O Dito Gordo, raizeiro que mora lá pro lado da Guia, garante que os chás naturais dão conta de curar qualquer doença. Ele teria descoberto, segundo me disseram, um remédio com 85% de eficácia contra a covid-19. Citando experiência que fez recentemente, o Dito afirma que o chá de casca de ipê roxo é “tiro e queda” na eliminação do coronavírus.
Lembrando que na década de 1980 a avó dele foi curada de um câncer com essa planta, ele viu aí a possibilidade de usá-la contra a Covid. Entrou em contato com diversas pessoas acometidas pelo novo vírus e com amigos que tinham conhecidos também infectados, convencendo-as a tomar o milagroso chá.
Eram quinze os conhecidos e amigos dos amigos que receberam a “medicação” e comprometeram-se a tomá-lo regularmente em uma dose diária que lhes recomendou. Destes, 13 ficaram bons em duas semanas, o que dá uma porcentagem de quase 90% de cura.
Esses pacientes seduzidos pela eficiência do ipê roxo repassaram para outros esta novidade, criando uma procura enorme pela planta, que o Dito Gordo vendia a um preço bem camarada.
Só que ele, avesso a notícias de jornais sérios, não sabia que cerca de 85% das pessoas acometidas de Covid-19 são assintomáticos ou apresentam sintomas leves e progridem naturalmente para eliminação do vírus em mais ou menos duas semanas.
Assim o milagre estava explicado: com a casca do ipê roxo, chá de hortelã ou nenhum medicamento, os pacientes evoluiriam favoravelmente, pois este é o padrão dos doentes da Covid.
Esqueceram de falar isso para o Presidente Bolsonaro, que pelo jeito também não lê jornais, pois ele afirma que, infectado pelo vírus, está passando bem graças à cloroquina que tomou desde que percebeu os primeiros sintomas. Provavelmente se substituísse a cloroquina pelo chá de casca de ipê do Dito Gordo teria tido os mesmos resultados, com a vantagem que este último não apresenta efeitos colaterais.
Claro que cada um tem o direito de tomar o que quiser para tratar uma doença desconhecida e para a qual não existe ainda um remédio comprovado. O que não é aceitável é alardear o poder de cura de qualquer substância antes de sua comprovação científica. Desculpa-se o Dito Gordo que, na sua ingenuidade de raizeiro, desconhece os trâmites de uma pesquisa científica, mas não o Presidente da República fanatizado pela cloroquina, que a ciência do mundo inteiro condena.
Os médicos tem receitado a cloroquina ou a ivermectina como tentativa de vencer o vírus, mas as usam em caráter experimental. O que vale mesmo, comprovadamente, é o suporte representado por respiradores e por medicamentos que tem a finalidade de minorar os estragos que o vírus faz. São os retrovirais, os anti-inflamatórios e os corticoides que ajudam a regenerar o organismo.
De resto, os velhos como eu, precisam tomar cuidado e contar com a sorte, pois se pegarmos a covid podemos ter que acertar as contas com o criador mais cedo que esperávamos, mesmo tomando cloroquina do Presidente ou o chá do Dito Gordo.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor