Opinião

“Conclave”: o pecado oculto por trás das vestes sagradas

Conclave é um filme britânico-estadounidense de suspense e mistério lançado em 2024, dirigido por Edward Berger e roteirizado por Peter Straughan, baseado no romance homônimo de Robert Harris, publicado em 2016. Com um elenco de peso formado por Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow, Sergio Castellitto e Isabella Rossellini, o longa mergulha nos bastidores da Igreja Católica, revelando as disputas de poder e os segredos ocultos que permeiam o processo de escolha do novo Papa.

A trama tem início com a morte repentina do Papa, vítima de um ataque cardíaco, desencadeando a convocação do Colégio de Cardeais para a realização de um conclave. A liderança do processo fica a cargo do cardeal-decano britânico Thomas Lawrence, interpretado com maestria por Ralph Fiennes. Isolados em reclusão no Vaticano, os cardeais enfrentam não apenas o desafio espiritual de eleger um novo pontífice, mas também as tensões políticas que dividem a cúpula da Igreja.

Quatro candidatos despontam como favoritos: Aldo Bellini, dos Estados Unidos, um liberal alinhado à visão progressista do Papa falecido; Joshua Adeyemi, da Nigéria, defensor de uma postura conservadora e tradicionalista; Joseph Tremblay, do Canadá, que representa uma linha moderada; e Goffredo Tedesco, da Itália, um tradicionalista rígido com forte base interna no Vaticano.

Enquanto esses nomes disputam silenciosamente o trono de São Pedro, o cardeal Lawrence se vê envolvido numa investigação paralela, ao descobrir segredos explosivos que podem comprometer não apenas a escolha do próximo Papa, mas a credibilidade da própria Igreja. O filme, assim, constrói não apenas um thriller político, mas uma poderosa crítica à hipocrisia institucional.

Ao longo do enredo, Conclave confronta o espectador com a tensão entre a doutrina que prega humildade, verdade e espiritualidade, e os bastidores carregados de vaidade, ambição e silêncio cúmplice. É um retrato contundente da distância entre o discurso moral da Igreja e as práticas internas que ela oculta — muitas vezes em nome da preservação de seu poder.

A atuação de Ralph Fiennes é o coração emocional do filme. Seu cardeal Lawrence é um homem atormentado pela verdade, mas guiado por um senso de justiça que o distância do jogo político ao seu redor. Fiennes entrega uma performance densa, marcada por olhares introspectivos e uma tensão constante entre dever institucional e ética pessoal. Stanley Tucci, John Lithgow, Sergio Castellitto e Isabella Rossellini também se destacam ao compor, com nuances e sobriedade, personagens que transitam entre a fé e a ambição.

No aspecto técnico, Conclave é um espetáculo de elegância visual e sonora. A fotografia de Erik Alexander Wilson utiliza o contraste entre luz e sombra para criar uma atmosfera opressiva e simbólica, destacando o peso das decisões e a presença constante do sagrado — e do profano — nos corredores do Vaticano. A direção de arte capricha na recriação dos ambientes do conclave, evocando solenidade, clausura e tensão.

A trilha sonora, composta por Volker Bertelmann, acompanha com sutileza cada movimento da narrativa, reforçando o clima de mistério e dúvida sem jamais se sobrepor às cenas. São composições discretas, mas densas, que evocam espiritualidade e suspense, conduzindo o espectador por esse labirinto de incertezas com elegância sonora.

Sob a direção precisa de Berger, o filme evita o sensacionalismo e aposta numa crítica sóbria, mas incisiva, à estrutura e às contradições da Igreja. A adaptação de Peter Straughan é fiel ao espírito da obra original de Harris, trazendo à tona o dilema entre preservar a imagem da instituição e enfrentar a verdade — por mais desconfortável que ela seja.

Conclave é, portanto, um retrato sofisticado da luta entre fé e poder, idealismo e realpolitik, silêncio e revelação. Com atuações de peso, técnica refinada e um roteiro provocativo, o filme se consolida como uma das obras mais instigantes sobre os bastidores do Vaticano e sobre os limites da moralidade em nome da fé.

Vale a pena assistir e refletir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

About Author

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Deixar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do