Cidades

Com obra emperrada, Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá está no limite

Fotos: Willian Matos/Tony Ribeiro

João Santana chegou ao Pronto-Socorro de Cuiabá para operação de apendicite como enviado de cirurgião de hospital no interior de Mato Grosso. Um procedimento simples, na comparação com outras intervenções, e que poderia ser realizada em sua cidade, mas não foi.

O caso de Maria Augusta, que mora na capital e necessita de correção ortopédica, é bem mais complexo e também foi parar no pronto-socorro.As entradas cotidianas de pacientes deslocados do hospital de portas abertas em Cuiabá são ilustrativas de situação da rede pública de saúde em Mato Grosso, cuja demanda de pacientes converge para o pronto-socorro.

“A imagem que uso é a seguinte: imagine uma grande cuba de pia cheia de água, que precisa ser escorrida por um único canal de drenagem com cano fino e uma boca estreita; a pressão é enorme e, evidentemente, ocorrerão problemas. A cuba é a demanda de pacientes e o canal é pronto-socorro”, comenta o presidente do Sindicato dos Profissionais da Enfermagem de Mato Grosso (Sinpen), Dejamir Souza Soares.

A figura de linguagem pode ser transferida para números de levantamentos que vêm sendo realizados pela superintendência do pronto-socorro. Hoje, até 49% dos mais de 3 mil atendimentos mensais prestados no hospital são de pessoas que chegam do interior de Mato Grosso em busca de resolução para doenças as mais variadas. Em meses de demanda mais baixa, esses pacientes representam 30%.

“O pronto-socorro tem déficit mensal de R$ 4 milhões para fechar suas contas; é um dinheiro que não temos de onde tirar. Por ser um hospital de porta aberta, todas as pessoas que chegam aqui são atendidas, e aquilo a que deveríamos realmente nos restringir, atendimentos de urgência e emergência, não é o principal foco”, explica a superintendente Zamara Brandão Ribeiro.

Em janeiro deste ano, 3.089 foram registradas tanto no hospital como no pronto-socorro. Desse total, 50% corresponderam a pessoas que não moram em Cuiabá. Na sala vermelha e ala de cirurgia existem 143 pacientes com acompanhamento de tratamento em andamento.

O número de leitos atualmente é de 260, mas na próxima semana, segundo Zamara Brandão, a quantidade provavelmente será outra, pois pessoas de Mato Grosso e outros Estados, como Roraima, continuarão chegando atrás de atendimento. E o déficit mantém a tendência de subida.

O hospital tem capacidade para 156 leitos, mas já chegou a instalar 290; a sala vermelha é projetada para distribuição de dez leitos, mas normalmente a ocupação é de 40 pacientes. Os números são da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Cinco milhões de equipamentos e peças parados 

O intenso fluxo de pacientes pelo pronto-socorro de Cuiabá gera consequências que piora o quadro do atendimento. Faltam aparelhos para tratamento, como respirador, oxímetro de pulso e de eletrocardiograma, por exemplo.

A Secretaria Municipal de Saúde estima que haja cinco milhões de aparelhos parados dentro do hospital à espera de manutenção. São peças que vão de monitor de computador a equipamentos encostados por quebra de cabos.

“Estamos trabalhando para tentar corrigir esse problema, porque muitas vezes se abre processo para comprar um novo aparelho, enquanto temos um que precisa de pequeno reparo e está parado. Isso significa que a Saúde pode economizar dinheiro com essa mudança de estratégia”, explica a secretária Elizeth Lúcia de Araújo.

O Conselho Regional de Medicina em Mato Grosso (CRM-MT) afirma que a situação do pronto-socorro é caótica. E uma mostra é a falta de manutenção interna do hospital.

“O corredor vive sempre cheio, o último número que tive que recebia falava em mais ou menos 100 pacientes. O problema é que se esvazia o corredor hoje e daqui a alguns dias está cheio de novo; não para de chegar paciente”, diz a presidente do conselho, Maria de Fátima de Carvalho Ferreira.

Ela fala da realimentação de dificuldades no movimento de pacientes no hospital. Uma vez que há baixo controle de entrada de pacientes e falta de espaço para acomodá-los, ocorrem danos tanto para pacientes quanto para profissionais e estrutura física.

“Imagine que há mais do que deveria ter em uma sala, nisso uma maca passa por cima de um cabo, rompe o ligamento e inutiliza um monitor de acompanhamento do paciente. É um a mais que não será atendido”.

Profissionais

O número necessário de enfermeiros está com 200 profissionais a menos hoje; são necessários em torno de 40 técnicos em enfermagem a mais para conseguir prestação de serviços adequados.

“Já pedimos para a prefeitura a convocação de mais ou menos 40 técnicos em enfermagem e um número bem próximo disso para enfermeiros. Na verdade, o déficit de enfermeiros hoje está em 200 profissionais, mas de forma emergencial precisamos de uns 37 ou 38”, diz a superintendente Zamara Brandão Ribeiro.

Conforme Dejamir Souza Soares, do Sinpen, hoje cerca de 700 profissionais da enfermagem estão contratados pelo pronto-socorro – 100 enfermeiros, 200 auxiliares de enfermagem e 400 técnicos em enfermagem. 

