O tema mórbido domina o local e parece ser o único assunto nesta pequena cidade indonésia, que tornou-se famosa graças ao que acontece numa ilha perto daqui, Nusakambangan.
A ilha é chamada de Alcatraz da Indonésia: um conjunto de prisões de segurança máxima com centenas de presos por tráfico de drogas, assassinato e outros crimes, condenados à morte por fuzilamento.
É em Nusakambangan que está o paranaense Rodrigo Gularte, de 42 anos, preso em 2004 com mais de 6kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe, e condenado à morte no ano seguinte.
Sua família quer que ele seja transferido para um hospital, pois foi diagnosticado como paciente de esquizofrenia paranoide. Eles aguardam o resultado de uma segunda avaliação médica, feita na semana passada.
Foi também em Nusakambangan que Marco Archer Cardoso Moreira tornou-se o primeiro brasileiro a ser executado no exterior em tempos de paz, em janeiro.
Há mais de 130 prisioneiros no corredor da morte na Indonésia e a iminente execução de 10 condenados por tráfico de drogas, nove deles estrangeiros – inclusive Rodrigo – , trouxe familiares, advogados e jornalistas para Cilacap, 270 quilômetros a leste da capital Jacarta.
Fumando um cigarro e bebendo cerveja no bar de um hotel, um parente de um dos condenados ignora o celular quando ele toca com a mensagem de um repórter.
"Tem um que só quer ver sangue. E tudo o que a gente vem tentando fazer é salvar vidas".
"Passamos horas aqui. E as conversas são só sobre isso", diz, evitando o quanto pode pronunciar a palavra "execução".
Ao nosso redor, grupos de repórteres e advogados – e uma barulhenta cantora que certamente receberia aplausos de pé se decidisse ficar calada.
Os principais hotéis de Cilacap estão lotados há dias, segundo funcionários, com a notícia de que as execuções seriam iminentes.
Na sexta-feira, no entanto, o porta-voz da Procuradoria disse que o recurso de um dos condenados – uma mulher filipina – ainda estava sob análise, o que atrasaria as execuções. Nenhuma data foi anunciada.
Desde então, os dias foram de espera e mais indefinição.
A forte presença da imprensa pode incomodar alguns, mas muitos familiares acreditam que a cobertura intensa tem, na verdade, os ajudado.
"É uma vantagem ter toda essa atenção da mídia", disse a advogada de um dos presos.
"Mas é um pesadelo ter que passar todo este tempo aqui. Não se tem nada para fazer".
Ela não é a primeira a reclamar do tédio da cidade – e das opções de comida, ou da falta delas. "Eu só como no KFC aqui", diz, entre gargalhadas.
Sukirman, de 52 anos, é só sorrisos. Sua lanchonete, instalada no porto de onde partem os barcos para Nusakambangan, vende de tudo, de água mineral a garrafas com gasolina.
"Geralmente, os negócios são tranquilos por aqui. Mas graças a Deus a cidade está lotada e as vendas estão aumentando".
Os dias mais movimentados são de segunda a quinta, diz ela, quando visitantes com autorização têm acesso à prisão.
Cada família tem direito a dois dias de visita por semana. A de Rodrigo tem acesso às terças e quintas. Os visitantes dos autralianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran, transferidos à prisão na semana passada, entram às segundas e quartas.
Autoridades de imigração também têm trabalhado duro, verificando passaportes e vistos e já deportaram jornalistas que trabalhavam com vistos de turistas por aqui, inclusive a equipe de uma TV brasileira.
Não demorou muito para que a própria equipe da BBC tivesse seus documentos checados.
Do lado de fora da loja de Sukirman, há uma fila de caminhões de TV e câmeras voltadas para a entrada do porto. Sob a sombra das árvores, equipes passam o tempo jogando cartas e tomando café.
Além da imprensa local, a mídia australiana tem acompanhado o caso de perto e jornalistas do país são vistos opr todos os lados, andando pelas ruas ao redor do porto.
Um repórter da TV indonésia disse estar "exausto" no quarto dia de plantão diante do porto. E, mais uma vez, sem nenhuma notícia.
Também no hotel, as execuções são o único assunto.
Apoio popular
A vendedora Santi, de 26 anos, também quer aproveitar o movimento, e há um dia abriu sua tenda
Pergunto sua opinião sobre as execuções. Ela diz ser uma medida acertada. "Impede que as pessoas destruam o futuro das gerações mais novas".
Esta opinião é a de muitos na Indonésia, e a pena de morte para tráfico de drogas parece ter grande apoio popular.
O presidente Joko Widodo rejeitou pedidos de clemência de condenados por tráfico de entorpecentes e tem repetido que o seu país enfrenta uma situação de emergência causada pelas drogas.
Ele tem resistido à pressão internacional, sobretudo do Brasil e da Austrália, para rever a sentença dos condenados.
A Indonésia tem uma das penas mais duras em relação ao tráfico. As execuções foram retomadas em 2013 após uma moratória de quatro anos. Em janeiro, seis traficantes – inclusive cinco estrangeiros – foram executados. Entre eles, o brasileiro Marco Archer.
Nusakambangan foi apelidada de "ilha da morte", mas também é um destino turístico famoso entre moradores da região, por suas praias e por sua floresta.
"É um lugar lindo", disse o nosso tradutor após passar algumas horas ali no domingo.
Eu não pude ir até lá. Uma autoridade de Cilacap me disse que o acesso a estrangeiros está proibido devido aos últimos fatos no lado mais sombrio da ilha.
Autoridades ainda devem anunciar quando – e se – as próximas execuções serão realizadas em Nusakambangan.
Até lá, não há dúvidas sobre qual será o assunto que continuará dominando as conversas em Cilacap.
Fonte: BBC BRASIL