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Com desconforto fiscal, dólar fecha no maior nível nominal da história e Ibovespa cai 1,73%

O dólar à vista disparou ao longo da tarde e encerrou a sessão desta quarta-feira, 27, acima da linha de R$ 5,91, no maior nível nominal da história do real. Analistas e operadores atribuíram a derrocada da moeda brasileira à informação de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai anunciar hoje à noite em rede nacional, ao lado de medidas de contenção de gastos, a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês – uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao longo das últimas semanas já havia um desconforto com os adiamentos seguidos da divulgação do plano fiscal, que, segundo prometido inicialmente, seria realizada logo após as eleições municipais. A adoção de uma medida que representa renúncia de receitas acentuou ainda mais a desconfiança dos investidores em relação à disposição do governo Lula de promover uma mudança estrutural na dinâmica do gasto público capaz não apenas de levar ao cumprimento das metas do arcabouço fiscal como sinalizar estabilização futura da relação dívida/PIB.

“O anúncio dessa medida de isenção de IR praticamente junto com o pacote, embora sejam textos distintos, é muito ruim. Tira o brilho do pacote que já estava ofuscado pela demora”, afirma a economista-chefe da Buysidebrazil, Andréa Damico, ressaltando que no exterior o dólar recuou, em especial na comparação com outras divisas fortes. “O cenário lá fora está um pouco mais benigno, mas não nos descolamos”.

Fontes ouvidas pelo Broadcast informaram que o pronunciamento de Haddad, gravado ontem, será veiculado hoje às 20h30. O anúncio formal das medidas de contenção de gastos deve ser realizado amanhã. Como já antecipado pelo Broadcast, o plano inclui mudanças nas regras para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no abono salarial, na política de reajuste do salário mínimo e na previdência e pensão de militares. Haddad confirmou que alterações no Vale Gás e a limitação dos chamados “supersalários” também estão no pacote.

Em alta já na primeira etapa de negócios, o dólar ganhou impulso adicional no início da tarde justamente com a notícia do pronunciamento de Haddad traria a isenção do IR, furando o nível psicológico e técnico de R$ 5,90 e renovando máxima a R$ 5,9289 por volta das 16h. No fim da sessão, a moeda avançava 1,81%, cotada a R$ 5,9135, o maior nível nominal de fechamento da história do real, acima de R$ 5,9008 em 13 de maio de 2020. No chamado intraday, o pico nominal foi R$ 5,9718, em 14 de maio de 2020.

Operadores relataram disparada de ordens para limitação de perdas (stop loss), além da antecipação de rolagem de contratos futuros que vencem na virada do mês, uma vez que amanhã é feriado nos EUA (Dia de Ação de Graças). Termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para dezembro apresentou giro expressivo, acima de US$ 17 bilhões.

“A sinalização da isenção do IR é bastante ruim. Em um momento em que todo mundo espera o anúncio do corte de gastos, vem junto uma medida no sentido contrário, com redução de arrecadação”, afirma a economista-chefe do Ouribank, Cristiane Quartaroli.

O Estadão/Broadcast apurou que, nos bastidores, Haddad vinha tentando dissuadir Lula da ideia de adotar a isenção do IR neste momento. O esforço envolveu até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Lula foi alertado de que o pacote de cortes acabaria sendo ofuscado pela “novidade da isenção do IR”. Ainda assim, o presidente resolveu seguir adiante com a ideia.

Lá fora, o índice DXY – termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes – caiu quase 1%, voltando a operar no limiar dos 106,000 pontos, após ter superado ontem os 107,500 pontos. Além de ajustes de fim de mês, na véspera de feriado, dados de inflação e atividade reforçaram a aposta em corte de juros pelo Federal Reserve em dezembro. O iene apresentou ganhos de mais de 1,4% com perspectiva de que o Banco do Japão (BoJ).

Para o economista André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online, o descolamento do real hoje reflete o receio de que “o governo, ao tentar preservar apoio popular, adote um esforço tímido para cortar despesas”, enquanto apoia o consumo com a reforma do Imposto de Renda.

“O mercado está lidando com incertezas, e isso é natural nesse contexto. A reação de hoje reflete a ansiedade por mais detalhes, mas, com um anúncio sólido, poderemos ver a situação se estabilizar”, afirma Galhardo, ressaltando que é “crucial” o governo dar detalhes de fontes de receita e bloqueios de despesas que compensem a isenção do IR. “Caso haja esse esclarecimento, podemos ver algum alívio nos mercados já a partir de amanhã”.

