De um lado, os sitiantes defendem a criação de uma reserva florestal e, de outro, outros proprietários de terras temem ser expulsos do local, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A Polícia Militar do município informou que os manifestantes, que fazem parte da Associação de Produtores Rurais da Região, estão bloqueando as estradas de acesso ao município desde a última quinta-feira (19). A polícia disse não ter sido comunicada sobre o protesto contra a criação dessa reserva. A reportagem não localizou o presidente dessa associação neste domingo.
Rubem, que faz parte da Comissão Nacional de População Tradicional, contou que há um grupo de fazendeiros e grileiros que são contra a criação dessa unidade de conservação. Segundo ele, a cidade está praticamente fechada, com várias barreiras nas estradas que dão acesso ao município, para evitar a entrada de pesquisadores que vão colher informaçães acerca da vida dos retirantes.
"A cidade está fechada nos dois sentidos. Ninguém entra e ninguém sai. Queimaram a minha casa e tentaram queimar o meu carro", disse o morador, explicando que há dois anos, desde a cogitação da criação dessa reserva, começaram os conflitos, porém, recentemente, mais acirrado. "Minha irmã, que é bióloga e já se manifestou a favor dessa unidade de conservação, foi ameaçada de morte. Disseram que vão queimá-la viva", frisou Rubem. Ele registrou boletim de ocorrência na polícia por conta do incêndio supostamente criminoso. Há quase 100 famílias de retireiros cadastradas na associação.
Além das casas queimadas, pesquisadores e um grupo de alunos de mestrado em geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) também foram expulsos da cidade pelos grandes proprietários de terras, que estariam com medo de que fizessem uma consulta pública para transformar a área em Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). O professor Cornélio Silvano Vilarinho Neto, que coordenava o grupo, disse que o ônibus em que estavam foi barrado duas vezes na estrada e foram obrigados a voltar para Cuiabá.
Conforme o professor, eles foram impedidos de continuar a viagem com destino a São Félix do Araguaia, a 1.159 km da capital, passando por Luciara. "Eles avançaram no ônibus, andamos um pouco e, depois que paramos, conversei com eles, disse que iríamos para São Félix do Araguaia e eles disseram que tínhamos que voltar para Cuiabá, se não iriam atear fogo no ônibus. Fomos parados duas vezes e monitorados até que chegássemos em Alto Boa Vista, por homens que estavam em uma caminhonete. Notamos que eles não estavam brincando com a gente", relatou.
O professor contou que a viagem era para conhecer a região, mas eles foram confundidos com pesquisados do Instituto Chico Mendes. "Iríamos fazer um trabalho para conhecer a região, claro que iríamos conversar com os retireitos, conheço esses retireiros, mas nunca imaginei que tivesse esse conflito", disse. Segundo ele, com a criação dessa associação de retireiros, os pequenos pecuaristas, que estão no local há muitos anos, descobriram que essas terras são devolutas da União, e daí pediram que fosse transformada em unidade de conservação, porém, "os fazendeiros que estão no local demonstraram resistência e, por isso, estão fazendo ameaças". Outro pesquisador já havia sido impedido de permanecer na cidade nessa mesma semana.
Por conta dessas ações criminosas e de ameaças, inclusive aos moradores, o representante do ICMBio em Mato Grosso, Fernando Francisco Xavier, informou ter pedido ao governo do estado reforço policial, bem como que solicite intervenção da Força Nacional de Segurança na região. "A situação em Luciara é gravíssima. Nessa semana, chegou em um nível de confronto até então não estabelecido na áre, a ponto de pessoas fecharem a cidade de Luciara", avaliou.
Fernando Xavier explicou que existe um grupo de moradores que participou da colonização de Luciara e que, desde o início desse processo, criam gado em áreas inundadas no Araguaia. "Quando alaga eles levam o gado para áreas mais altas e quando abaixa voltam com o gado. Agora, eles pleiteam uma unidade de conservação federal para garantir o território e manutenção das atividades agroextrativistas", disse. Porém, segundo ele, há muitos posseiros na região que são contra essa ideia.
Na avaliação do representa do ICMbio, houve equívoco por parte dos fazendeiros, já que nem o pesquisador, nem o grupo da UFMT, iriam realizar consulta pública. "Tem algumas pessoas, com interesses contrários, disseminando informações erradas de que esses fazendeiros seriam retirados da área. O processo ainda não está pronto, mas precisamos aprofundar esse debate. Nós estamos preocupados porque tem pessoas sendo ameaças lá e hoje queimaram outra casa", pontuou.