Em meio ao caos urbano da ‘Cidade Verde’ – apelido carinhoso de Cuiabá, que se perdeu com a modernização –, cores dissonantes se espalham pelos muros, casarões abandonados e até espaços públicos da capital. Os grafiteiros, depois de passar por uma época de repressão, finalmente ganham espaço nas ruas e começam a sentir o merecido reconhecimento da arte.
Este boom de cores ganhou força no Estado. Por onde se passa, principalmente na região central da capital, desenhos com diferentes temas, que vão do psicodelismo regional até a frases de protesto, dão uma nova leitura aos becos, travessas e avenidas da cidade. E esta nova essência vem incentivando jovens a se manifestarem de alguma forma.
Babu Seteoito, conhecido grafiteiro da cidade, avalia que uma nova escola de artes está se formando na capital e que isso é muito positivo aos novos artistas, mesmo com poucos recursos disponíveis.
“Aqui sempre foi um lugar onde teve muito artista. A cultura da arte visual é uma coisa muito forte. Agora acho que anda se formando uma nova escola de arte, que é uma galera que faz arte na rua, porque arte urbana é algo despretensioso. O cara faz porque tem que fazer, porque dá vontade, não tem esse compromisso todo. E eu vejo isso nessa galera, fazer arte porque gosta de fazer e não porque tem que fazer”.
O artista Jhon Douglas, rondoniano que está há quatro anos em Cuiabá, iniciou os seus traços com o grafite aqui no Estado. Ao lado de um grupo de amigos (inclusive Babu), ele ajuda a colorir a cidade em busca da beleza através da sua arte.
Ele analisa que o grafite ainda é um tão marginalizado pela sociedade local, mas que com o acesso à informação pela internet, esta aceitação chega aos poucos na cidade. “A galera só gosta mesmo do que é bonito nos olhos deles. Tem mais aceitação, porque tem um monte de coisa bonita na internet. Por exemplo, eu faço algumas coisas na rua comparado a muitas artes, mas tem gente que dois riscos é bonito e outro acha que um trabalho mais elaborado é melhor. Mas, para mim, não tem diferença. Se você causar uma reação para alguém, para mim já é válido”.
Quem reforça a opinião é o tatuador e também grafiteiro Jean Siqueira. Ele, que adotou esta arte há cinco anos, observa que não há mais repressão por parte da polícia, e sim de parte da sociedade. “[O grafite] já foi mais reprimido, mas hoje o problema está nas pessoas que ligam para a polícia, depois que vê a gente pintando um muro. Eu já fui abordado umas três vezes por isso, mas sempre quando os policiais chegavam eu argumentava que não estava brincando e eles deixavam eu continuar a fazer minha arte, por entender que aquilo não era vandalismo”.
Por ser uma arte que nasceu da pichação, ato considerado ‘vandalismo’ pelo Código Penal brasileiro, o grafite ainda é visto com maus olhos pela sociedade. Babu acompanhou todo este processo de aceitação que a sociedade ainda passa nos tempos de hoje. Ele, que viveu a repressão da arte na década de 1990, disse que o preconceito é bem menor do que anos atrás, coisa que sente na pele desde a época. “Eu respondi a processo do Estado por pintar na rua. Eu apanhei da polícia por pintar na rua. Hoje o Estado contrata meu trabalho, hoje o governo federal me dá prêmio porque eu desenvolvi uma oficina no presídio com homens”, lembra.
O acaso planejado
A arte do grafite nasce no acaso um tanto ‘planejado’. Os artistas urbanos andam pela cidade já imaginando quais lugares encaixariam um tema qualquer, seja ele de cunho pessoal, político, entre outras temáticas.
“Normalmente eu saio observando os lugares, como terrenos baldios, e já imagino qual desenho se encaixaria. Sempre ligo o lugar com o que vou pintar, e muito do que pinto tem um significado forte. Mas mesmo que a intenção seja uma, as pessoas podem interpretar de outra forma, seja de tristeza, alegria, política ou qualquer coisa”.
Jhon Douglas, que tem um estilo específico no grafite, explica as particularidade de cada artista, no entanto, apesar de diferentes, os desenhos acabam se misturando pelas ruas. “Cada um tem um jeito de fazer. Eu faço uns skets e sempre tenho algumas coisas predefinidas. Você olha o muro e pensa algo diferente, talvez que acrescente o desenho. Muitas vezes a gente se conecta e faz os desenhos juntos, tem muito disso“.
Babu, que hoje se destaca pelos desenhos que passam uma mensagem de reflexão, disse que para ele se encontrar neste meio foi um processo longo, pois se encontrava perdido diante de inúmeras vertentes da arte. Mas que hoje se sente realizado por completo.
“Antes eu sempre buscava referências para a minha pintura, e eu tinha os artistas mato-grossenses aqui na cidade. Mas ao mesmo tempo eu me sentia meio perdido nisso. Porque de alguma maneira eles tinham as escolas deles. Você quando estuda a arte, você se encontra nisso e eu me sentia meio perdido. E o grafite fez com que eu me encontrasse dentro do meu tempo e espaço”.