O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou que quer alcançar um acordo com a China e disse que está esperançoso nas negociações, mas tal sentimento não foi compartilhado pelo mercado nesta quinta-feira, 10, com o Ibovespa em queda desde cedo. Isso porque as duas maiores economias do mundo ainda não deram um direcionamento de que um dos lados irá recuar. Além disso, as tarifas dos EUA sobre importações chinesas somam 145% – e não 125%, como havia sido anunciado na véspera.
O Ibovespa fechou em baixa de 1,13%, aos 126.354,75 pontos, mas ainda aquém do recuo das bolsas norte-americanas: Nasdaq (-4,31%), S&P 500 (-3,46%) e Dow Jones (-2,50%). Na bolsa brasileira, destaque para Petrobras perdendo R$ 22,67 bilhões em valor de mercado, com as ações cedendo mais de 6%, na esteira da commodity.
A mínima do Ibovespa (-2,27%) veio no início da tarde, quando investidores digeriam que as tarifas dos EUA sobre importações chinesas somam 145%, valor acima aos 125% que havia sido divulgado por Trump na quarta.
“Houve um movimento de ajuste na Bolsa hoje, por ainda haver um grau de incerteza elevado e com a expectativa de que essa guerra não vai ter uma solução simples. Não imaginamos China nem EUA arredando o pé”, avalia o especialista em investimentos da Valor Investimentos Charo Alves.
Na mesma linha, a sócia da Nord Investimentos Danielle Lopes considera que “o mercado ainda não comprou a história de que haverá algo mais pacífico no curto prazo”. Por isso investidores ficam em posição “mais de alerta” e trabalham com a possibilidade de que mais tarifas possam ser anunciadas, complementa.
Nem mesmo a reafirmação do Trump de que deseja alcançar um acordo com a China, sinalizando que autoridades chinesas já teriam entrado em contato para negociar, foi capaz de apaziguar o receio do mercado. O presidente norte-americano reiterou críticas a potência asiática, alegando que o tratamento injusto com os EUA “destruiu o país”, que só agora “está voltando a ficar de pé”.
A tese de que o acirramento da guerra comercial, via tarifas, propicia uma desaceleração econômica global e maior inflação derruba a expectativa de demanda por commodities, fazendo com que o petróleo recue cerca de 3%. Por isso as petrolíferas lideraram o campo negativo.
Já o minério de ferro fechou em alta de 3% em Dalian, mais cedo. Ainda assim, o setor de mineração e siderurgia recuou praticamente em bloco – a exceção ficou apenas para Vale (+1,79%), apoiada na elevação de recomendação pelo Bank of America (BofA) de neutra para compra. Ainda entre as blue chips, todos os grandes bancos recuaram.
Dólar
Após tocar R$ 5,95 no início da tarde, em linha com a piora dos ativos de risco no exterior, o dólar desacelerou o ritmo de alta nas últimas horas de pregão e encerrou a sessão desta quinta-feira, 10, com avanço de 0,88%, a R$ 5,8988. A moeda norte-americana sobe 1,09% na semana e 3,39% no mês.
Mais uma vez, os negócios no mercado de câmbio foram ditados pelo vaivém das notícias do embate tarifário entre Estados Unidos e China, que promoveram retaliações mútuas nos últimos dias. Os preços do petróleo caíram mais de 3% e já acumulam desvalorização de cerca de 15% em abril.
A percepção de que a guerra comercial vai levar a uma queda do crescimento mundial, com eventual recessão nos EUA, deprime os preços das commodities, o que castiga divisas emergentes, em especial as latino-americanas. O real liderou nesta quinta as perdas entre as principais moedas globais, seguido pelos pesos mexicano e colombiano.
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY caiu quase 2% e furou o piso e 101,000 pontos, com mínima aos 100,700 pontos, com a moeda americana perdendo mais de 2% em relação ao euro. Tradicional refúgio ao risco, o franco suíço subiu mais de 3%.
O economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, ressalta que a falta de acordo entre China e EUA prejudica grandes exportadores de commodities e dificulta investimentos no Brasil.
“O cenário é delicado. Grandes empresas e investimentos vão buscar maior proteção e isso vai fortalecer moedas fortes. Não é o caso do Brasil”, disse Almeida, lembrando que no início do ano a expectativa era de crescimento global de 3%. “Agora tem que esperar para ver como vai ficar isso com o risco da guerra comercial”.
As máximas do dólar coincidiram com o pico na aversão ao risco lá fora, quando a Casa Branca esclareceu que a tarifa total aplicada a produtos chineses será de 145%, soma de 125% anunciados na quarta com 20% impostos anteriormente. Como informado na quarta, países que não retaliaram os EUA terão tarifa mínima de 10%, suspensa pelo prazo de 90 dias.
Nas horas finais do pregão desta quinta, houve uma moderação das perdas das divisas emergentes com acenos de Donald Trump à China. O presidente norte-americano sinalizou que autoridades chinesas já teriam entrado em contato para negociar um acordo, o que o deixou esperançoso. “Em alguns sentidos, Xi Jinping (presidente chinês) tem sido meu amigo por muitos anos e espero conversar com ele”, afirmou Trump.
