O governo Bolsonaro não está se ajudando. Essa é uma opinião praticamente uníssona entre parlamentares de situação e oposição nos corredores do Congresso. Falhas internas de comunicação, um guru zangado e incontrolável, além da falta de planejamento para tocar os principais projetos para o país, estão entre as principais reclamações frequentes em Brasília.
Com uma predisposição ímpar para gerar crises para si mesmo, a capacidade de liderança de Bolsonaro tem sido cada vez mais questionada por deputados. Para alguns deles, será impossível manter esse mesmo ritmo de intrigas e discussões por três anos e meio. Não à toa, os deputados estão buscando se desvencilhar da crise para não paralisar a economia.
“O poder Legislativo está trazendo para si as responsabilidades do Executivo”, diz André Figueiredo (PDT-CE), líder do partido na Câmara.
A mais nova trapalhada é referente ao decreto que ampliou o porte de armas e que foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na última semana. A medida facilitou o acesso para 20 categorias, como políticos, jornalistas e caminhoneiros.
Porém, Senado, Câmara e o Supremo Tribunal Federal já se movimentam para pedir explicações ao Executivo. Um documento feito por consultores do Senado apontou que a decisão “extrapolou os limites legais” ao desrespeitar o Estatuto do Desarmamento, que é uma lei federal e só pode ser alterado com aprovação legislativa.
O clima pesado entre os poderes não é algo novo para Bolsonaro, mesmo estando pouco mais de quatro meses no comando do país. Mas, ao contrário do clima bélico que ocorreu no início do ano, quando Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, trocaram farpas públicas, o clima atual está mais para uma “guerra fria”. Ou seja, o Legislativo quer ser protagonista – mesmo que passe por cima do presidente.
Um grande exemplo nessa toada é a reforma tributária. Enquanto o governo não apresentou a sua proposta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, convocou o economista Bernard Appy para fazer a sua proposta e que já está a caminho da Comissão de Constituição e Justiça. Bolsonaro, por sua vez, rechaça parte das ideias defendidas por seu secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.
Outro exemplo da fraqueza do governo ocorreu na última semana. A Comissão do Congresso negou a transferência Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o da Justiça, como era da vontade do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A aprovação dessa medida, na teoria, deveria ter sido algo muito simples.
Para completar, o Legislativo pressionou Bolsonaro para recriar o ministério da Cidades – o que foi logo aceito pelo presidente. “É como se os deputados começassem a mostrar para o presidente como se governa”, diz uma fonte com trânsito em Brasília.
A Previdência, por enquanto, segue indefinida. Para muitos deputados, alguma reforma irá sair, mas não necessariamente uma do tamanho que o governo almeja. “Existem parlamentares responsáveis que irão votar as matérias importantes por respeito ao país”, afirma o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA).
Lideranças fracas
O cenário poderia ser diferente, mas aparentemente o governo não ouve os avisos de deputados. O deputado federal Capitão Augusto (PR-SP) assumiu o cargo de vice-líder do governo na Câmara. Saiu pouco depois de dois meses alegando que o governo não está interessado em ouvir.
Alguns congressistas são ainda mais duros com aqueles colegas que deveriam representar o governo: Major Vitor Hugo (PSL-GO) e Joice Hasselmann (PSL-SP). “O governo não tem articulação nenhuma com os parlamentares. O Major Vitor Hugo é tecnicamente bem preparado, mas é uma mosca morta. A Joice Hasselmann não consegue liderar nem a sua própria casa, imagine o Congresso”, diz um parlamentar.
Nem a oposição está fazendo tanta força para criar uma força antagônica ao governo. Não é nem necessário, segundo alguns deles. “Trata-se de um governo que cria uma crise por semana. É uma sucessão de trapalhadas que atinge a eficiência da própria Casa, pois discutimos mais crises do que projetos para o país”, diz Tadeu Alencar (PSB-PE), líder do partido na Câmara.
Impeachment?
As confusões criadas por Bolsonaro, assim como àquelas alardeadas por pessoas como os seus três filhos e o filósofo Olavo de Carvalho, estão criando uma questão impensável há pouco tempo: existe espaço para mais um impeachment no Brasil?
Apesar de ser incipiente, esse tipo de discussão já começa a frequentar os corredores do Congresso, assim como grupos de WhatsApp que os congressistas participam. Alguns parlamentares, inclusive de partidos que poderiam formar a base do governo, acreditam que já há motivos para se entrar com pedidos de afastamento.
Outros parlamentares são mais reticentes a esse tipo de possibilidade. Porém, não descartam que o governo precisa ficar de olhos e ouvidos bem abertos para esse tipo de informação. O deputado Capitão Augusto é um deles. Para ele, não há motivos para se preocupar com o assunto nesse momento. Quer dizer, pelo menos até a aprovação da reforma da Previdência.
“A cada dez deputados a quem se pede avaliação, oito reclamam e dois se calam”, diz o ex-vice-líder do governo. “Um impeachment requer a insatisfação do Parlamento, uma crise econômica e um motivo legal. O primeiro já existe e o segundo pode aparecer sem a reforma da Previdência.”
Para especialistas, o governo precisa entender, de uma vez por todas, como funciona o presidencialismo de coalizão. Todos os comandantes que tentaram governar em conflito com o Congresso ficaram paralisados ou foram retirados.
“Não é uma questão do presidente gostar ou desgostar” do presidencialismo de coalizão, diz João Villaverde, analista de risco político da consultoria Medley Global Advisors, e sim de entender que esse é o modus operandi de relação entre Executivo e Legislativo no país em períodos democráticos. “É o que vale no Congresso”. Ou seja, não adianta Bolsonaro permanecer governando como se continuassem em campanha. E o jogo está aí para ser jogado.