Ibovespa

O Ibovespa acentuou perdas ao longo da tarde, com a piora observada nas ações de grandes bancos (Itaú PN -2,45%, Bradesco ON -3,24%, Santander Unit -3,35%, BB ON -1,75%), que no dia anterior haviam conferido equilíbrio ao índice, então em alta de 0,69% no fechamento. Da mesma forma, e com sinal trocado, Vale ON, o principal papel do Ibovespa, que ontem havia cedido 1,27%, hoje subiu 1,22%, em contraponto ao ajuste negativo no setor financeiro, o de maior ponderação no Ibovespa.

A tarde foi marcada também por pressão no câmbio, com dólar a R$ 5,9289 na máxima intradia, e acentuação de perdas nos índices de Nova York, embora menos do que o visto na B3: no fechamento, Dow Jones -0,31%, S&P 500 -0,38% e Nasdaq -0,60%. No fechamento de hoje, a R$ 5,9135, em alta de 1,81% na sessão, o dólar mostrava o maior nível nominal da história frente à moeda brasileira.

Na B3, o Ibovespa fechou na mínima do dia, em baixa de 1,73%, aos 127.668,61 pontos, em ajuste de 2.254 pontos em relação ao fechamento anterior, que o coloca agora não muito acima do patamar de encerramento de 21 de novembro, então aos 126,9 mil, que havia sido o mais baixo desde 6 de agosto. Foi também a maior perda diária para o índice da B3 desde 7 de junho, então também em baixa de 1,73% naquela sessão. O giro financeiro desta quarta-feira foi a R$ 26,7 bilhões. Na semana, o Ibovespa cai 1,13% e, no mês, cede 1,58% – no ano, recua 4,86%.

Na ponta perdedora na sessão, destaque para Magazine Luiza (-9,40%), LWSA (-9,13%) e Azzas (-7,21%). No lado oposto, além de Vale, apareceram Natura (+3,06%), Marfrig (+2,46%), Usiminas (+1,92%) e Bradespar (+1,39%). Entre as ações de maior peso, Petrobras fechou o dia em sinal único, com a ON em baixa de 0,33% e a PN, de 0,36%. Na máxima desta quarta-feira, o Ibovespa foi aos 130.282,83, saindo de abertura aos 129.922,69 pontos.

“Durante o pregão, houve rumores sobre Imposto de Renda isenção para os que ganham até R$ 5 mil por mês que desagradaram, no momento em que ainda se espera definição sobre o grau de ajuste fiscal”, diz Pedro Caldeira, sócio da One Investimentos, destacando a reação negativa do mercado em outros ativos, especialmente o câmbio e a curva de juros doméstica. “O estresse na curva do DI acabou afetando, como de hábito, as empresas mais sensíveis ao ciclo doméstico, aos juros”, acrescenta.

“O grande gatilho para um rali de final de ano na Bolsa tende a ser o que virá como ajuste de despesas do governo. E a fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta noite em rede nacional de TV, às 20h30, será muito importante para orientar a abertura do mercado amanhã”, acrescenta Caldeira, referindo-se ao rumor sobre encaixe de última hora de uma “isenção” tributária a um pacote que seria de cortes de gastos – ou seja, o oposto.

“Espera-se um pacote de redução de gastos e está sendo veiculada a possibilidade de uma isenção de IR que, do ponto de vista do ajuste fiscal, é algo que dificulta, na medida em que é renúncia de receita. Abrir mão de receitas dificulta a visualização de um governo que consegue fazer o ajuste fiscal”, reforça Paulo Luives, especialista da Valor Investimentos.

“A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil é uma promessa de campanha do presidente da República que, se aprovada pelo Congresso, poderá passar a valer já em 2025. Se de fato acontecer, será uma vitória da ala política do governo, já que tudo indica que a equipe econômica era contra – afinal, se aprovada a medida, poderá custar R$ 40 bilhões por ano aos cofres públicos”, diz Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, enfatizando a razão de a resposta do mercado ao ruído que dominou a tarde ter sido “defensiva”.

Assim, o rumor que se impôs aos negócios na etapa vespertina alterou a percepção que prevalecia pela manhã, na abertura da sessão, quando os preços dos ativos mostravam certa “lateralidade”, observa Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos. “Há um desencontro ainda de informações sobre a divulgação dos cortes de gastos”, diz.

