Fúlvio Eduardo Escobar foi um meteoro. Daqueles estilo Harley, que não aparecem toda hora. Tinha uma qualidade rara. Era meu grande amigo. Meu e de mais umas 250 pessoas. Todo mundo amava Fúlvio. Seus apelidos, davam luz a sua patente: Orgulho, General, Fuvião! Assim, no superlativo. Tentei buscar na minha memória uma confusão, uma briga, uma discussão que tive com ele. Sem chance. O que me veio à cabeça foi um dia em que ele salvou a minha vida!
Na década de 90, Cuiabá era dividida em turmas. Tinha Bafão, Mingau, Fodedozão, Gurizada, Turma do Boa. E essa Turma do Boa, não gostava de jeito nenhum da gente. Estávamos comendo um espetinho no antigo bar de Beto Dock, quando uma carreata da Turma do Boa apareceu. Gritaria. Uma loucura total. Carreata mesmo, pareceria coisa de Mad Max. Duas Saveiros com gente até no sapicuá, mais dois carros rebaixados, não sei se era de gente ou se era da moda. Só vejo ao lado da mesa, Fúlvio já dentro do Fezes( meu Gol cor de ……..) buzinando e acelerando:
– Bora, Junior! Bora que eles querem pegar é a gente!
Entro no carro como um foguete. Do mesmo jeito que Fúlvio saiu em direção a Perimetral, com aquela frota de carros atrás de nós. A gente nem sabia a razão. Mas naquela época era assim. E lá na Perimetral, a tacada de mestre. Sem titubear, bem devagarinho, Fúlvio atravessa o canteiro da rua, o que seria impossível para os carros dos playboizinhos. Com um riso no rosto, dá tchauzinho pela janela. O mesmo sorriso que me despeço dele desde que seu caso se agravou.
Sempre fui covarde. Não fui ao enterro. Ver a cena dos amigos segurando o caixão, foi um baque. Era pra eu estar ali. Segurando. Nesse momento passa um filme. Tudo que rolou. Começou com as nossas idas ao SOS Burguer, ao Celso Maluco, com seu Fiat 147 marrom, o Rafael. Até hoje não perguntei o porquê do nome, mas combinava com o carro. Lembro dele nossas partidas de futebol. Lembro dele no enterro do meu pai. Lembro das risadas. Dos papos. Lembro dele de termos combinado de ir a todos jogos do Cuiabá, assim que tomássemos a vacina. A morte nos ensina muitas coisas. A primeira delas, parece óbvia, mas demora pra gente entender: as pessoas morrem. Elas se vão mesmo. E fica tanta coisa que você queria dizer e não disse. Tanta coisa que queria falar e não falou. No sábado, depois do almoço, lá pelas uma e quinze, mãe de Fúlvio escuta alguém chamar no corredor:
– Lilian!
Parecia a voz dele. Corre pra ver e não vê ninguém. No judaísmo, dizem que a morte é um navio grande, majestoso, que está no cais, partindo lentamente. O navio vai deixar de estar na sua frente. O navio vai sumir no horizonte. O navio vai encantar em outras águas. Mas você nunca se esquecerá, de quão majestoso, foi ter visto este navio. Fico pensando na trilha sonora da embarcação. O maestro, não vai ter dúvidas:
– Como é que uma coisa assim machuca tanto
E toma conta de todo o meu ser
É uma saudade imensa que partiu meu coração
É a dor mais funda que a pessoa pode ter