 

PS atende 30% das internações

Balanço da pasta referente ao terceiro quadrimestre de 2016 aponta 6.771 internações formalizadas pelo Hospital de Pronto-Socorro de Cuiabá (HPSC) entre setembro e dezembro. Na distribuição de atendimentos da Rede de Saúde Cuiabá, um total de 22.778, esse número representa 30% total.

Trata-se de uma parcela que equivale ao dobro dos 15% da Santa Casa e dos 14% do Hospital Geral Universitário (HGU), ambos conveniados ao Poder Público. O Hospital Santa Helena, outra unidade de convênio com o SUS, atende 22% do total. E 56% do pacientes eram provenientes de outras localidades.

“Estamos montando esse plano para levar à prefeitura [de Cuiabá], a fim de muni-la de dados para negociar com o Estado o financiamento do pronto-socorro. Uma sugestão é que outros municípios colaborem com isso, porque Cuiabá oferece tratamento a pacientes de outros municípios”, diz a secretária.

Rede precária no interior e entrave de atenção primária

A estrutura insuficiente para atendimento no pronto-socorro de Cuiabá espelha o desordenamento do SUS em Mato Grosso. O entrave da saúde em cidades do interior e a subdesenvolvida rede primária e secundária à saúde na capital colapsam o programa.

“Nós temos três fatores que pesam para o pronto-socorro. Primeiro, que hospitais regionais param de atender e as pessoas vêm para a capital atrás de atendimento. Em Cuiabá, a atenção primária e a atenção secundária da rede pública são muito precárias e não têm condições de atender também.

Então, o pronto-socorro, por ser um hospital de portas abertas, acaba absorvendo a grande demanda, e deveríamos atender somente urgência e emergência”, diz Zamara Brandão Ribeiro.

A Secretaria Municipal de Saúde diz que havia até o fim do ano passado, na capital, 70 unidades de Estratégia da Saúde da Família (ESF), 21 centros de saúde, 1 farmácia popular, 1 consultório de rua e 1 consultório itinerante, conjunto que abrangeria 52,5%. 

Os números são semelhantes aos que existiam em janeiro de 2013, quando Mauro Mendes assumiu o cargo, com a diferença de que a demanda era menor. Existiam 71 equipes credenciadas pelo Ministério da Saúde e 63 estavam na ativa, conseguindo abranger 217.350 pessoas, uma proporção de 39,07%.

Em todo o Estado, estão em operação 989 unidades de saúde básica, contabilizando postos (188), centros (771 mantidos com recursos exclusivos dos municípios) e polos de academia (30).  Todos receberam da SES a soma de R$ 27, 344 milhões, de janeiro a junho deste ano, como parte de cofinanciamento dos serviços. Os repasses do Ministério Saúde ficam em R$ 21,2 milhões por mês.

Um relatório divulgado no mês passado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostra que inadimplência da gestão estadual com a atenção básica da saúde dos municípios aumentou 68,62% entre setembro de 2016 e janeiro deste ano.

No fim de 2016, a dívida do Estado com a atenção básica dos municípios era de R$ 13.872.436,00 e em fevereiro de 2017 chegou a R$ 23.392.940,00. 

Entrega de novo PS é adiada 

As obras do novo pronto-socorro de Cuiabá estão em risco de paralisação por falta de repasse de verba de contrapartida do governo estadual para executar os serviços. No fim de fevereiro, apenas 20 dos 700 operários contratados estavam no canteiro de obras. O motivo era falta de pagamento.

Hoje, conforme a Secretaria de Saúde de Cuiabá, 35% do projeto estão executados, com construção principalmente das paredes do prédio, que já tem mais de 50% concluídos. A fase de obras agora se concentra em serviços de hidráulica e elétrica.

A secretaria informou ainda sobre o repasse do governo em atraso. Cerca de R$ 15 milhões foram repassados em três parcelas, num montante correspondente até à 19ª medição de obras.  O município também já teria liberado R$ 7,7 milhões.

Quando foi lançada, em 2015, a previsão era de que a primeira etapa do pronto-socorro seria entregue à população em julho deste ano, mas essa estimativa já não tem mais validade. Agora, a Prefeitura de Cuiabá e o governo afirmam que toda a obra será inaugurada em 2018, talvez a tempo do aniversário de 299 anos da capital.

O novo pronto-socorro está sendo construído em uma área de 20 hectares no bairro Ribeirão do Lipa e terá 21 mil metros quadrados. A obra está orçada em R$ 76 milhões, o Estado é responsável por R$ 50 milhões (65%) e o município arcará com os outros R$ 26 milhões.

Ele deverá ter 320 leitos, 65 de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), e foi projetado para desafogar o atual hospital. O prédio terá três entradas principais, uma exclusiva para pacientes com casos de urgência e emergência adulta e pediátrica referenciados pelo SUS, outra para atendimento ambulatorial e a terceira para internações.

A unidade de saúde também terá dois acessos, um pela Av. Miguel Sutil e outra pelo bairro Despraiado. O estacionamento terá 444 vagas e a unidade ainda contará com um heliporto.

 

Reinaldo Fernandes

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