A garantia do anonimato na doação de gametas ou óvulos para inseminação artificial é um tema que gera controvérsias. Isso porque cada país tem uma legislação específica para regulamentar as técnicas de reprodução assistida.
Se nos Estados Unidos e em outras nações existe a possibilidade de descobrir a identidade do doador – caso ele tenha manifestado essa vontade no ato da doação –, no Brasil é quase impossível quebrar o anonimato.
Essa discussão veio novamente à tona com a novela “Sete Vidas”, de Lícia Manzo, exibida pela TV Globo. Miguel, interpretado por Domingos Montagner, é um fotógrafo que, no passado, fez uma doação anônima a um banco de sêmen. Dessa doação, seis crianças foram geradas, com diferentes mães. Tudo o que os jovens sabem é que foram gerados a partir da senha “251”, em uma determinada clínica dos Estados Unidos. Dessa maneira, os meio-irmãos se encontram e iniciam uma busca clandestina pelo pai desconhecido.
Caso de morte
Os desdobramentos da novela “Sete Vidas” só acontecem na ficção. Já na vida real, a quebra do anonimato de doações feitas no Brasil só é possível em situações muito específicas.
“Pode acontecer em caso de morte, por exemplo, em que é necessário fazer a identificação por carga genética e o doador é a única possibilidade. Nesse caso, existe uma decisão judicial que determina a abertura do sigilo, junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas não existe outra maneira. A condição primordial de quem doou o material é a de permanecer no anonimato”, explica Arnaldo Cambiaghi, diretor do Centro de Reprodução Humana do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia (IPGO).
Quando um casal decide se submeter ao processo de inseminação artificial, é possível utilizar material genético disponível nos bancos brasileiros ou importar de algum outro país. Por isso, pode existir alguma confusão quanto à legislação que deve vigorar em casos como esse, quando os gametas são importados.
“Se o casal fizer o procedimento em outro país, o que vale são as regras de lá. Hoje, no Brasil é possível utilizar material de bancos estrangeiros e isso causa confusão. Uma vez que eu importei esse sêmen e vou executar o procedimento aqui, o que vale são as regras do Brasil. Mesmo importando o material, e isso é responsabilidade da clínica e dos importadores, devo selecionar amostras de doadores que não aceitam ser reconhecidos”, ressalta Mauricio Chehin, do Grupo Huntington Centro de Medicina Reprodutiva.
Portanto, a opção por descobrir a identidade do doador, quando este deixa a escolha em aberto, só é possível se o tratamento for executado em um país cuja legislação médica permite essa quebra.
Para Mauricio, o anonimato consegue evitar algumas situações de conflitos éticos e sociais, mas também pode ser muito taxativo. Uma mulher, por exemplo, não conseguiria doar os próprios óvulos para a irmã gêmea, já que a doação no Brasil tem a obrigatoriedade de ser anônima.
A grande questão é que não existe uma legislação específica para regulamentar técnicas de reprodução assistida. Na ausência dessa legislação, o que vale são as diretrizes do CFM.
Laços fraternos
E como ficam os meio-irmãos, gerados a partir da mesma amostra de sêmen? Eles podem se conhecer? Essa é a situação inicial vivida pelos jovens de “Sete Vidas”, e que já acontece na vida real.
Nos Estados Unidos, o site Donor Sibling Registry permite que meio-irmãos se encontrem a partir da senha registrada na doação e com a informação da clínica onde foi realizado todo o procedimento, independentemente da vontade do doador de ser reconhecido ou não. O site também possui um grupo “secreto” no Facebook, em que os membros podem compartilhar experiências e fazer o primeiro contato com outros familiares. Até esse ano, o DSR já conseguiu colocar em contato mais de 12 mil irmãos.
Esse é um “buraco” na legislação brasileira que também permite que pessoas geradas a partir da mesma amostra consigam ter algum tipo de contato, com o auxílio de sites de busca e grupos nas redes sociais. Isso não muda a decisão pelo anonimato do doador, porém.
“Normalmente, o doador tem uma única senha em uma clínica. Talvez essa senha mude quando são doações que têm um intervalo de tempo maior. Mas todas as amostras desse doador terão o mesmo número de identificação. Essa pode ser uma maneira de achar os familiares. Aqui, é possível que meio-irmãos se encontrem. Mas não adianta se juntar para achar quem é o pai. Sem que exista um procedimento judicial, não é possível”, reforça Mauricio Chehin.
Fonte: iG