O suicídio é uma doença que mata mais de 800 mil pessoas no mundo anualmente, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença não afeta apenas quem sofre com este tipo de pensamento, mas também os familiares e amigos. Para cada suicídio consumado, seis pessoas ficam em processo de sofrimento, explica o pesquisador e chefe da Unidade de Atenção Psicossocial do Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), Hugo Gedeon Barros dos Santos.
Em Mato Grosso foi registrada 114 mortes do gênero entre os meses de janeiro e outubro de 2015, sendo que 49 foram em Cuiabá e 19 em Várzea Grande, com predominância nas cidades do interior. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), em 2016, nos mesmos meses correspondentes foram registrados 151 mortes no Estado, 45 em Cuiabá e 19 em VG, correspondente a um aumento de 32% dos casos.
Hugo Gedeon alerta que este número é “subestimado” e explica que muitas mortes e tentativas são interpretadas como “acidentes domésticos” e “acidentes de trânsito”. Ainda de acordo com o pesquisador para cada registro, a estimativa é que já aconteceram cinco tentativas que não foram registradas e a cada tentativa registrada, outras 17 pessoas tem o pensamento de tirar a própria vida.
“Esses números podem chocar as pessoas. Nós até somos questionados por isso, pois não existe um mecanismo correto de atendimento, alguma coisa que nos dê propriedade de dizer que de fato foi uma tentativa. Às vezes, por exemplo, chega um idoso no Pronto-Socorro que está desmaiado devido uma medicação errada. Isso é caracterizado como acidente doméstico, mas se for fazer uma investigação mais profunda verá que ele não tomou errada a medicação. O que eu estou querendo dizer, é que nós temos um índice de subnotificação muito forte”, informa Hugo Gedeon.
Ainda de acordo com o pesquisador, que possui mestrado no tema, as pessoas que tem pensamentos deste tipo não querem morrer, mas sim livrar-se de uma dor interna, na qual ela pensa que todas as alternativas foram esgotadas. Não existe um motivo específico, geralmente são “multifatoriais ou multideterminados”, sendo impossível descobrir o porquê de uma pessoa tirar a própria vida. Ele alerta ainda que este não deva ser o foco, principalmente em coberturas da mídia, mas sim levar a informação de que é possível evitar até 90% dos casos.
“São diversos os fatores que podem levar a pessoa a ter essa ideação suicida ou até mesmo a tentativa. O que a literatura aponta como fortes fatores associados são os quadros de depressão, consumo de substâncias psicoativas, principalmente as ilícitas, assim como o consumo de álcool, que é disparado um dos fatores mais associados. Nós vamos ter ainda a esquizofrenia e alguns elementos socioculturais como a orientação sexual”, explica o pesquisador.
De acordo com Hugo, quando identificado o comportamento suicida, as pessoas não devem ter medo de chamar para conversar. Ele explica que o assunto ainda é tabu e merece mais espaço para ser discutido na mídia e coberturas jornalísticas. Por algumas pessoas não entenderem sobre o tema, ele diz que muitos preferem “desconversar” em vez de ajudar o próximo. No entanto, Hugo Gedeon alerta que a simples indicação de um serviço como uma ligação para o CVV [Centro de Valorização da Vida] pode ser uma de grande ajuda.
“O CVV hoje é uma grande referência. Com um telefone você já pode ser atendido, é algo muito mais imediato. A pessoa já consegue ter um norte, conversar com alguém, uma vez que os operadores do CVV são treinados para isso e a partir dali outras ajudas serão ofertadas. A pessoa pode muita das vezes, arriscar como ultimo palpite. Uma ultima maneira de tentar alguma. Uma ligação vai ser fundamental para que ela não leve adiante essa ideia”, argumenta Hugo Gedeon.
Como identificar o comportamento suicida
Os grupos mais propensos a cometerem suicídio são os idosos, na maioria homens, homossexuais, bissexuais, jovens de 15 a 29 anos, além de pessoas que sofreram com a perda de um ente ou amigo pelo suicídio, de acordo com Hugo Gedeon. Para o pesquisador é necessário estar atento às mudanças de discursos para identificar um possível comportamento neste sentido.
“As pessoas precisam se atentar muito ao discurso, a fala desse sujeito. Por exemplo, se uma pessoa repente começa a dizer para você que ‘não vale mais a pena’, que ela ‘não sabe mais o que fazer’ ou que ‘não vê mais a luz no fim do túnel’. De um modo muito sutil ela está dizendo que está perdendo o interesse em viver, então se você escutar algumas frases como esta deve abordar essa pessoa e de fato perguntar e ser objetivo, ‘como assim não existe mais luz no fim do túnel? ’, ‘isso realmente passa pela sua cabeça? ’”, ensina Hugo Gedeon.
Porém, ele avisa que o que a pessoa menos precisa naquele momento é de outra pessoa a julgando. Por isso ele recomenda evitar julgamentos morais e religiosos, principalmente quando se trata de uma tentativa. No entanto, algumas pessoas tem medo de ouvir a resposta e não saber o que fazer, por não entenderem do assunto e ficam com medo de “assumir a responsabilidade”, mas de acordo com Gedeon, a indicação de um serviço pode ajudar.
