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Cientistas cancelam folgas de fim de ano para estudar o zika

Jean Pierre Peron (esq.) com sua equipe e camundongos de experimento com o zika (Foto: Rafael Garcia/G1)

Os cientistas da rede de pesquisa montada em São Paulo para pesquisa do vírus zika vão passar o recesso de Natal e Ano Novo trabalhando para estudar a doença. Pelo menos 160 pesquisadores, distribuídos por 31 laboratórios pelo estado, estão com projetos em andamento.

Na terça-feira (22), o ICB (Instituto de Ciências Biomédicas), da USP, já tinha conseguido manter culturas do vírus em células — algo necessário para uso em experimentos e para diagnósticos por DNA. As primeiras fêmeas de camundongo grávidas foram infectadas na véspera de Natal, para um estudo que busca mostrar como o zika pode estar causando casos de microcefalia, fenômeno registrado sobretudo no Nordeste.

Segundo os cientistas, a expectativa é que, dentro de pouco mais de um mês, já exista um exame para diagnosticar o zika por sorologia, um exame mais prático, barato e versátil que o de DNA. Isso será essencial para avaliar a situação do zika em São Paulo, onde se suspeita que muitos diagnósticos de dengue sejam na verdade casos de zika.

"Os dias em que esse vírus passa circulando invisível já estão contados", afirma Paolo Zanotto, do ICB, que está agora coordenando a rede de pesquisa. A criação da força tarefa partiu de uma iniciativa dos próprios cientistas, há mais de um mês, que movimentaram verbas de outros projetos para começar a trabalhar no zika.

6 desafios da força-tarefa contra o zika

1) explicar como o zika causa microcefalia
2) entender os efeitos do zika no sistema nervoso
3) identificar fraquezas no DNA do Aedes para combatê-lo
4) desenvolver meios alternativos contra o mosquito, como a bactéria que produz inseticida
5) entender a interação das doenças transmitidas pelo Aedes
6) mapear o vírus em SP

A Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo), nesta semana, repassou aos cientistas um montante de R$ 516 mil para início dos trabalhos em caráter emergencial.

A maior parte dos grupos de trabalho envolvidos no projeto, 16, estão na USP. A Unesp tem 6, a Unicamp tem 3, o Instituto Butantan 2. A Unifesp, a Faculdade de Medicina de Jundiaí e a Famerp têm, cada uma, um grupo até agora.

Zanotto ainda negocia a participação de mais pesquisadores, incluindo grupos de fora de São Paulo, mas não teve resposta ainda. A Fiocruz foi convidada a se juntar ao grupo, mas não respondeu. Tanto a Fiocruz quanto o Instituto Adolfo Lutz desenvolvem trabalhos paralelamente aos da rede concentrada na USP.

Um dos principais esforços do grupo é o de mapear a distribuição do vírus em São Paulo. Para isso, o laboratório de virologia clínica do ICB, liderado pelo cientista Edison Durigon, firmou um acordo com o laboratório Dasa, que controla as redes Fleury e Lavoisier, para criação de um diagnóstico por DNA.

A ideia é que casos suspeitos em 14 estados do país passem pelas instalações centrais do Dasa em Barueri (SP) e que as notificações sejam enviadas a grupos nos locais de infecção — acompanhadas dos endereços dos pacientes — para uma ação mais concentrada de eliminação dos mosquitos.

Durigon e Zanotto usaram a mesma técnica num estudo piloto para controlar a dengue no Guarujá e obtiveram bons resultados.

Para conseguir gerar as quantidades de vírus necessárias para uso pelo Dasa e por todos os cientistas da rede, os cientistas estão trabalhando dia e noite. Com a USP em recesso nesta semana, os prédios com laboratórios das áreas biomédicas eram os únicos funcionando em quase todo o campus.

Zika e sistema nervoso
Um dos experimentos mais importantes iniciados agora foram os do cientista Jean Pierre Peron, do ICB, que busca entender a relação entre o zika e o sistema nervoso. "A gente está tentando ver se de fato há alguma relação entre os casos de microcefalia, o zika, e a síndrome de Guillain-Barré, uma síndrome autoimune pós-infecciosa", explica o pesquisador.