Pela manhã, havia a percepção de que o anúncio do pacote poderia, inclusive, ficar para a semana que vem, em novo adiamento de decisão que era esperada para logo depois do segundo turno das eleições municipais, ocorrido no fim de outubro – o que já trazia um pouco de cautela para o início do dia, com o dólar então levemente para cima e a Bolsa um pouco para baixo, aponta Moliterno. Segundo ele, até que venha a definição sobre o pacote, a cautela deve prevalecer, considerando também que a liquidez tende a diminuir nos próximos dias com o feriado de Ação de Graças, amanhã, nos Estados Unidos.

Juros

Os juros futuros dispararam nesta quarta-feira, 27, em reação à proposta de isenção de imposto de renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil, a ser a apresentada pelo governo juntamente com o pacote de corte de gastos que será anunciado nesta noite. Há temor sobre possíveis impactos fiscais e inflacionários da medida.

A taxa do DI para janeiro de 2026 encerrou em 13,50%, de 13,28% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 saltou de 13,32% para 13,62%. O DI para janeiro de 2029 encerrou com taxa de 13,45% (de 13,07%) e a do DI para janeiro de 2031 subiu de 12,92% para 13,29%.

“A volatilidade toma conta dos mercados e não há ajuste fiscal que dê conta de apaziguar os receios com o futuro”, resumiu o economista André Perfeito.

As taxa seguem rodando nos maiores níveis desde o fim de 2022. Começaram o dia perto da estabilidade e ganharam ritmo de alta ao longo da manhã, acompanhando a pressão do dólar e com o desconforto pela falta de sinalização sobre o anúncio do pacote. O avanço se dava na contramão do recuo dos rendimentos dos Treasuries, por sua vez influenciados por dados econômicos nos EUA divulgados pela manhã.

No meio da tarde, o mercado azedou de vez com informações ainda extraoficiais de que o governo pretende soltar junto com o anúncio do pacote também a medida sobre o IR. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fará pronunciamento hoje às 20h30 e, segundo apurou o Broadcast, deve anunciar a isenção de do IR para quem ganha até R$ 5 mil e comunicar ponto a ponto quais são as medidas de ajuste fiscal.

Promessa de campanha de Lula, a proposta para o IR não é nova, mas caiu mal pelo timing e pelos impactos que pode ter para o cenários fiscal e inflacionário. “Além de ser medida que vai na contramão do ajuste fiscal, ainda é expansionista do ponto de vista do consumo. Como a propensão marginal a consumir é maior quanto menor a renda, haverá efeito de aumento do consumo ainda que haja compensação via aumento da tributação da alta renda e/ou dividendos”, afirma Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners.

Ele explicou que o viés inflacionário afetou mais os vencimentos de curto prazo e a percepção negativa quanto ao compromisso de ajuste fiscal, mais os longos. “Foi um strike na curva toda”, disse.

Segundo apurou o Estadão, Haddad vinha tentando dissuadir Lula de adotar a medida neste momento, por entender que merece uma discussão à parte, que envolveria a reforma tributária relacionada à renda. O esforço para convencer o presidente de que não seria bem recebida neste momento envolveu até o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que foi ao Planalto explicar a reação que o mercado poderia ter com a medida.

A equipe econômica apresentará uma medida para compensar a renúncia fiscal do aumento da faixa de isenção do IR: a tributação dos super-ricos com uma alíquota mínima sobre todas as fontes de renda.

O diretor de Investimentos da Nomos, Beto Saadia, afirma que, na leitura do mercado, ao colocar a medida agora o governo indica falta de prioridade com a questão dos gastos e estar mais preocupado com a eleição. “Lula parece estar conversando com o mercado e ao mesmo tempo com o eleitor. Mas não acredito que esta medida vai passar. É popular demais para o Congresso endossar”, afirmou.

Outra questão que pesa nos DIs é o efeito inflacionário do câmbio, que vem resistindo acima de R$ 5,80 e hoje superou R$ 5,90. “Já temos impacto do dólar nesta crise das proteínas”, afirma Saadia, referindo-se ao choque de oferta das carnes. O dólar alto acaba deslocando as vendas para o mercado externo, num ambiente interno de forte demanda que acaba desabastecido.

A precificação de Selic na curva a termo teve forte ajuste, mas num dia de nervosismo como o de hoje nem tudo é aposta firme, com boa dose de prêmio de risco incorporado. Feita a ponderação, para o Copom de dezembro os DIs projetavam no fim da tarde alta de 76 pontos e para as reuniões de janeiro de março, de 85 e 82 pontos, ou seja, já mostrando alguma chance de aceleração do ritmo para 100 pontos. Para a Selic terminal, a curva aponta nível de 14,29%.

Estadão Conteudo

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