O superintendente da mesa de derivativos do BS2, Ricardo Chiumento, afirma que os movimentos exacerbados da taxa de câmbio mostram que as negociações assumiram um caráter “majoritariamente especulativo” nos últimos dias.
“A volatilidade é extrema, com base em notícias e muitas vezes sem fundamento. Vemos isso no comportamento dos ativos mais líquidos. E o real é um deles”, afirma Chiumento. “Não faz sentido uma oscilação como a de ontem à tarde, quando o dólar estava acima de R$ 6,00 e desceu para o nível R$ 5,80.”
Chiumento observa que o tombo do petróleo, cuja dinâmica de preços é mais atrelada a fundamentos econômicos, sugere que o mercado já trabalha com uma piora da atividade global, em razão da disputa entre as duas maiores economias do mundo.
Pela manhã, o dólar chegou até a operar pontualmente em baixa no mercado local, com mínima a R$ 5,8259, sob o impacto da leitura benigna da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) nos EUA. O índice cheio caiu 0,1% em fevereiro, quando a expectativa era de avanço de 0,1%. Já o núcleo do CPI avançou 0,1%, abaixo das estimativas (0,3%).
A avaliação de consultorias e economias é a de que a inflação ao consumidor ainda não reflete o impacto do tarifaço. Monitoramento do CME Grupo mostra que as apostas em torno do orçamento total de corte de juros pelo Federal Reserve neste ano oscilam entre 75 e 100 pontos-base.
Juros
Os juros futuros fecharam a quinta-feira com viés de baixa no caso dos contratos curtos e em alta na ponta longa, em desenho definido só a partir do meio da tarde. A volatilidade vinda do exterior em função da guerra tarifária continuou comandando os negócios, deixando os juros futuros sem direção firme ao longo da sessão.
No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 estava em 14,805%, de 14,821% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027, em 14,52%, de 14,48%. O DI para janeiro de 2029 tinha taxa de 14,47% (de 14,39%).
Os ativos de economias emergentes sofreram com a volta da aversão ao risco que manteve o dólar acima de R$ 5,90 durante boa parte do dia, enquanto os rendimentos dos Treasuries oscilaram ora com viés de alta ora de baixa, sem firmar tendência.
A falta de disposição da China em negociar as tarifas com os EUA já estressava os mercados antes mesmo da Casa Branca, no início da tarde, esclarecer que a carga tributária total americana sobre importações ao país asiático agora chega a 145%. O governo dos EUA elevou a taxa para 125%, substituindo a anterior de 84%, que agora se soma aos 20% já vigentes antes das tarifas recíprocas, segundo comunicado.
Depois da divulgação do texto, os mercados ampliaram as perdas e os juros futuros deslizaram para cima e para baixo e um desenho mais firme acabou se configurando só a partir do meio da tarde, com a ponta longa em alta. Para o economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, o elevado nível de estresse e num ambiente de mudanças rápidas dificulta a precificação correta dos ativos, especialmente os de longo prazo. “A ponta longa da curva tem um ingrediente mais estrutural, relacionado ao fiscal e ao cenário político. Se lá fora azedar e rebater aqui com impacto na atividade, o governo pode pensar em aumentar os estímulos fiscais”, explica.
Com o cenário à frente bastante nublado pelas incertezas externas, Igliori afirma que para Brasil “o máximo que dá para enxergar é que a inflação não deve ir embora tão cedo”. Ainda que os preços das commodities estejam em baixa – o petróleo hoje caiu mais de 3% -, a piora do câmbio deve mais do que compensar no efeito na inflação. “O dólar afeta uma série de outros preços”, observa.
A agenda econômica do dia, aqui e no exterior, acabou ficando em segundo plano, ofuscada pela guerra das tarifas. “Os dados de alta frequência têm pouco a dizer sobre o que vêm pela frente. O passado está informando pouco sobre o futuro”, resume o economista.
No Brasil, foi publicada a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) de fevereiro, mostrando alta de 0,8% em fevereiro ante janeiro, resultado que superou o teto das estimativas (0,4%).
Nos EUA, foi divulgado o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês), com alta de 0,1% em março ante fevereiro, em linha com o consenso. O avanço do núcleo, de 0,1%, veio abaixo da mediana (0,3%).
Num ambiente hostil para o risco, o Tesouro reduziu bastante a oferta de títulos prefixados, evitando adicionar volatilidade à curva. Os lotes foram vendidos integralmente. Foram 8 milhões de Letras do Tesouro Nacional (LTN) – de 21,5 milhões na semana passada – e 1 milhão de Notas do Tesouro Nacional – Série F (NTN-F) – de 3 milhões no último leilão. “Destacamos a postura do Tesouro em diminuir o ritmo das ofertas em razão da adoção de cautela após o aumento das incertezas provenientes do cenário internacional”, avaliam profissionais da XP.