Peron está mantendo em um biotério os camundongos que infectou com o vírus e vai acompanhar o efeito. No caso das fêmeas prenhas, a ideia é verificar se o cérebro dos filhotes será afetado assim como nos casos humanos de microcefalia.

Se os mecanismos moleculares pelos quais o sistema nervoso se deteriora forem identificados, os cientistas esperam identificar alguma droga que possa interferir no processo.

'Não vai ter férias'
Patrícia Braga, da Faculdade de Medicina Veterinária, desenvolveu um tipo especial de cultura de neurônios que simula o desenvolvimento cerebral, e aguarda agora amostras de vírus para começar experimentos.

"Reuni minha equipe e falei: 'Não vai ter férias", disse a cientista, que estava nesta quinta preparando os trabalhos para quando o ICB tiver vírus suficientes para lhe entregar. "Não dá para ter férias. Tem criança nascendo e mulheres grávidas ou querendo engravidar que podem ser afetadas por isso."

Patrícia e outros cientistas estão também tentando arranjar uma maneira de contornar o problema da burocracia na importação de insumos e equipamentos. Muitos reagentes e meios de cultura — materiais necessários para lidar com o cultivo de células vivas em laboratório — são produzidos fora do país, e demoram meses para chegar, após passar por trâmite pela alfândega e pela vigilância sanitária.

"É a primeira vez que trabalho com essa urgência", disse Patrícia. "Somos nós, cientistas brasileiros, que temos que fazer esse trabalho agora, porque isso não está acontecendo em outros lugares."

Além dos grupos enfocados em compreender a biologia do zika dentro do organismo humano, os entomologistas (especialistas em insetos) foram recrutados para a força-tarefa.

"Queremos entender quais características genéticas do mosquito estão relacionadas com competência [para transmitir doenças]", diz Lilcoln Suesdek Rocha, do Butantan. “Fazendo isso, podemos identificar fraquezas genéticas do mosquito que eventualmente vão ajudar a controlar suas populações."

Toxina inseticida
Rocha trabalha em conjunto com o laboratório de entomologia de Margareth Capurro, do ICB, que também pesquisa métodos alternativos mais eficazes de controle do mosquito, como preparados de Bacillus thuringiensis, bactéria que produz uma toxina inseticida.

Um dos problemas a ser resolvido pelos cientistas é entender a interação entre os diferentes patógenos transmitidos pelo Aedes aegypti. Não se sabe ainda se o zika é capaz de conviver dentro dos insetos com os vírus dos quatro subtipos da dengue e da chikungunya. Ainda não está claro, também, se diferentes vírus podem infectar uma mesma pessoa ao mesmo tempo, nem se essa interação é maléfica.

Por via das dúvidas, os cientistas da USP já orientaram o Butantan, que conduz o teste de uma vacina contra a dengue, para excluir grávidas e outras populações sob risco incerto do recrutamento para o ensaio clínico de fase 3.

Para resolver essas dúvidas, será preciso sequenciar o DNA de várias amostras de zika que vierem a ser encontradas. Por enquanto, todos os vírus usados na USP são derivados de uma paciente de Belém, mãe de uma criança microcefálica nascida morta, cedida à universidade pelo Instituto Evandro Chagas.

A distância de São Paulo com o Norte/Nordeste, onde os casos de microcefalia estão concentrados, atrapalha um pouco o acesso da USP ao material coletado de pacientes. O acordo com o Dasa, porém, deve suprir parte dessa lacuna. E com a chegada do verão, cientistas esperam ter bastante trabalho à medida que a proliferação do mosquito aumenta, e não está descartado que o aumento do número de casos de microcefalia comece a acontecer no Sudeste.

São Paulo, de qualquer forma, tem uma infraestrutura de 22 laboratórios de microbiologia com a segurança necessária para manipular o zika, o que põe o estado em uma posição mais confortável para começar a lidar com o problema. "Agora é o melhor momento de a gente mostrar para que serve isso tudo", afirma Edison Durigon, do ICB.

Fonte: G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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