“Eles tem medo de assumir a responsabilidade, não querem tocar no assunto e desconversam. A gente precisa ouvir essa pessoa, por que no fundo ela não quer morrer, quer se livrar da dor e para isso ela precisa de ajuda. Essa pessoa por si só já está abalada, pois chegou ao ponto de acreditar que a morte era a única saída. O que ela menos precisa neste momento é do julgamento alheio, da família, de amigos e dos aparelhos de saúde que estão assistindo ela”, argumenta Hugo.
Pronto-Socorro emocional do CVV
O Centro de Valorização da Vida (CVV) foi criado em 1962 e possui 70 postos de atendimento em 18 Estados da Federação e mais no Distrito Federal. O atendimento é feito via telefone 141, para os locais que possui um posto físico ou pelo telefone (65) 3321-4111. O atendimento é realizado 24 horas por dia, nos 365 dias do ano e dá apoio emocional e prevenção ao suicídio para todas as pessoas, além de garantir total sigilo e anonimato.
Segundo o coordenador do CVV em Mato Grosso, Joimmyr Hellensberger, 36, por mês mais de 400 ligações são atendidas por 60 voluntários no Estado, que passam por diversos cursos para aprender a compreender e não julgar as pessoas. Hellensberger lembra que a falta de alguém para conversar, de ser compreendido “são um dos grandes fatores que tem levado as pessoas a pensarem nisso”.
Noventa por cento dos casos podem ser evitados e as pessoas dão sinais de que estão passando por problemas emocionais e que podem atentar contra a própria vida, afirma Hellensberger. Ele lembra ainda que “a gente precisa está olhando mais para a pessoa que está ao nosso lado. A ajuda com a observação. Esse é um grande problema na sociedade, você está com um monte de gente em volta e mesmo assim a gente se sente sozinho até para conversar”, disse Joimmyr.
Segundo ele é necessário prestar atenção no comportamento da pessoa. Se ela está deixando de fazer o que mais gostavam a exemplo de quando era preocupada com a aparência e de repente ficam desleixadas com o visual, além de apresentar uma solidão e isolamento fora do normal. Ele alerta ainda que seja necessário falar mais sobre o tema e que as pessoas não podem ignorar quando percebe algum sinal ou quando a pessoa verbaliza esse desejo.
“A preocupação maior é com as pessoas que verbalizam que vão fazer e ninguém leva a sério. Entre dez pessoas que falam que vão fazer, oito realmente fazem”, afirmou Joimmyr Hellensberger.
Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio
A ideia de tirar a própria vida é mais comum em pessoas que já tentaram suicídio ou em familiares de vítimas de suicídio. “Essas pessoas precisam de atenção especial, principalmente nos meses seguintes à morte ou à tentativa de suicídio”, comenta Ana Rosa Ramos Nunes, voluntária do CVV. Não há comprovações de tendência genética, mas sim a influência do sentimento de culpa e de um processo de luto cercado por tabus, revolta e discriminação.
Para complementar o atendimento individual por telefone, e-mail, chat, Skype e pessoalmente, o CVV passou a coordenar grupos de apoio com reuniões presenciais. É o chamado CVV GASS – Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio, realizado em modelo similar a outros grupos de apoio, como para alcoolismo, dependência química e luto. A essência do trabalho é que todos os participantes têm histórias afetadas pelo suicídio e, na troca de experiências e apoio mútuo entre esses ‘iguais’ buscam superar as dificuldades de ter um recomeço ou superar o drama vivido.
Ana Rosa explica que oficialmente ‘sobrevivente’ é o familiar ou pessoa muito próxima de um suicida, mas que o CVV GASS está aberto também aos que tentaram se matar. “Não se exige nada de quem busca o Grupo, a não ser que se enquadre no perfil e esteja disposto a ser ajudado”, explica. “Ninguém vai ser cobrado por isso ou por aquilo, mas acolhido de maneira compreensiva e sem críticas ou julgamentos”.
Já há 13 Grupos em funcionamento, tanto em postos de atendimento do CVV quanto em outros locais, pois o conceito é que possa ser implementado por outras organizações, como casas religiosas, universidades, secretarias de saúde, hospitais e ONGs. Nesses casos, a exigência é exclusivamente o cumprimento do modelo, como a existência de uma periodicidade nos encontros, a gratuidade e a supervisão de um psiquiatra ou psicólogo.
O CVV GASS já opera no Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Novo Hamburgo), Paraná (Curitiba), São Paulo (capital e Sorocaba), Rio de Janeiro (capital), Mato Grosso (Cuiabá) e Brasília. Ainda neste ano Belém, Recife e Roraima devem ter novos Grupos. Em Cuiabá, as reuniões ocorrem quinzenalmente na Rua Comandante Costa, número 296, no Centro da Capital. Há dois grupos, um que se reúne às terças-feiras, das 19h30 às 21h30 e outro que se reúne nas sextas-feiras, no mesmo endereço e no mesmo horário. Para mais informações, basta dirigir-se diretamente à reunião ou enviar e-mail para cvvcomunidade@cvv.org.br ou cvvcomunidade141@gmail.com. (AI)