Falar do Saci-Pererê em tempos de pandemia, ainda mais preocupante com a variante Delta, altamente contagiosa? Saci em pauta quando moradores do bairro CPA II fazem fila para receber ossos doados por um açougue? Sacizando enquanto a geografia do risco e da vulnerabilidade ao calor e recentemente ao frio castigam centenas de famílias? Sim, vamos sacizar!
Em 1917, Monteiro Lobato iniciou estudos para O Sacy-Perêrê: resultado de um inquérito. Um ano encravado na Primeira Guerra Mundial; na Revolução Russa que derrubou o governo czarista e autocrata; ano da greve geral de operários e comerciantes de São Paulo que reivindicaram melhores condições de trabalho e aumento salarial. Nesse ano, marcado na linha da história mundial, Lobato não titubeou em iniciar seu ato de diligência com vistas a apurar o paradeiro de Saci por este Brasil afora. Os estudos de Monteiro Lobato sobre o Saci nasceram em um ano sangrento. Alegou o escritor que Saci “veio com suas diabruras para aliviar-nos do pesadelo”, para “desviar a nossa atenção para um quadro mais ameno que trucidar povos.”
Mas, qual a mira do inquérito sobre Saci? O que pretendeu apurar? No Brasil presidido por Wenceslau Braz, Lobato queria “tirar a limpo o que de positivo havia na memória da nossa gente sobre esse insigne perneta.” A edição vespertina do jornal Estado de S. Paulo, o Estadinho, estampou a manchete Mythologia Brasílica – inquérito sobre o Sacy-Perêrê onde fez uma chamada para que todos colaborassem com a sindicância: “O Estadinho abre suas colunas para a investigação e pediu aos seus leitores que enviassem cartas em “depoimento honesto”. A investigação proposta por Monteiro Lobato deu a conhecer três questões:
1ª sobre a sua concepção pessoal do Sacy; como a recebeu na sua infância; de quem a recebeu; que papel representou tal crendice na sua vida, etc.;
2ª qual a forma atual da crendice na zona em que reside;
3ª que histórias e casos interessantes, ‘passados ou ouvidos’ sabe a respeito do Sacy.
É Saci um representante da cultura indígena? Africana? É conhecido o personagem fora do território brasileiro? No ano seguinte, o resultado do inquérito foi levado ao público. Grande expectativa, especialmente dos leitores que atenderam à convocação de Lobato. E saiu Sacy-Perêrê: resultado de um inquérito, seu primeiro livro contendo centenas de depoimentos que recebeu dos leitores do Estadinho.
Sacy-Perêrê: resultado de um inquérito, um dos personagens mais conhecidos das crenças populares brasileiras, é o primeiro livro a tratar do menino arteiro, pregador de peças. Uma posterior publicação do livro, de 1998, ainda pode ser adquirida em sebos, em edição fac-similar, patrocinada pela Fundação Banco do Brasil e Odebrecht, com 294 páginas.
Os anos foram caminhando… Muito ainda precisa ser dito sobre o Saci Pererê. Em 2007, após cem anos do estudo de Lobato, o historiador Carlos Cavalheiro atualizou as narrativas do famoso personagem e lançou Reabertura do inquérito sobre o Saci para reunir histórias, desenhos, poesias e outras criações vindas de diversas partes do Brasil. Esse precioso material está disponível na plataforma virtual da Editora Crearte (https://www.crearte.com.br/saci.htm). Ah! Tal qual fez Lobato, está aberta a participação de interessados que tenham histórias e experiências vividas com Saci Pererê. Textos podem ser enviados para o e-mail saci@crearte.com.br
Sem finalizar, pois semana que vem tem mais Saci, vale ouvir as composições musicais Sacizando, de Luiz Melodia, e Pererê Peralta, de Carlinhos Brown e Guto Graça Mello.
Anna Maria Ribeiro Costa é historiadora, escritora e filatelista na temática Povos Indígenas nas Américas.