A imbricação de vários crimes no tráfico de pessoas é vista como desafio para combate de casos, diz o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT). O crime, antes diretamente ligado à finalidade de exploração sexual da vítima, passou a abranger as condutas de “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso”, com a promulgação da lei 13.344/2016, de outubro de 2016.
O escopo de classificação do crime alcança agora também outras práticas criminosas como remoção de órgãos, submissão a trabalho em condições análogas às de escravo ou servidão, adoção ilegal ou exploração sexual.
“Ante a alteração, outras condutas antes não consideradas como tráfico de pessoas passaram a sê-lo, alargando, também o espectro de atuação dos órgãos fiscalizadores. Ademais, a lei n. 13.344/2016 promoveu uma alteração na estratégia de enfrentamento ao tráfico, mais alinhada com as normas internacionais a respeito do tema (em especial, o Protocolo de Palermo), incluindo uma rede de proteção e assistência às vítimas, além de políticas de prevenção – e não apenas repressão – ao crime”, explica a procuradora do Trabalho, Lys Sobral Cardoso.
Ela diz que tráfico de pessoas pode incluir acuações para trabalho análogo à escravidão sem que haja transporte da vida de um local para outro. Em Mato Grosso, no entanto, a zona rural ainda concentra os flagrantes de casos.
“O tráfico de pessoas, por possuir caráter multidisciplinar, desafia a atuação de diversos órgãos de fiscalização e repressão, dentre os quais o Ministério Público do Trabalho, que age no combate às formas ligadas à exploração de pessoas para o trabalho em regime de servidão ou em condições análogas às de escravo, inclusive em casos envolvendo crianças e adolescentes”.
De janeiro a outubro deste ano foram registrados 156 casos de resgate de vítimas da submissão a condições análogas às de escravo em Mato Grosso. A maior incidência de casos ocorre na zona rural, envolvendo trabalhadores do sexo masculino.
O trabalho escravo é hoje a maneira mais comum de crimes ocorridos por meio de tráfico de pessoas. O Ministério do Trabalho afirma que dados de relatório do Ministério das Relações Exteriores mostram que somente em 2013 foram registrados 62 casos de tráfico de pessoas no Brasil, 41 (66%) de tráfico para exploração sexual e 21 (34%) para trabalho escravo.
Ainda, nos casos envolvendo a exploração sexual, constatou-se a maioria de vítimas mulheres (36) e, naqueles envolvendo o trabalho escravo, maioria de vítimas homens (11).
“Em Mato Grosso, a rede de proteção e assistência às vítimas conta, ainda, com a atuação integrada do poder público e da sociedade civil organizada, tendo sido formado, em 2012, o Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CETRAP), com vistas à atuação preventiva e repressiva”, diz procuradora.
Subnotificação
A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoa de Mato Grosso, Dulce Regina Amorim, diz que há subnotificação de casos. O desconhecimento sobre o crime de tráfico de pessoas, associado à falta de preparo da maioria de agentes públicos que podem averiguar situações suspeitas, faz os números serem um fraco reflexo da realidade.
Entre 2015 e 2016, houve registro de oito casos de contrabando de pessoas para trabalho escravo, exploração sexual e trabalho infantil. “Mas isso pode estar longe da realidade. Para se ter ideia, em um dia conversei com duas pessoas que sabiam de casos de tráfico, inclusive, uma delas se identificou como vítima. Todos os dias sabemos de algum caso, mas não podemos dizer que essa é média de Mato Grosso. Pode ser maior”.
Dulce Regina afirma que policiais rodoviários e agentes de monitoramento de fronteiras devem ser o principal grupo de capacitação para identificar o tráfico de pessoas. “Mas ainda falta essa sensibilidade, pois ainda não se pergunta se a pessoa que está de acompanhante está viajando por vontade própria, e essa se sente ameaçada não vai contar que está sendo traficada”.
A coordenadora afirma que o Núcleo, que ainda não tem atividade autônoma, trabalha três eixos: prevenção de crimes, atendimento à vítima e defesa e responsabilização dos aliciadores.
“Já temos uma data para intensificar os trabalhos que é o Julho Azul. Mas o Núcleo tem a função de avaliação de políticas públicas, de atendimento às vítimas e a cobrança dos culpados”.