Durante três dias, entre 26 e 28 de julho, Xangai se transformou na vitrine mais ambiciosa da inteligência artificial (IA) global, com a China exibindo não apenas seus avanços tecnológicos, mas também sua estratégia diplomática no setor.
A conferência World Artificial Intelligence Conference (WAIC) 2025 reuniu mais de 800 empresas de 40 países, que apresentaram cerca de 3 mil produtos. O foco evidente foi a robótica, com dezenas de humanoides participando de lutas simuladas, empilhando caixas, jogando mahjong e até servindo cerveja. Mas, por trás da performance, o governo chinês deixou claro que pretende ser mais do que um centro de inovação: quer liderar a regulação global da IA.
“Os recursos críticos estão concentrados em poucos países e empresas. Se seguirmos por um caminho de monopólios e controles, a IA será um jogo restrito a poucos”, disse o premiê Li Qiang na abertura do evento, em 26 de julho. O discurso foi registrado pela AFP e interpretado como uma crítica indireta aos Estados Unidos, que dias antes haviam lançado seu próprio plano estratégico para manter a dianteira em IA.
A resposta chinesa foi imediata. Li anunciou que o país criará uma organização internacional para coordenar políticas de governança da inteligência artificial. O projeto visa contrabalançar a fragmentação atual entre normas e princípios que regem o uso da tecnologia no mundo. “Precisamos de um consenso amplo o mais rápido possível”, afirmou.
O setor privado chinês aproveitou o evento para demonstrar sua capacidade de competir com as gigantes americanas. De acordo com dados da própria WAIC, a China já responde por 1.509 modelos de IA, o que representa mais de 40% do total mundial. O número foi divulgado pela agência Xinhua no encerramento da feira, nesta segunda, 28.
A Baidu apresentou uma nova geração de seus “humanos digitais”, agentes com aparência realista que, segundo a empresa, são capazes de “tomar decisões e colaborar”. Em entrevista à AFP, Wu Chenxia, chefe do setor de avatares digitais da Baidu, garantiu que mais de 10 mil companhias já utilizam a tecnologia diariamente. “A IA não substitui o trabalho humano, ela complementa e economiza esforço”, disse.
A startup Unitree anunciou que lançará o R1, um robô humanoide em tamanho real, por menos de US$ 6 mil. “Com o boxe, mostramos controle de movimento. Em cinco a dez anos, eles estarão cuidando de idosos”, afirmou Yolanda Xie, porta-voz da empresa, à Reuters.
Enquanto isso, empresas como Tencent e SenseTime apostaram em modelos multimodais e ambientes 3D gerados por IA. A Tencent apresentou o Hunyuan 3D World Model 1.0, e a SenseTime exibiu a versão V6.5 de seu sistema SenseNova, focado em eficiência de aprendizado reforçado. “A produção multimodal escalável é o futuro”, disse o analista Wei Xiong, da UBS Securities, ao jornal South China Morning Post.
No campo da infraestrutura, a Huawei chamou atenção ao revelar publicamente o Supernode 384, um sistema com 384 processadores Ascend, capaz de realizar 300 petaflops, um volume comparável ao de supercomputadores ocidentais. A exibição foi vista como uma tentativa de reduzir a dependência chinesa dos chips da Nvidia, cada vez mais restritos pelas sanções dos EUA.
Entre as curiosidades do evento, robôs demonstraram habilidades delicadas como descascar ovos com braços cirúrgicos e jogar partidas inteiras de mahjong com humanos. No estande da PsiBot, um androide enfrentava visitantes e exibia estratégias dignas de um jogador experiente. “A ideia não é vencer, mas mostrar a capacidade de adaptação e leitura de padrões”, explicou Lin Haoran, engenheiro da startup, ao South China Morning Post.
A ausência de empresas como OpenAI e Meta não diminuiu o peso internacional do evento. O ex-CEO do Google, Eric Schmidt, foi um dos principais nomes estrangeiros a discursar, com um apelo direto por colaboração. “Estados Unidos e China devem trabalhar juntos. Temos interesse comum em manter o mundo estável”, declarou no domingo.