensa?, com dados do próprio Ministério Público e do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Apesar de possuir uma série de condenações que somam 68 anos de prisão, Bosaipo é um dos poucos ex-deputados de Mato Grosso envolvidos em corrupção que pode orgulhar-se de nunca ter sido preso. Até agora o ex-parlamentar espera uma decisão em segunda instância que, há pelo menos três anos, não é emitida por qualquer órgão colegiado do TJMT – seja uma turma, câmara ou o pleno do judiciário.
Desde 2009, quando saiu da Assembleia Legislativa, Bosaipo manteve ligações com o poder público, recebendo recursos dos cofres dos quais ajudou a desviar dinheiro. Segundo dados mais antigos da Assembleia Legislativa, de 2016, o ex-parlamentar chegou a receber R$ 15,9 mil líquidos de aposentadoria. A partir de junho de 2017, sua remuneração foi reduzida para R$ 8,4 mil.
A mulher de Bosaipo recebe um salário maior ainda, sua remuneração é de até R$ 22,5 mil líquidos, valor que oscila entre os R$ 19 mil e R$ 20 mil, conforme o mês. Há uma série de contestações quanto a estabilidade da esposa do ex-parlamentar e, por conta disso, o Ministério Público move uma ação desde 2017 em que alega irregularidade na sua efetivação.
Investigações do Ministério Público indicam que Bosaipo pode ter enchido a Assembleia de parentes. Familiares de sua esposa, por exemplo, teriam ganho cargos no legislativo. Um deles, já aposentado, recebendo cerca de R$ 17 mil enquanto o outro, servidor ainda ativo, ganha R$15,5 mil por mês. Ao todo, a família de Bosaipo embolsa cerca de R$ 44 mil dos cofres da Assembleia todo mês.
Contra estes dois parentes do ex-deputado foi feita uma denúncia apontando concessão inconstitucional de estabilidade, além de nepotismo. A denúncia resultou em uma ação civil pública, também contestando a estabilidade dos dois servidores, mas sem citar a questão do nepotismo.
Condenações
As ações civis são movidas pelo Ministério Público há pelo menos dez anos. E, mesmo assim, o ex-parlamentar nunca foi preso. Bosaipo, porém, foi condenado em três ocasiões diferentes, a quase 70 anos de prisão. Todas as condenações foram feitas por juízes da Sétima Vara Criminal, onde correm os processos aos quais ele responde.
A primeira sentença veio em novembro de 2017, muitos anos depois da Polícia Federal ter deflagrado a operação Arca de Noé, em 2002, quando os investigadores descobriram que Riva, Bosaipo e outros deputados emitiam cheques em nome da Assembleia para empresas fantasmas ou empresas que não prestavam serviços.
Naquela ocasião, Bosaipo foi condenado, pela primeira vez, a 18 anos e 4 meses de prisão, a sua menor pena até aqui. A sentença tratava de denúncia que apontou a emissão de 32 cheques que foram repassados à empresa Edilamar Medeiros Sodré e compensados pela Confiança Factoring, do bicheiro e agiota João Arcanjo Ribeiro.
Os cheques também foram sacados na boca do caixa por servidores da Assembleia que teriam participado do esquema.
Em outubro de 2018 ele recebeu sua segunda condenação, quando foi sentenciado a 28 anos e 10 meses de reclusão pelo juiz Jorge Luiz Tadeu Rodrigues. A sentença também indica lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos. Nessa ação, Bosaipo tentava suspender a juíza Selma Rosane Arruda, acusada de ser parcial, mas com a aposentadoria da magistrada e sua substituição, a condenação veio mesmo assim.
Outra sentença assinada pelo juiz Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, a mais recente de todas, é de abril deste ano. Nela, o ex-conselheiro foi condenado a devolver R$ 4,9 milhões aos cofres públicos. Na sentença, o magistrado diz que a culpabilidade do ex-presidente da ALMT é altíssima e que ele teria forjado operações na Assembleia através da empresa M.T. Nazareth, provocando um desvio de R$ 2,2 milhões.
Bloqueio de bens
Com exceção das condenações, o bloqueio de bens tem sido uma das decisões mais contundentes contra Bosaipo, que volta e meia tenta reverter o congelamento judicialmente. Um dos bloqueios mais recente data do de abril deste ano, quando o juiz Bruno DOliveira Marques, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, mandou congelar até R$ 1,3 milhão de Bosaipo e de Riva.
Houve bloqueios também em decisões superiores. Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os ex-políticos não pudessem movimentar seus bens. Três anos depois, em 2016, a indisponibilidade de bens foi determinada por conta de um desvio de R$ 1,7 milhão provocado por pagamentos em cheque, por meio da Confiança Factoring, a Ledis empresa Araújo – Táxi Aéreo.
Outro bloqueio, de R$ 8 milhões determinado em outubro de 2018, foi realizado porque Bosaipo acumulou, durante muitos anos, três aposentadorias. Uma pela Assembleia, uma por ter ocupado o cargo de governador interino durante apenas o mês de novembro de 2002, e outra por ser conselheiro titular do TCE.
Na Assembleia ele recebia por ter se aposentado como técnico legislativo (aposentadoria que recebe até hoje). Além disso, recebia R$ 12,2 mil por ter sido governador por um mês e R$ 28,4 como conselheiro. Bosaipo foi afastado do cargo por suspeitas de que teria articulado a compra da sua vaga no órgão. Em 2014 ele pediu exoneração em uma manobra da defesa para que seu processo descesse de instância judicial e as condenações fossem postergadas.
Outro lado
Por meio de nota, a defesa de Humberto Bosaipo informou que o MPMT entrou com vários processos para dificultar a ação da defesa e que há provas, com gravações em oitiva, do uso desta tática. Informa ainda que a manobra teve intenções políticas. Os advogados do ex-deputado também afirmaram que não existem provas das acusações e que as provas entregues pela defesa não foram apreciadas.
Sobre o acúmulo de proventos, a defesa informou que o caso não está sujeito ao teto constitucional e que outros políticos também desfrutam do direito.
Sobre os bloqueios judiciais, a informação é de que são meramente assecuratórias e que a única sentença com bloqueio trata de um caso em que o recurso da defesa não foi analisado.