O Senado decidiu reagir às iniciativas do presidente Jair Bolsonaro e tenta levar adiante agenda própria sobre a legislação de armas no País. Nesta quarta-feira, 26, um dia após o governo editar três novos decretos e enviar projeto de lei sobre o assunto, o plenário do Senado aprovou em votação relâmpago a permissão para moradores do campo usarem armas em toda a extensão da propriedade rural — e não apenas na sede.
Outro texto aprovado prevê que moradores da zona rural, a partir de 21 anos, poderão adquirir armas de fogo para segurança da família e da propriedade. Ambos os textos alteram o Estatuto do Desarmamento, de 2003, e vão agora para a Câmara. Além disso, ao menos outros quatro projetos sobre o tema foram protocolados nesta quarta no Senado – um deles do PSL, sigla do presidente, recuperando integralmente o decreto editado por Bolsonaro em maio que flexibilizava as regras para porte.
O projeto sobre posse no campo aprovado pelo Senado na quarta é de autoria de Marcos Rogério (DEM-RO). O texto passou em poucas horas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário.
Segundo o parlamentar, a mudança corrige um equívoco do Estatuto, que autoriza a posse de arma de fogo no interior das residências e no local de trabalho, mas não trata da situação dos imóveis rurais – com a mudança, um proprietário ou gerente de fazenda pode andar armado em toda a área.
Mais à noite, o Senado aprovou o projeto que concede o direito de compra de arma no campo a partir dos 21 anos. Hoje, na área rural, só é permitida a posse para caçadores que buscam prover a subsistência de suas famílias, com idade mínima de 25 anos.
Para ter esse direito, os interessados deverão apresentar documento de identificação pessoal, comprovante de moradia e atestado de bons antecedentes. Um ponto alvo de críticas foi a eliminação de requisitos, como comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica, para o manuseio de arma de fogo no caso de proprietários rurais. Houve proposta para limitar a posse a só uma arma de fogo no campo – rejeitada.
Desde a edição dos decretos presidenciais, em maio, parlamentares reclamam de como o governo tratou a questão das armas, ao propor as mudanças por atos presidenciais – ou seja, sem o aval do Legislativo.
Nesta quarta, Marcos Rogério criticou o novo projeto de lei apresentado pelo governo, pois prevê que o Executivo poderá definir, por conta própria, quem poderá ter direito ao porte de armas no País. “O governo, nessa matéria, está perdido”, disse, lembrando que o Senado aprovou na semana passada a derrubada dos decretos de Bolsonaro, de maio, que previa a definição das categorias profissionais com direito a porte via decreto.
A análise desses atos presidenciais seriam analisadas pela Câmara esta semana, mas o Planalto cancelou as medidas antes da apreciação. Os textos eram alvo ainda de cinco ações no Supremo Tribunal Federal.
Questionado sobre o projeto de lei proposto na terça-feira pelo governo (que também previa a posse estendida para o morador da área rural, uma promessa eleitoral de Bolsonaro), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta quarta que a análise do texto ficará somente para agosto.
Decretos vigentes
Seis meses e sete decretos depois, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem hoje um saldo de facilitação de acesso a armas para civis, com opções mais potentes à disposição dos cidadãos, além de benefícios para categorias de atiradores esportivos, colecionadores e caçadores.
O tema foi eleito desde janeiro pela nova gestão federal como prioritário. Apesar da pressão para recuar em alguns pontos, como a concessão de porte de arma a 19 categorias profissionais, Bolsonaro manteve vigentes três decretos cujo conteúdo já representa uma flexibilização da política de desarmamento vigente desde 2003.
Entre idas e vindas, está mantida, por exemplo, a facilitação para aquisição de armas de fogo para ser mantidas no interior de casas e comércios. O Decreto 9.845, um dos três vigentes, prevê que deve ser presumida a veracidade da declaração de efetiva necessidade apresentada pelo cidadão para aquisição da arma.
O indeferimento do pedido, diz o texto, só poderá ter como fundamento uma eventual falsificação dos documentos necessários, como um “nada consta” de antecedentes criminais, ou ainda se o autor do pedido tiver vínculo com grupo criminoso.
“O que vimos foi o governo dividir e reempacotar o decreto, com interesse de evitar carimbos de ilegalidade que viriam da Câmara e do Supremo (Tribunal Federal). O comportamento mostra bagunça e falta de confiança ao lidar com o assunto”, diz o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.
Continuam em vigência também as regras com benefícios para o grupo de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (os CAC). O mesmo decreto prevê que os CAC poderão adquirir até mil munições anuais para cada arma de fogo de uso restrito e 5 mil munições para as de uso permitido. O texto ratifica ainda a permissão para que a categoria porte arma de fogo curta municiada sempre que estiver em deslocamento para treino ou competições.
Já o decreto 9.846 prevê o limite de cinco armas de cada modelo de calibre permitido para colecionadores, 15 armas para caçadores e 30 armas para atiradores. A mesma quantidade é prevista também em relação às armas consideradas de uso restrito, totalizando dez armas de cada modelo para colecionadores, 30 para caçadores e 60 para atiradores.